Órfãos de Olimpus [COMPLETO]

1.5

– Arrgg... – não poderia estar numa ressaca pior, na noite anterior ele tinha bebido o máximo que pudesse antes de apagar – puta que pariu! – Exclamou de dor de cabeça.

Procurou na gaveta algum analgésico. Nada.

– Que horas são? – Seu relógio de pulso se ativou.

"Bom dia Dr. Yuri, são 6:35 o Sr. Já está atrasado."

Ele fez uma cara de dor e levou a mão a cabeça.

– Idiota, não vê que estou de ressaca?

"Desculpe senhor, sou apenas um assistente virtual". Pairava as palavras sobre sua visão.

Ele odiava essas tecnologias, a anos tentava se adaptar a tantos implantes que os dias atuais obrigam as pessoas a utilizar. A única utilidade que percebia era a vigilância continua a saúde realizada pelos nano-robôs sanguíneos implantados. Mas como um médico iria confiar na tecnologia que prometeu salvar as pessoas e não salvou sua mulher?

– Abra o vídeo do meu casamento por favor.

Uma janela pop-up apareceu flutuando sobre a cama exibindo uma filmagem amadora da sua festa de casamento. Uma lágrima escorreu. Ele via os vídeos de épocas em que era feliz com certa frequência, mas tinha prometido que sua vida mudaria a partir desse dia. Com um gesto a janela fechou, limpou as lágrimas, levantou-se da cama e lavou o rosto na pia do banheiro.

– Deixe meu café pronto na saída, e algo pra ressaca, desconte tudo dos meus créditos online.

"De acordo com suas leituras de saúde devo substituir seu café por uma solução hidroeletrolítica para reidratação, o senhor confirma?"

– Ok, faça o que achar melhor.

"O senhor está atrasado, deve se apressar, eventos obrigatórios estão marcados para hoje."

Com um gesto ele apagou as informações de sua visão, tirou a roupa e entrou no chuveiro. Yuri era um homem de 43 anos, caucasiano, barba a fazer, cabelos mais grisalhos do que pretos, olhos negros. O seu corpo mantinha todos os músculos no lugar, mal parecia que parou de trabalhar e se exercitar a mais de 6 meses e estava entregue as bebidas, apenas frequentava a universidade para lecionar pois poderia fazê-lo de casa.

Quando terminou o banho vestiu suas calças jeans, sapatos, uma camisa xadrez, e óculos escuros. Caminhou lentamente pela sacada da varanda aberta.

Sentiu o vento gelado do inverno misturado com o carbono industrial, parecia que ia chover, os sistemas climáticos estavam atrapalhados ultimamente. Olhou para baixo. Estava no 23º andar de um hotel em Onix, abaixo quase não conseguia focalizar as pessoas, os carros voavam por todas as direções e altitudes, a todas as velocidades, ônibus autônomos paravam a toda hora em todos os pontos de ônibus.

Onix era a capital do planeta Raven, a maior capital de toda a Aliança, o centro de poder da Humanidade. O barulho era de uma megalópole, mas Yuri focara apenas no som do vento nos seus ouvidos naquele momento. "Essa cidade não para" pensou Yuri. Talvez nunca mais veria tantas pessoas, era isso mesmo que queria? Isso iria salva-lo da depressão? Inúmeras vezes olhara de outras varandas pensando em acabar com tudo, mas nunca teve coragem para tal, algo o prendia.

Yuri fechou os olhos e se apressou em direção ao elevador com sua mochila, não tinha muito o que carregar, pois sua vida se resumia aos itens daquela pequena bagagem. Quando chegou no saguão virou o olhar para o bar do hotel, mudou de direção, deu um passo e uma mensagem em destaque pulou na frente de sua visão.

"Por favor retorne, um compromisso obrigatório está ativo."

Fez careta e com um gesto dispensou a mensagem, deu mais dois passos.

"Atenção, retorne a sua rota, caso contrário, a polícia de Onix será notificada."

Dr. Yuri suspirou, hoje em dia, todos são vigiados, tudo é controlado. Os nanobots são interligados via internet com sua lente corneana implantada. O assistente virtual é conectado com todos os sistemas existentes, de segurança, entretenimento, climatização, financeiros, nada escapava da vigilância constante. Os nanobots passavam de mãe para filho via circulação sanguínea e registravam o indivíduo automaticamente no sistema de controle civil assim que seus pulmões começavam a funcionar. Só existia uma forma conhecida de escapar, nascer de uma mãe que não possuía os nanobots, sem ninguém saber, num planeta não controlado pela Aliança, mas isso se tornava cada dia mais raro, porém existem lendas urbanas que falam sobre  procedimentos duvidosos de esterilização em clinicas clandestinas, sempre existe um fundo de verdade a respeito dessas lendas.

Mas a tecnologia tinha seu lado bom, desde a invenção dos nanobots, os nano robôs controlam a saúde do indivíduo desde seu nascimento, erradicam células cancerígenas assim que elas nascem, promovem renovação celular constante, 99% das patologias são resolvidas antes mesmo do indivíduo sentir o primeiro sintoma, a expectativa de vida do ser humano dobrou desde o surgimento da chamada era androide da medicina.

Pessoas que se alimentam de forma saudável, praticam exercícios regularmente e não morrem por causas externas vivem de 180 a 200 anos, e a expectativa de vida tende a aumentar. Em dias atuais as pessoas morrem mais de tédio e depressão do que de doenças cardíacas como há 100 anos atrás. Inclusive Depressão é a doença mais perigosa da modernidade.

Identificar e localizar o responsável por um crime levava minutos, mesmo que esse se encontrasse em um planeta distante de Raven. A única alternativa para criminosos era o exílio, viver com piratas em naves espaciais criminosas, ou num planeta inóspito, fora dos domínios da Aliança.

Yuri deu meia volta e a mensagem sumiu de sua visão, pegou sua refeição, retirou os analgésicos de dentro do pacote e engoliu 2 comprimidos junto com metade do repositor hídrico em 3 goles.

Sobre um carro autônomo amarelo com a porta aberta pairava a mensagem que só ele podia enxergar, "Seu táxi chegou".

Entrou no táxi, no painel de boas-vindas era exibido o trajeto e a mensagem "Por determinação judicial seu destino é fixo e obrigatório hoje: Espaço Porto de Onix, Tempo estimado: 20 minutos.", logo abaixo uma mensagem em destaque: "O senhor está atrasado, utilizaremos a rota de urgência e uma multa será aplicada a sua conta".