Capítulo 17 - Remoto Controle

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"Você está bem 

Não há nada de errado 

Autossuficiência, por favor!

E comece a trabalhar"

Björk - Army of Me

As semanas que se seguem não são fáceis. Não há outra forma de encarar o que ainda me espera, não com minha vida na corda bamba a todo momento. Os dias tornam-me arredia, desconfiada, restringindo qualquer perspectiva futura a três objetivos predefinidos: encontrar Alice, voltar para casa e, acima de tudo, permanecer viva.

Nestes dias, tento não pensar muito no que estou fazendo, muito menos no futuro ou nos riscos a minha espreita. Tudo se tornará mais complicado se assim eu o fizer. É a parte mais difícil de todo o processo, tentar esquecer que um dia houvera outra Cecília, alheia a verdades terríveis e grotescas, isolada em dúvidas e questionamentos aparentemente sem resposta. Mas esta Cecília não existe mais.

Dizem que a ignorância é uma bênção. De certa forma, também é uma maldição.

Nos raros momentos de quietude, reflito que não conseguiria fugir, não mais, da realidade dolorosa em que estou agora. Não quando ela me oferece as ferramentas necessárias para que eu descubra a verdade, seja ela qual for.

Meu maior medo agora é não possuir a força necessária para suportá-la.

Não me é permitido demorar muito nesses pensamentos: os treinamentos diários de Impa são eficazes em deixar minha cabeça no lugar a maior parte do tempo. Acordo com o cacarejar das galinhas, seguido de um grunhido de desaprovação de Link, que parece detestá-las tanto quanto eu, e então forço-me a acordar e enfrentar a rotina que tenho pela frente.

Os treinos começam cedo de manhã, com pausa para almoço e descanso, e seguem até o fim da tarde. Nos momentos em que lutamos, Impa testa meus limites à exaustão, não demonstrando nenhum sinal de condescendência para comigo, pelo menos não enquanto estamos na área dos fundos da casa. Há algo de imprevisível em cada um de seus golpes, capaz de desarmar completamente minha teimosia e desestabilizar minhas defesas. Sempre tenho a sensação de que estou tateando no escuro, como uma criança tentando medir forças com um adulto. Amaldiçoo a mim mesma, sobretudo a Helena, cuja única herança minimamente positiva de nada me vale – eu não deveria ser uma assassina tão perfeita quanto ela se dividimos o mesmo corpo?

Mas a resposta a esta pergunta é daquelas que hesito em dizer.

Claro que Impa nota minhas reticências, em uma tarde quente e particularmente maçante.

- Não está usando todo o seu potencial, Cecília – diz, interrompendo a luta – Vou deixar que você mesma me explique o porquê.

Sob seu olhar veemente e inquiridor, solto um daqueles suspiros frustrados que se tornaram ridiculamente frequentes em nossos treinos.

– Não consigo – dou de ombros, embora ciente do tremor de minhas mãos, escondendo-as nas dobras da velha túnica cinza de malha que peguei emprestada – Tem um limite pras habilidades dela que posso usar.

Alguma coisa na expressão da mulher, um misto de cinismo e algo mais que não consigo identificar, demonstra que ela claramente não se convence com minhas desculpas esfarrapadas.

– Talvez. Mas há algo que lhe impede de usar o pouco que já tem, Cecília. Você não está nem tentando – ela me encara, resoluta – O que é?

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora