Capítulo 15 - Juramento

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"A minha alegria acordava a dele, e o céu estava tão azul, e o ar tão claro, que a natureza parecia rir também conosco. São assim as boas horas deste mundo".

(Dom Casmurro, Machado de Assis)

Siouxsie and the Banshees - Lullaby

6 anos antes

Eu devia ter uns nove para dez anos, mas lembro bem daquela época em que tive de implorar a semana inteira para que minha mãe saísse mais cedo do trabalho e me levasse para a festinha de aniversário da Alice.

Alice, que estava sempre ao meu lado.

Éramos amigas desde pequenas. Daqueles tempos, tudo o que consigo lembrar é do desejo de pertencer a algum lugar, de ter um grupo para o qual retornar entre os intervalos e horários de saída da escola. As meninas mais velhas tratavam-me de maneira hostil quando eu pedia uma Barbie emprestado e mais ainda quando, depois que me mandavam embora, eu trazia carrinhos Hotwheels - alguns meus, alguns de Edgar - para brincar sozinha no canto da sala de aula. Lembro-me de, aos poucos, encerrar a mim mesma em uma fina camada de indiferença, com a firme convicção de que, se um dia aqueles atos doeram, já não havia importância e estava tudo bem assim. Mas o desejo permanecia o mesmo, escondido debaixo do peito.

As coisas mudaram um pouco depois que conheci Alice. Sempre agitada, ela era dada a brincadeira imaginativas no exíguo pátio do recreio. Suas ideias não possuíam limite algum, e ela dava tudo de si ao interpretar as personagens, ou ao me incitar a participar das historinhas. Mesmo não possuindo a mesma desenvoltura natural de Alice, eu me permitia adentrar, aos poucos, em seus sonhos mais loucos.

Não sei como começou. E hoje, sequer tenho certeza se realmente terminou.

Ao longo dos anos, era difícil não notar seus longos cabelos negros encaracolados nas pontas; seus olhos castanhos graúdos ou sua pele olivácea. Alguma coisa em sua expressão levava-me a acreditar que escondesse um segredo de todos, como uma piada irônica da qual só ela saberia a resposta, selada por trás do perpétuo sorriso enigmático em seus lábios.

Perguntava-me o tempo inteiro o que ela fazia ao meu lado. Um dia, no recreio, eu decidi externar aqueles fantasmas. Alice acabara de retirar um sanduíche de requeijão com tomate de sua lancheira, pronta para dividi-lo comigo, quando respondeu:

- Sabe o que é, Ceci? - disse, com a boca cheia de pão de forma, esboçando um sorriso bobo - Cê sempre se lembra de tudo, de todas as coisas importantes. Os outros sempre esquecem e não tem graça.

De fato, eu nunca mais me esqueceria daquela resposta.

Chegara, então, o mês de seu aniversário. Naquele ano, Alice decidira fazer uma festa na pizzaria perto de sua casa. Eu não sabia como me sentir, em ter de interagir com as outras crianças.

-Vai ser legal - encorajou-me meu pai, alguns dias antes do aniversário, enquanto aparava meus cabelos - Seja gentil com os outros coleguinhas, que eles serão legais com você.

- Cê não entende, papai - resmunguei - Eles continuam não gostando de mim.

- Então tenho um conselho melhor - respondeu calmamente, com aquela expressão serena que lhe era tão cara - Seja você mesma.

Munida daquelas palavras (desgastadas como soassem para qualquer outra pessoa que não uma menina de dez anos), decidi que talvez não fosse má ideia. Alice era minha melhor amiga, afinal de contas. Talvez valesse o esforço.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora