Capítulo 18 - Destinos

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Beethoven - Silence (Stille)

Há um pedaço de papel amassado acima da cômoda ao lado de minha cama, escondido entre a compressa que repousa em minha testa enquanto durmo e o frasco de líquido espesso cor de sangue que tomo todas as noites e que Impa chama de Poção Vermelha. É a primeira coisa que vejo quando acordo. Não faço a mínima ideia do porquê de estar ali e tenho raiva do modo como destoa do ambiente, mas forço-me a ignorar o crescente receio do imprevisível na boca do estômago e apanho o papel.

Há algo escrito nele e a letra é minha.

A letra é minha.

"A floresta vela por uma gravura imaculada

No ardor do fogo consolidada

Pelas veias abertas da água resguardada

Nas sombras do delírio ocultada

Pelo espírito do deserto abarcada

Depredada e vandalizada

Como estilhaços de um espelho a ser consertado

Após sete anos de azar amaldiçoado.

Não fuja do augúrio revelado

Não fuja do caminho traçado

A trama jamais será contrariada."

Jane, a Louca

Tremo diante de palavras que não consigo compreender, embora saiba muito bem de onde elas vêm. Releio o texto até que não mais aguente o som das rimas pobres gritando em minha cabeça, tentando entender seu significado e falhando miseravelmente. Há algo, contudo, que não me escapa: perdi o controle novamente, a primeira vez em semanas desde que Impa me aceitara em sua casa.

Até então, eu vivera sob a ameaça de Helena, uma criatura que eu estava longe de conhecer de fato, embora soubesse o suficiente para nunca mais querer encontrá-la dentro de mim enquanto vivesse. Agora há Jane, a Louca e suas palavras confusas.

Mas quem é Jane, a Louca?

Talvez ela tente me destruir por dentro, como Helena um dia tentou.

Talvez ela consiga.

Sem me importar com os horários ou qualquer outra coisa além, aperto o passo procurando por Impa, a ponto de simplesmente ignorar a possibilidade de esbarrar em Link pelos corredores.

A essa altura, seus olhares cruéis não podem me fazer mal mais que eu mesma.

A ansiedade e o medo se dissolvem em raiva latente quando os encontro sentados à mesa de centro da sala de estudos, como que esperando por mim. Pelo canto do olho, vejo-os organizando estratagemas. A raiva é tamanha que me poupo do desprazer de verbalizá-la e simplesmente jogo o pedaço de papel na mesa, como um ponto de interrogação pairando acima da sala, gritante demais para ser ignorado. Não sento ao lado de nenhum dos dois, encostando no batente da porta com os braços cruzados, contando até dez mentalmente o mais devagar que posso, antes que eu faça algo de que me arrependa.

Eles leem os versos demoradamente, enquanto respiro fundo, tentando conter a impaciência.

Previsivelmente, Impa é a primeira a romper o silêncio.

– Jane, a Louca... é este o nome? – ela dá de ombros quando não respondo – Ela escreveu isto noite passada, ao que parece.

– Não lembro de nada da noite passada – retruco, entredentes, diante de seu aparente descaso. Impa é esperta até demais para saber a pergunta implícita por trás da afirmação.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora