Capítulo 34 - Inexorável

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"Sob a lua azul eu te vi

Muito em breve você me levará

Em seus braços

Tarde demais para implorar ou cancelar

Embora eu saiba que esta seja a hora mortal

Involuntariamente minha".

Echo and the Bunnymen - The Killing Moon


Eu não disse tudo, é claro.

Não diria nem se minha vida dependesse disso.

Resumi minha pouca experiência de vida em termos que Link pudesse entender. Como explicar carros, prédios, saneamento básico, smartphones, consoles e internet para um personagem de videogame semi-medieval? Não explicando. Disse que ele, e todo aquele mundo onde estávamos, eram uma espécie de lenda fantasiosa, um "faz de conta" para quase todos de onde eu vinha. Alice acreditou mais do que devia, e eu cometi o erro crasso de segui-la em sua loucura, o que não deixava de ser verdade.

Talvez agora ele pense que sou uma bruxa.

Não dou a mínima. Quem mandou perguntar?

– De onde eu venho, as pessoas são obcecadas por ouvir histórias – falei, um pouco reticente – Talvez agora você entenda o que a Alice quis dizer quando te encontrou.

Se ele percebeu a dubiedade de minha sinceridade, nada disse. Meneou a cabeça a cada palavra dita e não dita, como se mesmo os espaços vazios revelassem algo além das entrelinhas, demolindo o monstro capcioso que ele projetara sobre mim, a despeito do "mundo futurista" de onde eu vinha. Havia um conforto perverso em observar um certo tipo de expectativa cruel abandonar seus olhos – daquelas que ele não poderia esconder nem mesmo de gente tapada como eu – na mesma velocidade com que as palavas abandonavam minha boca. Link poderia fingir ser um cara de princípios o quanto quisesse. Eu fingiria que acreditava.

Àquela altura, já tinha aceitado o fato de que procuraríamos um novo culpado juntos. Mas, por enquanto, eu nutria um contentamento não muito saudável em vê-lo desapontado daquele jeito. Eu não era o que ele esperava.

Isso significava que ele também não era o que eu esperava. É, teríamos mesmo de encontrar esse novo culpado juntos.

Agora em retrospecto, contudo, gosto de pensar que estou aprendendo a ceder aos poucos, e não saí de mãos vazias. Agora sei, por exemplo, que Link se despedira do espírito de Saria quando a luz me cegara antes de fugir. Ela não estava morta, muito pelo contrário. Até dera ao rapaz uma espécie de amuleto, um souvenir do além para contatá-la como guardiã do Templo da Floresta quando a hora chegasse. Que diferença faz? No presente momento, sua amiga de infância vive em uma dimensão etérea enquanto ele continua preso ao círculo vicioso de libertar o espírito dos outros Sábios por mais algumas quatro vezes. E comigo, ainda por cima, mas também pouco importa. Nós dois já concordamos que não precisamos ser amigos.

Aproveitando-me dos resquícios de meu atrevimento, convenci Link a deixar os cavalos no estábulo onde minha montaria estivera aquele tempo inteiro desde que Helena chegara a Kakariko.

– Esse bicho não tem nome? – perguntou.

– E se eu não quiser que ele tenha? – retruquei, acariciando a crina do animal.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora