Capítulo 23 - The boy with the thorn in his side (Parte 1)

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New Order – Elegia

Uma velha ponte se estende debaixo do túnel de árvores, e tudo é tão escuro e etéreo que o peito aperta  a cada passo dado. Por um bom tempo, sou tomada pelo receio de que as cordas da passagem não aguentem o peso dos cavalos, a madeira das vigas coberta de musgo e podridão, como se a natureza reclamasse de volta uma velha civilização abandonada, uma velha aldeia.

Como sempre, eu tenho medo.

Sigo Link devagar, segurando as rédeas com força até que minhas mãos estejam esfoladas, tentando não olhar para baixo, onde sei que há ainda mais verde, musgo e cheiro de natureza morta. A entrada – que surpresa!, também esculpida em madeira – não está muito longe, mas nem isso consegue me acalmar totalmente, enquanto eu instintivamente penso em todas as possibilidades de dar um passo em falso e ser engolida pelo mato selvagem. O cheiro de floresta abandonada se intensifica conforme nos aproximamos do fim da ponte, e sei que o que nos aguarda atrás dos arcos rústicos e apodrecidos é ainda pior.

Há outro túnel dentro da entrada, este repleto de teias de aranha e insetos nojentos.

– Vamos ter de deixar os cavalos do lado de fora – ele sussurra, talvez ciente da estranha força presente na floresta.

Minha garganta dói.

– Sozinhos...? – respondo em um outro sussurro. A voz sai seca e estranha – E se eles fi...

– Vamos voltar aqui mais tarde – retruca. Não posso deixar de me perguntar em que ponto do tempo será este "mais tarde", se até lá já não seria tarde demais, mas escolho não dizer mais nada por pura teimosia – ou ausência dela.

Desço do cavalo, pressentindo o crec de minhas botas contra as pilhas de gravetos e folhas velhas do solo áspero. Caminho devagar, tentando abafar meus ruídos por nenhum motivo em particular, assustada com a pouca luz. Distraio-me analisando as aranhas, com suas grotescas carapaças em formato de crânio humano. Olho para o lado, enojada.

Afastando as trepadeiras e os cipós da entrada ao fim do túnel, Link dá uma brusca passada para trás. Ansiosa para sair daquele limbo nojento, aperto o passo, desejando ver o que o assustou tanto a ponto de se afastar com tanta rapidez.

É pior do que pensei.

Talvez um dia este lugar já tenha sido habitado, mas é difícil de acreditar. Tudo – absolutamente tudo – jaz em uma apodrecida cobertura verde; minúsculas casas encrustadas em troncos de árvore estão cercadas de samambaias e mato espesso, e o cheiro de carne decomposta está por todo lugar. Observando com um pouco mais de atenção, noto pequenos esqueletos soterrados em meio ao solo úmido tomado por aranhas, crânios embolados em musgo e fungos, pequenos cogumelos parasitando suas órbitas vazias, entremeando as rachaduras no velho osso. Para meu pavor, vejo corpos pútridos mais recentes, quase irreconhecíveis, em avançado estágio de decomposição repletos de vermes e moscas em seu entorno, próximos das copas das árvores mais frondosas, alguns à beira de um pequeno riacho. Tripas acinzentadas e escurecidas pela putrefação despontando do tórax, sangue escuro impregnado na carne viva do músculo exposto e rasgado brutalmente por alguma coisa; membros vermelhos e pretos contorcidos em ângulos estranhos;  um parasita saindo de uma boca permanentemente aberta em um "O", de onde também escorre um líquido escuro. Prestando um pouco mais de atenção, vejo que se tratam de cadáveres de crianças.

Tudo aqui tem cheiro de morte.

Vejo Link cair de joelhos.

Quase desejo fazer o mesmo.

Quero fugir daqui, quero berrar e chorar, rir histericamente diante de toda a desgraça, destruição que grita silenciosamente diante dos meus olhos.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora