Capítulo 33 - Réplica

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Parcialmente escondido por nuvens densas e monocromáticas, o sol de meio-dia brilha pálido e fraco à beira do lago Hylia enquanto lavo as roupas de baixo sujas de sangue até que meus dedos fiquem enrugados. O ar seco e concentrado cheira a metal.

Já faz três dias desde que voltamos à estrada e, a despeito do silêncio, este é um dos poucos momentos em que posso desfrutar da solidão. Link tentou pescar por aqui há pouco tempo, apressando o passo logo em seguida com o rosto tão vermelho quanto minhas calças. Em outras circunstâncias, eu teria rido até me engasgar, mas o desânimo tem sido uma constante para mim nestes últimos dias – mais até do que o normal, o que já significa muito. Não falo com Navi desde o incidente da véspera, e só abri a boca até agora para empurrar os remédios goela abaixo ou perguntar a duração da viagem. Às vezes é surpreendentemente fácil esquecer o som da própria voz.

Esfrego o pano com força, mas o tecido dessas "toalhas" é áspero, daqueles que teima em continuar manchado. O desconforto fora bem maior no início, sem nada higiênico o suficiente à luz dos meus padrões de adolescente do século XXI para conter o fluxo quente e úmido, até Impa me mostrar o jeito antigo. Ainda incomoda, mas são tantos problemas imediatos reclamando minha atenção – como o status duvidoso de minha própria sanidade, ou qual será a refeição do dia seguinte, se houver um – que parece supérfluo demais perder mais que alguns segundos em questões como esta.

Tenho muito em que pensar nestes últimos dias, coisas que estão além do meu controle, mas tenho escolhido ignorar quase tudo. Prometi a mim mesma que só mostraria a borboleta origami quando fosse capaz de entendê-la sozinha, o que não consegui até agora, para meu infinito desprazer. Apalpo o bolso interno da túnica de vez em quando, só para verificar se ela ainda está ali, por mais tolo que pareça. Ainda que eu mal compreenda o que quer dizer, ou de onde veio, a dobradura é uma das poucas coisas que me aproximam de Alice, agora que o medalhão já não está em minhas mãos. Desfazer-me dele revelou-se mais doloroso do que pensei, conforme os dias corriam, sem seu peso familiar entre meus dedos antes de dormir. Link nunca imaginaria do que abri mão para que parássemos de brigar. Sequer deu motivos para que eu depositasse minha confiança nele com a mesma intensidade.

E pensar que minha vida, consciência, ou o que diabos aquele medalhão enfeitiçado controle, está em suas mãos agora.

Minha tarefa é interrompida por um pequeno guincho, vindo por detrás dos arbustos. Solto um suspiro – se é de alívio ou de impaciência, não sei dizer. Um pontinho de luz azulada familiar ronda devagar pelo curso do regato até chegar a mim, mas não adianta: Navi não sabe ser sutil.

– Oi – diz, após alguns minutos.

– Oi – respondo, rouca e um pouco sem jeito.

Ela se volta para baixo e fita minhas calças encardidas.

– Você se machucou?! – exclama.

Sorrio como não fazia há dias. De vez em quando esqueço o quanto Navi é ingênua.

– É... não? – respondo.

Sua confusão é cômica.

– Então o que é isso...?

– O que você acha?

Suas asinhas brilham em compreensão.

– Aaah! Então foi por isso que o Link...

O sorriso teima em sair de meu rosto.

– Foi por isso sim – digo, tentando suprimir uma risada.

Navi não diz nada por um bom tempo e eu prossigo de onde parei, um pouco apreensiva. Ela não pode ter vindo aqui se ainda tiver medo de mim, pode?

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora