Quando o Bolero cessa

e o silêncio queima.

Traga Cecília de volta, ele implora.

Aos poucos eles se esquecem do que lhes causou dor

Do que lhes fez lutar

Do que eu lhes fiz lutar.

E eu respondo:

Cecília se foi pois se esqueceu de lembrar

E voltará quando se lembrar de se esquecer.

***

O despertar, desta vez, é menos turbulento. Talvez eu já esteja acostumada a vir e voltar entre os andares da consciência e a realidade – seja ela qual for, esteja ela onde estiver. Mas nada disso facilita totalmente a experiência.

A cabeça ainda gira, e me recordo da urgência que me motivou a abandonar Alice e retornar.

Certo. Jane esteve aqui. E Link não abriu o colar.

Não sei se devo sentir alívio ou medo.

Antes que eu sequer consiga abrir os olhos, procuro por uma desculpa que justifique sua volta repentina. Uma que não envolva minha tentativa quase malsucedida de proteger minha melhor amiga em segredo. Culpa das pílulas alaranjadas, talvez? Um resquício da pancada que levei na cabeça quando ainda estávamos no templo? Fugir, como fiz depois do Templo da Floresta, está fora de cogitação.

Abro os olhos. Link me carrega por cima do ombro, para longe do Templo do Fogo, da Montanha da Morte e do calor. Minhas costas doem ao atravessarmos por um caminho íngreme próximo da lava escaldante. Ele não solta um pio.

E quando resolve falar, quase caio.

– Acho melhor você descer – resmunga. – Já vi que está acordada.

Obedeço. Hesitante, decido arriscar:

– O que aconteceu enquanto eu tava fora?

– Jane apareceu – diz, observando minha reação. Então conclui: – Ela não tentou nada, Cecília.

– E...?

Ele coça o pescoço e olha para o outro lado, desamarrando as cordas dos cavalos e entregando as rédeas do meu, ainda sem me encarar.

– Eu deveria estar assustado – Link engole em seco – Mas não lembro do porquê.

– Espera – Eu paro – A gente derrotou o dragão e libertou o Sábio, né?

– Libertamos o Sábio – responde – Mas não havia dragão nenhum no templo, Cecília. De onde você tirou essa ideia?

– E o que Jane fez esse tempo inteiro? – pergunto, com o coração martelando no peito.

– Usou seus poderes pra nos ajudar, quando os monstros atacaram. Sabe... – Ele pausa por um instante – Você tinha razão. Ela não vai nos matar.

Não entendo mais nada.

– Calma. Cê tava desesperado com ela há uma semana – retruco, apertando os punhos. Ainda não me decidi se o que escuto é bom ou ruim. – E que poder foi esse que ela usou?

Link parece refletir enquanto atravessamos a ponte que separa a trilha pela Montanha da Morte do alçapão rumo à Cidade Goron, com cuidado para que os cavalos não tropecem. Ao adentrarmos os túneis da cidade, as sombras projetadas pelas tochas nas paredes escondem sua expressão.

– Uma luz, uma coisa branca que ela soltou pelas mãos – diz, após um tempo. Se não o conhecesse, diria que está se esforçando demais para se lembrar de uma memória de pouco tempo – Confesso que tive medo, mas ela não fez aquilo de novo. Ela me salvou quando eu estava com a guarda baixa.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora