Capítulo 5 - Siga o Coelho Branco

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Respiro fundo enquanto pedalo até o fim da rua, o ar frio e opressivo da noite recebendo-me com uma lufada indesejada, enquanto Thalia se segura atrás de mim, tremendo de frio debaixo do casaco escuro volumoso. São meia-noite e meia quando penso que só posso ter enlouquecido de vez, vasculhando mentalmente as vielas e becos escuros em busca de um rosto mal-encarado em potencial, qualquer evidência que aponte o quanto este plano tem tudo para dar errado.

– Já estamos perto da loja? – pergunto, virando-me para Thalia.

– Quase – responde a garota, com o semblante apreensivo – Pode ir mais rápido?

Franzo a testa.

– Estou pedalando o mais rápido que posso.

Sei que ela está certa, no entanto. Qualquer deslize nos torna alvo fácil do submundo camuflado nas ruas desertas, precisamos ser rápidas por aqui.

– Trouxe as coisas? – pergunta.

– Sim, trouxe tudo – digo, tocando em minha mochila cinzenta de nylon abarrotada de materiais.

Permanecemos em silêncio o resto da viagem, alertas demais para nos preocuparmos com qualquer outra coisa. Aproveito para revisar em minha cabeça nosso plano feito às pressas, que não passa de um punhado de mensagens sucintas no WhatsApp, mas meus pensamentos inevitavelmente se voltam para o que direi à minha mãe quando voltar para casa.

Se eu voltar.

Passamos por uma avenida movimentada, as barraquinhas de lanches, marca registrada de nosso bairro, lotadas de clientes, o barulho de aglomerações aproximando-se de meus ouvidos. A mudança de cenário, os letreiros faiscantes dos carros lanchonete, quase me fazem esquecer do que estou prestes a fazer, tentando-me, incitando-me a desistir deste plano maluco para simplesmente voltar para casa, mas já é tarde demais para voltar atrás.

A escuridão recebe-nos novamente assim que entramos em uma transversal, longe da agitação febril do centro, uma área ladeada por sobrados históricos do século XVIII caindo aos pedaços e postes de iluminação quebrados. Thalia aperta minha cintura, a respiração entrecortada.

– Não olhe agora, mas... vai, anda!

Não é necessário dizer mais nada. Pelo canto do olho, vejo dois vultos a alguns metros de nós. Parte de mim já esperava que algo assim acontecesse, embora não importe o quanto a situação seja ridiculamente previsível, ainda mais em um subúrbio longe do centro, o pânico não diminui.

– Como eles são? – pergunto em um sussurro nervoso.

Thalia engole em seco.

- Não dá pra ver muita coisa – responde-me – Mas são dois caras usando casacos pretos e um deles tá com um volume muito suspeito no bolso.

Aperto meus pés nos pedais ainda mais, meu coração batendo acelerado. Mas a pouca luminosidade das ruas, bem como as poças d'água espalhadas pelo asfalto íngreme, retardam o caminho ainda mais.

– Thalia... – sibilo, esperando instruções.

– Vira pra essa rua à esquerda.

Pedalo rapidamente, virando na direção apontada.

– Aqueles caras ainda estão atrás de nós?

– Sim – responde a garota – Dá pra vê-los melhor agora. Aquele volume que eu te disse parece ser o cabo de uma faca das grandes. Ou alguma outra coisa, ainda não consigo ver tudo.

– Droga, a gente tem que sair logo daqui – digo, entredentes – Anda, pra onde eu viro?

Thalia hesita por um momento.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora