Capítulo 27 - Maya

1.1K 102 7
                                    

"Se as portas da percepção se desvelarem, cada coisa apareceria ao homem como é, infinita."

(William Blake)


Luzes, luzes finas.

Transpassando as retinas até os confins da consciência.

Ouço os risos de escárnio de quatro almas atormentadas

Levem-me até onde não posso dizer

Levem-me até onde a menina não pode alcançar

Levem-me até onde devo estar.

***

É noite debaixo das paredes imponentes do Templo da Floresta, repletas de trepadeiras, de ar tão puro quanto uma biblioteca empoeirada. Além dos músculos doloridos debaixo das roupas suadas e cobertas de imundície, um arranhão arde em meu braço esquerdo, advindo de uma briga com dois lobos que guardavam a segunda entrada do lugar, como se não bastasse a legião de Moblins do lado de fora. Link também não está em sua melhor forma (se é que um dia já estivera), andando com dificuldade graças a uma mordida superficial na coxa, que seria ainda maior se eu não tivesse atirado no momento certo e quase perdido o braço direito no processo. Aquelas criaturas levaram o melhor de nós e, por mais que o fraco sol de fim de tarde ainda brilhe do lado de fora, a penumbra lançada pelas luzes difusas no centro do templo arde em meus olhos e me faz querer cair de joelhos.

Mas não quero dormir. Não posso dormir.

– Link – chamo, tentando afastar o sono – Foi você quem trouxe os cavalos noite passada?

Passar a madrugada sem dormir tem suas vantagens, afinal de contas, e não me escapou sua saída repentina da floresta seguida de sons de relincho e cascos esmagando folhas velhas horas depois. Ele me avisara na véspera que daria um jeito mais tarde, embora eu não contasse com aquilo em momento nenhum, mesmo depois que Navi tentara me tranquilizar naquela noite. Mas o tempo se encarregou dos fatos, no fim das contas e talvez, apenas talvez, eu tenha subestimado a capacidade do rapaz em manter promessas – principalmente aquelas em que sua égua Epona está envolvida.

Recebo apenas silêncio como resposta, embora já esteja me acostumando, a essa altura. As palavras de Navi ainda estão bem frescas em minha cabeça. Se começar uma briga, já não será culpa minha. Talvez seja mesquinhez de minha parte mas, honestamente, ninguém precisa saber.

– Cê ainda me deve uma – murmuro arrastada quando a estática realmente começa a me incomodar.

– O que você acha? – retruca.

Solto um riso de desdém.

Acho que mereço saber o que acontece por aqui sem precisar ficar na surdina o tempo todo – respondo – É isso o que eu ach...

– Shhh... vocês dois! – interrompe Navi, saindo de dentro do gorro onde estivera desde nosso encontro com Sheik – Olhem!

Voltamo-nos para as quatro luzes do centro, tremeluzentes como que prestes a se apagar a qualquer momento. Dentro de quatro tochas posicionadas nos vértices de um quadrado imaginário, as chamas coloridas giram, formando imagens sólidas – a primeira, uma figura encapuzada alaranjada, seguida de outras três similares, ainda que de cores diferentes: azul, verde e roxo. Um cubículo de quatro colunas semelhante a um elevador desce gradativamente no centro do quadrado. Uma vez transformadas, contudo, estas evaporam em pleno ar diante de nossos olhos, seguindo por várias direções, não sem uma deixar uma risada fina e aguda reverberando pelas paredes do salão.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora