Capítulo 13 - As pessoas mentem o tempo inteiro

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The Girl with the Dragon Tattoo OST - People lie all the time

Impa me encara com um olhar ainda mais perfurante que o de Link. Em meio ao incômodo de ser observada de forma tão invasiva, um fio de pensamento se forma em minha cabeça.

Mas é claro!

Estremeço ante a memória, tão distante de mim quanto o resto de minha vida no subúrbio. Lembro-me da guerreira de cabelos igualmente pálidos segurando uma gigantesca espada, uma das personagens controladas pelo joystick de Isabela naquele jogo, Hyrule Warriors, na casa de Leo. Mas esta, penso comigo mesma enquanto aproveito a oportunidade para retornar seu olhar e analisá-la com cautela, é bem diferente do que me recordo.

Seus cabelos curtos, platinados, estão firmemente amarrados para trás, contrastando com a pele olivácea. Sua fisionomia séria, marcada pela experiência, indica-me que ela talvez se encontre na faixa dos quarenta e poucos anos. Seus olhos vermelho sangue, contudo, são o traço que mais me assusta, como se fossem capazes de conhecer toda a minha essência – ou a de qualquer um que tenha o azar de encará-los tão diretamente – com um mero vislumbre. Ela veste uma espécie de peitoral prateado, que começa como uma gargantilha azul e conecta-se às mangas compridas de tecido azul-cobalto por uma insígnia de metal em formato de olho, descendo por toda a extensão do tronco e terminando na altura dos quadris, onde começam as calças de mesma cor e tecido das mangas, e terminam em botas de couro maleável. Luvas escuras vazadas recobrem suas mãos. Sua postura inspira-me um ar militar muito diferente da inconstância moral e ameaça velada de Link – é estóico e quase lacônico, de quem já vivenciou lutas demais e não quer, sob nenhuma circunstância, ser incomodada novamente. Instintivamente, desejo jamais conhecer sua ira.

Silêncio. Já não consigo sustentar seu olhar, embora isso não a impeça de me analisar por minutos a fio. Conto o tempo, congelado em algum instante entre o som de sua voz e a fixação de seus olhos em mim, através de minha respiração ofegante, que tenho quase certeza de que é capaz de ouvir tão claramente quanto qualquer outro som. Link permanece distante, como que reconhecendo a presença impositiva da mulher. Pergunto-me se permanecerei presa a este instante pelo resto dos meus dias até ser abruptamente arrancada do marasmo pelo som de sua voz.

– Solte a garota – diz simplesmente – Ela, sem dúvida, tem muito a nos contar.

Link faz menção de objetar, mas algo de imperativo no semblante de Impa leva-o a engolir quaisquer palavras contrárias que guardasse, desamarrando meus pés e mãos dormentes pela falta de circulação. Escolho não aparentar a repulsa que o mero toque de suas mãos me provoca. Ele aperta meus pulsos com firmeza, como que esperando que eu o ataque novamente quando tal ato é praticamente suicídio.

– Tá me machucando – sibilo, embora seu aperto não diminua nem um pouco após meus protestos.

– Leve-a até aqui em cima – ordena Impa.

Subimos as escadas do sótão, entrando em um pequeno cômodo sóbrio de aparência confortável e moderadamente iluminado. As prateleiras repletas de livros, a escrivaninha no canto da sala e as paredes, repletas de símbolos, mapas estratégicos e esquematizações, assemelham o local a uma sala de estudos Há uma mesa com algumas cadeiras em outro canto do local, o que talvez signifique que um dia também fora uma sala de reuniões importantes. Impa gesticula para que eu sente em uma delas.

– Comece a falar.

Engulo em seco. Não posso me utilizar da mesma abordagem seca e agressiva com que agi com Link. Algo nela inspira uma sensatez que talvez seja uma de minhas últimas esperanças neste lugar. Preciso proceder com cautela.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora