Capítulo 2 - Bronzes e Cristais

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– E como exatamente isso me dá um passe livre pra ficar desenhando na aula de literatura? – retruco, tentando manter a voz estável.

Leo apenas balança a cabeça ante minha teimosia e oferece-me um sorriso confortador.

– Apenas tente sair dessa armadura e relaxar um pouquinho – ele coloca o braço ao redor dos meus ombros – Se estiver interessada, hoje o pessoal vai lá em casa jogar aquele Zelda novo que lançou pro Wii U. Cê vai querer ir depois do treino?

A pontada no fundo do estômago aumenta e engulo em seco, tentando esconder minha reação com uma expressão neutra. Não é para menos, afinal: The Legend of Zelda era a série de jogos preferida de Alice.

– Claro, pode ser. Que horas?

Leo inclina a cabeça, pensativo.

– Umas 17 horas – ele sorri repentinamente – Ah, não faça essa cara. Pensa que eu não sei o tempo que cê passa naquela quadra?

– Ah cara... - respondo, mas não termino.

– Vai lá! Não pode abrir mão dessas suas horas sagradas só pela gente? – ele faz um ridículo beicinho.

Eu rio.

– Vou pensar no seu caso.

Chegamos até uma área descoberta do pátio, com um velho chafariz no centro, há muito sem funcionamento. Os alunos costumam se pendurar na estátua de uma náiade grega segurando um vaso, do qual, teoricamente, deveria jorrar água. Embora o pessoal da limpeza e o diretor reclamem o quanto quiserem, este é um dos casos em que "o cão ladra, mas não morde", como Leo costuma dizer.

Duas garotas e um rapaz estão sentados comendo lanche na borda do tanque, abrindo espaço para sentarmos quando nos aproximamos.

A mais baixinha, Thalia, levanta-se num pulo e vem correndo me cumprimentar.

– Eu te vi desenhando no meio da aula.

– É, menina! Nem mostra pro povo! – resmunga a outra garota, Isabela, empoleirada em um dos braços da estátua.

– Alguém de vocês trouxe lanche extra? – pergunta o rapaz magricela, Orlando.

– Pode ficar com a metade do meu – antes que um sorriso esperançoso alastre-se por seu rosto, repito – Com a metade!

Retiro cuidadosamente do papel-alumínio o sanduíche de tomate com requeijão, feito por minha mãe – meu favorito – e dou uma daquelas olhadelas do mal para Orlando.

– Tá com o seu caderno aí? – pergunta Isa.

– Deixei lá em cima – dou de ombros – Não gostei muito do desenho desta vez. Você sabe como eu sou fresca com essas coisas.

– Se é! – retruca – Já te falei pra pegar esses desenhos todos e ir postando. Você conhece aquele site gringo, o deviantART, né?

– Já te disse, Isa, que os meus desenhos são íntimos demais – digo – Alguns até me assustam.

Isa revira os olhos.

– É mesmo uma fresca – há um brilho de divertimento em seus olhos verdes e no modo como joga seus cabelos negros para trás ao rir quando zomba de mim.  Ela parece lembrar-se subitamente de alguma coisa – Você vai jogar com o povo, né?

– Talvez...

– Por favor! – provoca Isa – Você nunca jogou Zelda. Não é chato que nem os RPGs de mesa que o pessoal jogava ano passado. Pra falar a verdade, nem é um RPG.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora