Capítulo 35 - Retorno

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– Quem é esse Darunia?

– Um... um amigo.

A resposta demora menos do que eu esperava. Talvez esta não seja a melhor hora para confrontá-lo sobre o passado, não quando temos de atravessar estas paredes repletas de lança-chamas bloqueando a passagem, em uma espécie de labirinto invisível de tentativa e erro.

Mas já cheguei a um ponto sem retorno pra pensar em empatia a essa altura. Ou, pelo menos, acho que cheguei.

– Eu vi como o Goron Link olhou pra você, não me vem com esse papo.

Não é como se Link me ignorasse desta vez, defendendo-se dos projéteis arremessados da parede ladrilhada oposta com seu escudo. Nem a expressão vazia é a mesma de quando ele o faz.

Não... tem a ver com outra coisa.

– Bora, responde – pigarreio, impaciente demais para ser educada. Limpo as gotas de suor acumuladas acima dos lábios com as luvas e finjo que sei o que está acontecendo comigo agora. Pelo menos não estou tonta desta vez.

Link grunhe, talvez de raiva, talvez de cansaço.

– Vai com calma, Cecília – repreende Navi, acima de nossas cabeças.

– Não... – ele responde, para nossa surpresa, como se se esforçasse para dizer o exato oposto – Acho que não tem muito jeito senão contar, não é mesmo?

– Pra você, acho que não – tusso um pouco.

– Não vai desmaiar aqui, vai? – retruca, seco.

Estremeço, embora minha voz saia firme ao dizer:

– Pensei que o colar não estivesse aí só de enfeite – solto, com uma pontada de angústia que apenas eu posso identificar.

O jovem solta outro suspiro.

– Quer ouvir ou não quer?

Dou de ombros. Escutar algo de Link, nas poucas vezes em que ele permite que isso aconteça, sempre significa entender as coisas pela metade. Depois de ter arrancado de mim, há quatro dias, tudo o que eu estava disposta a dizer, não quero que ele pense em nenhum momento que pode escapar ileso de minhas perguntas. Sempre posso recorrer a Navi no fim do dia, e ele sabe disso.

A história em si não é tão impressionante, mas eu presto atenção. A coisa toda começou sete anos antes – os únicos sete anos antes dos quais Link poderia se lembrar –, quando Zelda dera-lhe a missão de coletar as tais pedras espirituais. Já havia recebido a primeira da Árvore Deku em seu leito de morte; a segunda, o Rubi Goron, e a terceira, a Safira Zora, estavam localizadas respectivamente na Cidade Goron e no Domínio Zora, na nascente do lago Hylia. Logo quando chegara, o povo goron estava em desespero após ter sua principal fonte de alimentos, a Caverna Dodongo de onde retiravam pedras, bloqueada por Ganondorf (sempre ele), em uma de suas primeiras ações de retaliação anteriores ao golpe de Estado – ele também queria o Rubi.

Em um primeiro momento, não foi tão fácil cair nas graças de um líder embrutecido como Darunia, que duvidava (e com razão) da capacidade de uma criança de dez anos em resolver a questão. Em algum momento, contudo, ele teve de ceder ("Quem diria que um goron grandalhão daqueles tinha uma queda por baladinhas dançantes?", interrompe Navi, reprimindo uma risadinha fora de contexto), aceitando a ajuda. Link eventualmente libertou a caverna e salvou o povo da fome, ganhando não apenas o Rubi, como também a eterna e incondicional gratidão de Darunia, se já não estivesse óbvio pelo nome do próprio filho tanto tempo depois. Tornaram-se então "irmãos jurados", e Link faz questão de não se aprofundar muito no que exatamente isso quer dizer.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora