Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun

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Depois de fechar a minha bolsa com o uniforme e alguns poucos pertences escolares, tiro a corrente e o cadeado da bicicleta e, após certa resistência, convenço Edgar a sentar na garupa junto comigo.

—  Eu sei que não é confortável como a condução ou o carro da mamãe — digo, enquanto pedalo pelas ruas transversais que levam até nosso apartamento —, mas você não gosta de sentir o ar correndo pelo seu rosto?

Edgar esboça uma carranca.

— Não é pra isso que serve o ar-condicionado?

Reviro os olhos.

Até por sua compleição física frágil, Edgar não é exatamente fã de andar por aí ao ar livre. Passei sua infância inteira observando-o brincar com bonecos a comando de voz, jogos de videogame e laptops interativos entre quatro paredes.

Vejo o colégio Santa Edwiges se distanciar de nós pelo canto do olho. Não moramos muito longe da escola, de modo que ainda posso dispôr de pequenos prazeres, como pedalar até a escola sentindo a brisa fria da manhã tocar meu rosto. 

Felizmente, a área em que moramos não possui um tráfego muito intenso, então posso pedalar com mais velocidade. Mais vento no rosto.

— Já chegamos? — pergunta Edgar pela milésima vez naquele dia, visivelmente desconfortável.

Sorte dele, finalmente tínhamos chegado em casa.

— Dá pra parar de me perguntar tanto?

— Dá pra parar de me ignorar?

— Vamos, criatura. Mamãe deve estar P da vida por você não ter vindo hoje cedo na van.

Edgar ri despreocupado, mas sei que é apenas uma questão de tempo até que caia em si e perceba que se colocou de novo em uma enrascada.

— Pelo menos eu te vi treinar hoje.

Dou-lhe um leve puxão de orelha.

— Não vai se acostumando, moleque.

Mas ele sabe que eu nunca realmente falo sério.

Após guardarmos minha bicicleta na garagem do prédio, subimos pelo elevador, onde Edgar finalmente parece perceber a situação em que está e o sermão que vai receber quando chegar. Instintivamente, meu braço envolve seus ombros franzinos.

Edgar fita-me com seus olhos castanhos nervosos.

— A gente tá frito!

Eu rio.

— Relaxa, garoto. O que mamãe pode fazer além de tirar o seu Xbox? Ou... –  solto uma risada maliciosa – ...o Nerf que você não gostou. E aí, ela vai começar a falar sobre como tem criança sem dinheiro pra comprar essas coisas e...

— Tá, tá, para! Às vezes você fala igualzinho a ela quando quer! — resmunga Edgar, tapando os ouvidos e berrando um ridículo "lalalala". E quem pode culpá-lo? Nossa mãe não faz exatamente o tipo lacônico quando se trata de reprimendas.

Apanho a chave reserva dentro da bolsa e abro a porta da maneira mais suave e silenciosa possível, nutrindo a pequena e nada realista esperança de que nossa mãe esteja dormindo, ou, na melhor das hipóteses, ainda não tenha chegado do trabalho.

Ambos nos surpreendemos quando a encontramos jogada despreocupadamente no sofá em seu robe de flanela habitual, a TV ligada na novela de sempre. Quase expiramos de alívio, até percebermos seus olhos escuros abertos em alerta.

—  Edgar da Costa, a moça da condução me ligou há umas duas horas para avisar que você não estava lá quando ela passou — começa minha mãe em um tom sibilante não natural. Estremeço, pois sei que ela nunca usa voz baixa, a não ser que esteja guardando a garganta para algo muito maior. Sempre soubemos que paciência era seu forte. Teatralidade também, mas isso não vem ao caso.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora