"Sob a lua azul eu te vi
Muito em breve você me levará
Em seus braços
Tarde demais para implorar ou cancelar
Embora eu saiba que esta seja a hora mortal
Involuntariamente minha".
Echo and the Bunnymen - The Killing Moon
Eu não disse tudo, é claro.
Não diria nem se minha vida dependesse disso.
Resumi minha pouca experiência de vida em termos que Link pudesse entender. Como explicar carros, prédios, saneamento básico, smartphones, consoles e internet para um personagem de videogame semi-medieval? Não explicando. Disse que ele, e todo aquele mundo onde estávamos, eram uma espécie de lenda fantasiosa, um "faz de conta" para quase todos de onde eu vinha. Alice acreditou mais do que devia, e eu cometi o erro crasso de segui-la em sua loucura, o que não deixava de ser verdade.
Talvez agora ele pense que sou uma bruxa.
Não dou a mínima. Quem mandou perguntar?
– De onde eu venho, as pessoas são obcecadas por ouvir histórias – falei, um pouco reticente – Talvez agora você entenda o que a Alice quis dizer quando te encontrou.
Se ele percebeu a dubiedade de minha sinceridade, nada disse. Meneou a cabeça a cada palavra dita e não dita, como se mesmo os espaços vazios revelassem algo além das entrelinhas, demolindo o monstro capcioso que ele projetara sobre mim, a despeito do "mundo futurista" de onde eu vinha. Havia um conforto perverso em observar um certo tipo de expectativa cruel abandonar seus olhos – daquelas que ele não poderia esconder nem mesmo de gente tapada como eu – na mesma velocidade com que as palavas abandonavam minha boca. Link poderia fingir ser um cara de princípios o quanto quisesse. Eu fingiria que acreditava.
Àquela altura, já tinha aceitado o fato de que procuraríamos um novo culpado juntos. Mas, por enquanto, eu nutria um contentamento não muito saudável em vê-lo desapontado daquele jeito. Eu não era o que ele esperava.
Isso significava que ele também não era o que eu esperava. É, teríamos mesmo de encontrar esse novo culpado juntos.
Agora em retrospecto, contudo, gosto de pensar que estou aprendendo a ceder aos poucos, e não saí de mãos vazias. Agora sei, por exemplo, que Link se despedira do espírito de Saria quando a luz me cegara antes de fugir. Ela não estava morta, muito pelo contrário. Até dera ao rapaz uma espécie de amuleto, um souvenir do além para contatá-la como guardiã do Templo da Floresta quando a hora chegasse. Que diferença faz? No presente momento, sua amiga de infância vive em uma dimensão etérea enquanto ele continua preso ao círculo vicioso de libertar o espírito dos outros Sábios por mais algumas quatro vezes. E comigo, ainda por cima, mas também pouco importa. Nós dois já concordamos que não precisamos ser amigos.
Aproveitando-me dos resquícios de meu atrevimento, convenci Link a deixar os cavalos no estábulo onde minha montaria estivera aquele tempo inteiro desde que Helena chegara a Kakariko.
– Esse bicho não tem nome? – perguntou.
– E se eu não quiser que ele tenha? – retruquei, acariciando a crina do animal.
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A Garota que Nunca Existiu
FanfictionEm um esquecido subúrbio na zona norte do Rio de Janeiro, Alice, uma fã fervorosa da franquia The Legend of Zelda, desaparece sem deixar rastros. Embora esteja ciente de que vive em uma cidade em que casos como este não passam de páginas de jornais...