CAPÍTULO 48

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Quarta-feira havia chego, e com ela a maioria dos convidados para a minha coroação.
Isso foi uma das poucas coisas que minha mãe levou verdadeiramente a sério sobre o meu pedido a ela. Havia lhe dito que poderia resolver tudo o que quisesse sobre a minha coroação, e exatamente nisso, ela me cumpriu, deixando-me completamente a cegas.
De repente, durante o almoço, comitivas e mais comitivas começaram a chegar de todos os quatro cantos da Terra. Eu não conhecia a maioria deles, mas minha mãe conhecia por nome, e havia, felizmente, programado tudo: comida, hospedagem, servos, tudo; todos menos eu sabiam da chegada desse novos hospedes, mas sei que não posso reclamar pois foi eu mesma que pedi para que ela resolvesse tudo que fosse necessário.
Contudo, a única coisa que percebo com a chegada de todos esses soberanos é: agora sim tudo começou a ficar sério.
Alguns dos meus aliados puderam rever seus entes queridos pela primeira vez depois de todos esses meses. Foi algo emocionante, até mesmo para quem estava apenas como espectador da cena.
Por sorte, tenho conseguido aproveitar todo o meu tempo livro o máximo que posso com os meus amigos e minha família, embora minha mãe sempre esteja nervosa de mais com a coroação para que fazer qualquer outra coisa a não ser organizar o "maior evento da década" segundo ela.
Na segunda-feira, tivemos nosso primeiro ensaio do coroamento. Resumiu-se, basicamente, em inúmeras pessoas juntas, tentando se organizar sob o comando da minha mãe enquanto riam e faziam piados, desconcentrando-se do que realmente íamos fomos fazer ali, fazendo com que minha mãe quase tivesse um surto iminente. Embora todos soubéssemos nosso lugares, e o que teríamos que fazer, minha mãe exigia que repassássemos varias e varias vezes a programação. E acho que foi justamente por isso que ninguém levou a sério.
E foi só no final da tarde, quando a rainha estava quase desistindo de nós, foi que conseguimos tirar uma risada de seus lábios. Henry acabou escorregando em uma das tapeçarias enquanto corria para o seu lugar, e caindo com tudo no chão. Minha mãe foi a primeira a expressar alguma reação depois do episodio com Henry. Ao invés de correr para socorre-lo, como todos esperávamos que fosse acontecer, uma risada deleitosa escapou por entre os seus lábios. Henry ficou indignado com a reação de nossa mãe, desacreditado de que a própria mãe riu em um momento como aquele. Ela, obviamente, foi o ajudar, mas mesmo assim, um sorriso um tanto mais descontraído se manteve em sua face. O que me deixou consequentemente mais tranquila, e aposto que todos ali, era nítido o quão nervosa estava com todos os planejamentos, e isso acabava deixando todos igualmente estressados.
Na hora do almoço, o Salão de Refeições foi preenchido pelos nossos convidados. Cheio como nunca, o clima se mantinha agitado. Era uma das poucas vezes que me senti genuinamente bem com aquela quantidade de pessoas, algo que geralmente não me agrada, principalmente pelo fato de que terei que manter a postura a cada instante, tendo de ser cortes e gentil todo momento, coisa que me deixa desconfortável, é como se eu não fosse eu, entendem? Mas dessa vez foi diferente, estava... agradável.
Já a Sala do Rei se manteve interditada para qualquer um que tivesse ordem expressa da rainha para entrar, já que praticamente toda a decoração estava montada e os últimos detalhes eram resolvidos, e minha mãe não permitiria que ninguém soubesse como de fato estava a ornamentação do local.
É estranho... a Sala do Rei, está pronta para a minha coroação, coisa que eu pensei que jamais teria.
Se me dissessem a um mês que isso estaria aconteceu, eu certamente não acreditaria e diria que é patético o que essa pessoa está dizendo.
Mas agora é real...
Depois de um banquete deleitosíssimo, durante a tarde, consegui tirar um tempo para mim, para que eu conseguisse ficar sozinha. Nos últimos dias, embora eu ame, sempre tenho estado com alguém, seja para comer, ou para caminhar, ou cavalgar, enfim, o ponto é que faz tempo que não fico sozinha por um dia inteiro.
E foi justamente por isso que decidi que no dia de hoje não marcaria compromisso algum com qualquer pessoa.
Na verdade, eu queria um tempo só para mim por um outro motivo além desse. Hoje, em especial, senti falta de Ashley. Sinto falta das nossas conversas, de sua risada, de sua voz, do seu toque...
Eu só queria saber como ela está. Se está com medo, ou se está triste, ou se sente frio... eu só queria saber como ela está.
A única coisa que me reconforta com essa coroação tão próxima, é o fato de que finalmente começarão as buscar pela minha irmãzinha, e escrevam o que eu digo, eu a encontrei, custe o que custar, leve o tempo que for necessário, eu a trarei de volta para casa.
Não sei por que, às vezes, faço isso comigo mesma. Não sei se isso me reconfortará, ou piorará o meu estado. Mas mesmo assim, sigo ao quarto que pertencia – e pertence – a Ashley. Fazia muito tempo desde que eu vim aqui pela ultima vez, três meses para ser específica. Lembro-me perfeitamente, foi quando lhe entreguei o meu cordão, e prometi que voltaria para conseguir pega-lo de volta. Agora que eu consegui voltar, ela não está mais aqui.
Ao adentrar seu quarto, ainda consigo sentir seu cheiro, ainda consigo sentir sua presença, como se ainda estivesse aqui, como se estivesse bem ao meu lado...
É talvez eu pioraria vindo aqui...
Em cima de sua bancada há um livro, vejo que a uma marcação indicando a pagina que parou. Me aproximo e vejo o nome: "A Abadia de Northanger". Um romance clássico escrito a quase trezentos anos atrás, muito vendido no século passado.
Recordo-me de já ter o lido quando eu tinha, mais ou menos, a idade da minha irmã, e agora, assim como eu, ela estava lendo.
Esse havia sido um dos primeiros livros que me fizeram começar a ler. E minha irmã, uma leitora veterana, com certeza amaria este clássico.
Não me aguento e abro o livro na página marcada. Reconheço a parte que estava. Era justamente agora que o livro começaria a ficar, de fato, bom, tornando-se viciante e quase impossível de parar.
Tenho certeza de que ela o terminaria em uma noite. Depois chegaria atrasada no café da manhã. Minha mãe a repreenderia, e Ashley, certamente, prometeria que jamais aconteceria novamente. Minha mãe, por outro lado, apenas esperaria a próxima vez que ela faria isso.
Rio sozinha com tais pensamentos – e lembranças.
Deito-me na cama minuciosamente alinhada de minha irmã, do jeito que ela gostava, e começo a ler o romance de onde a mesma parou.
Infelizmente, uma duas das pessoas mais importantes para mim não estarão presentes na minha coroação.
Era indescritível a dor que eu sentia com tais pensamentos. Eu estava seguindo em frente, sim, eu estava, mas era impossível fingir que isso não me machucava.
Faria de tudo para voltar no tempo e... não sei... avisar alguém do que aconteceria. Sei que não excederia, porque como eu já disse, se estava nos planos de Deus, nada do que eu fizesse iria mudar. Mas mesmo assim, era impensável essas ideias não se passarem pela minha mente.
No final, acabei passando praticamente a tarde inteira ali, apenas deitada, aproveitando um bom romance em meio a pensamentos tão conflituosos.
Ao sair, sigo pelo corredor em direção ao meu quarto. Não é um caminho longo, na verdade, é razoavelmente curto, mas mesmo assim, com os pensamentos ainda voltados para a minha irmã, sigo lentamente por toda a sua extensão.
Não ocultarei que isso me afeta, mas agora não posso perder tempo chorando e me lamentando. Não há nada que eu possa fazer por enquanto; quando chegar a hora farei tudo o que estiver ao meu alcance para resgatar a minha irmã, essa é a minha única opção, única coisa que poderei fazer, e não adiantará em nada eu queixar-me enquanto estou de mãos atadas.
Não estou querendo esconder meus sentimentos ou algo do tipo, estou apenas compreendendo que ajudará em absolutamente nada lamurias e mais lamurias, ponto final, esse é o fim da discussão.
Com um ar um pouco mais leve do que de quando eu saí do quarto da minha irmão, adentro meus aposentos.
À primeira vista, penso não ter ninguém – Marli provavelmente não deve ter voltado ainda – é o que penso, mas após uma movimentação vinda da parte do meu banheiro, concluo que Marli, presumivelmente, encontra-se naquela área, certamente organizando o meu closet como gosta de fazer, não por obrigação, mas por simples prazer na distribuição ordenada de minhas roupas e pertences.
-Alteza? Já voltou? – Escuto, mesmo abafada pela distância, a voz de Marli.
Ela deve ter acabado me ouvindo quando bati a porta do quarto.
-Sim, sou eu Marli. – Respondo prontamente.
-Ah! Que bom chegou. Estava preste a chama-la. Está quase na hora de começar a se aprontar para o jantar. E principalmente agora, que estamos com tantos convidados, a senhorita não poderá usar seus vestidos mais simples. – Ela me explica enquanto caminha pelo meu quarto.
-Certamente, Marli. – Concordo em meio a uma discreta risada, achei graça de sua agitação, duvido que esteja passando muito tempo com a minha mãe.
-O que pretende usar hoje? – Ela me pergunta parando próxima ao closet.
-Esperava que a senhora pudesse me dizer. – Jogo para a ela a pergunta.
-Ah, eu? Bom, hum, vamos ver... – Diz meio desajeitada, possivelmente pega de surpresa pela minha fala. – O que acha de algum desses? – Diz abrindo uma das partes do meu guarda-roupas.
-Acho perfeito. A senhora poderia terminar de preparar tudo enquanto vou tomando banho? – Sugiro a ela pois sei o quão feliz ficará ao ter tais tarefas.
-Oh, claro, claro. – Fala sorrindo de forma que sua bochechas rosadas se aproximam de seus olhos.
Um banho tranquilo e relaxante era tudo o que eu precisava. A água quente caindo sobre os meus ombros e minha pele gelada foi capaz de tirar toda a tensão das minhas preocupações diárias que se amontoavam, era a combinação perfeita. Foi agradabilíssimo aquele minutos de pura paz e sossego. Estava necessitando de um momento como aquele.
Infelizmente não pude ficar o tanto que eu queria de baixo do chuveiro, e foi preciso que eu saísse rapidamente para começar a me arrumar para o jantar com as peças que Marli havia separado para mim. Aquele jantar, embora aparentasse ser apenas mais um, era, mesmo que minimamente, importante, afinal, governadores, conselheiros e generais de todas as nações que possuem alguma relevância para o meu reino estariam presentes. Especialmente significativos pois serão os meus futuros aliados. De qualquer jeito, haviam ainda alguns monarcas que, até então, estavam a caminho. Chegariam entre a noite de hoje e o dia de amanhã, pelo o que eu soube.
O palácio não pararia um segundo pelos próximos quatro dias.
-Está bom assim? O que a senhora acha? – Pergunto a Marli depois de me arrumar por completo.
Vestia um vestido preto totalmente básico, mas que ainda assim, demonstrava sua total elegância.
Era preto, obvio; alças final e um decote reto próximo a minha clavícula; sua bainha ficava em meu joelho, mas o segundo tecido transparente ia até um pouco mais abaixo. Um salto, também preto, não muito alto, mas também não muito baixo, foi o escolhido para a noite. Optei por não usar nenhum acessório, a não ser brincos que eram essenciais para qualquer traje.
Marli tinha um gosto impecável por roupas, e conhecia muito bem o meu gosto.
-Está belíssima, como sempre é claro. – Ela elogia com um olhar nostálgico.
-A senhora sempre diz isso.
-Porque é verdade, ora. – Diz em meio a uma agradável risada.
-Sendo assim, lhe agradeço pelo elogio. – Falo a ela. – E seu gosto para roupas é expendido. – A elogio de volta.
-Só procurei o que a senhorita gosta. – Contradiz modesta.
-Agora é a senhora que não está aceitando o elogio. – Replico e ela revira os olhos.
-Está bem, minha querida, muito obrigada. – Ela cede e eu sorrio satisfeita para a mesma, assim como fez comigo. – Oh céus! Irá se atrasar! Precisamos correr! – Diz extasiada ao ver o relógio que havia acima da minha escrivaninha.
-Então vamos. – Disse por fim, já caminhando até a porta.
Marli, como fazia quando não estava acompanhada por minha prima, ou algum dos meus amigos, me acompanhou até o Salão de Refeições. A partir deli, nos separaríamos.
-Boa sorte, minha querida. – Falou a mim mais uma vez antes de virar-se e seguir pelos corredores rumo ao seu próximo destino.
-Obrigada, Marli. – Apertei levemente sua mão, e então a deixei ir enquanto me preparava para adentrar o salão repleto por pessoas ilustres, e que teriam enorme influência durante o meu reinado.
Respiro fundo, fechando levemente os meus olhos enquanto procuro adquirir um pouco mais de coragem e determinação para adentrar aquele local sem me sentir intimidada ou insegura.
A partir desse momento, tudo mudaria, bom, já mudou, estamos apenas concretizando os fatos. A partir de agora, cada movimento, cada ação, seja, fala, seja decisão, ou até mesmo o modo de me portar e caminhar, seria crucial.
Reynold e eu discutimos muito sobre isso. Ele me deu mil e um conselhos sobre como deveria proceder em cada situação, até mesmo nas mais inusitadas e inimagináveis. Treinei muito para saber como agir, o que falar, e o mais importante: o que não falar.
As portas produziram um alto som quando foram abertas, mostrando a minha figura prestes a entrar. Isso só induziu que mais pessoas que o necessário olhassem para mim. Sinto como se todos me pressionassem, como se me observassem escrupulosamente a espreita de qualquer erro, vigiando cada mínima falha possível.
Treinei a vida toda para isso. Para ser uma rainha e saber lidar com todas as imposições ao meu cargo.
Era chegada a hora de por todos os meus conhecimentos em prática.
Quem diria que eu usaria tudo o que Reynold sempre me ensinou e eu julguei ser desnecessário?
Desde que pus os pés pela primeira vez neste salão, os olhares se voltaram para mim, e até agora não partiram, deixando-me levemente nervosa por estar sendo diretamente observada.
Mantenho um minha postura ereta, o queixo erguido e a feição inalterável.
A ultima coisa que eu queria era que essas pessoas percebessem a minha inquietação. Isso sim seria um desastre.
Um belo sorriso surge em minha face. Demonstrando serenidade com a situação sigo caminhando entre todas aquelas mesas preenchida pelos meus futuros aliados que agora julgavam toda a minha índole apenas pelo jeito que eu caminhava.
Chegando em minha mesa, a centra e principal do salão, sento-me com toda a minha família, incluindo Felix, que desde que se tornou meu noivo passou a ser incluso em tudo que se definia como "família".
-Está bem? – Ouço meu irmão sussurrar ao meu lado, próximo ao meu ouvido para que apenas eu escutasse.
-Quase desmaiei, mas estou. – Digo ao mesmo, o olhar ainda em meu prato de comida.
-Imaginei. – Ele replica e eu sorrio de soslaio para o mesmo.
Iniciando-se assim, uma deliciosa ceia preparada com as melhores especiarias de todo o reino, para as pessoas mais relevantes de todo o mundo.
Minha mãe, que se senta a minha diagonal, parece tão agoniada quanto eu, ela está completamente atenta a... bom, basicamente tudo. Seus olhos atentos percorrem o salão com inquietude. Lembro-me que minha mãe já foi, e ainda é por enquanto, rainha. Conhece e precisou conviver com todas essas mesmas pessoas por anos. Recebeu, possivelmente, esses mesmos olhares, essa mesma pressão. Teve que, de maneira concisa, passar por praticamente tudo o que eu estou passando. Talvez precise a consultar mais vezes. Seus conselhos em como agir no meio de pessoas tão traiçoeiras e imprevisíveis como essas, pode me ser de grande uso e valor.
Não posso negar o fato de que imagino a qualquer momento que qualquer um pode nos trair assim como meu tio fez. Esse episodio, consequentemente, acabou me marcando. Agora, para variar, estou paranoica com possíveis traições. Afinal, se ele, que era o general e parte da família real nos traiu sem olhar para trás, imagine essa pessoas que não tem ligação alguma conosco?
É horrível esse sentimento de ter que estar sempre vigiando, sempre precavido. Qualquer movimento brusco pode ser um atendado. Qualquer cochicho uma conspiração. Qualquer agitação um novo ataque.
Isso me faz sentir mais medo do que eu gostaria de admitir.
Algo que já prometi a mim mesma mais de uma vez que não sentiria. Tenho lutado contra isso dia após dia, e mesmo assim, ainda o sinto de vez em quando.
É tão frustrante.
-Vossa alteza. – Escuto alguém pigarrear ao meu lado.
Só assim percebo um serviçal próximo a mim.
Acabei me concentrando tanto nessas minhas teorias da conspiração, alienando-me de tudo e todos, que nem percebi o que acontecia ao meu redor.
-Sim? – Me viro para o homem.
-A família real de Hallstatt acaba de chegar para a coroação. Seguidos por Monte Bello e WestRise. – Ele anuncia e um sorriso se forma em meu rosto, genuinamente feliz porque a família de Felix e de Claire haviam chego.
Assinto para o homem e ele se retira. Em seguida, me levanto e sigo para a cadeira em que Felix estava sentado.
-Felix. – O chamo discretamente e ele se vira para mim, sua feição interrogativa foi um sinal suficiente para que eu prosseguisse. – Seus pais chegaram. – Lhe conto sem demora.
Um sorriso quase que infantil se forma em seu rosto com a ideia de que finalmente veria seus pais.
-Vamos vê-los? – Sugiro e ele se levanta no mesmo instante.
Juntos andamos até a mesa de Claire, onde ela e Samuel se encontravam, afinal, a comitiva real de seus reinos também havia chego.
-Claire, Samuel, tem um minuto? – Os chamo discretamente para que não causa burburinhos ou olhares curiosos.
-Aconteceu algo? – Ela pergunta um tanto preocupada por eu estar o chamando no meio do jantar sem aviso prévio.
-A comitiva de Monte Bello acaba de chegar. – Aviso e seus olhos brilham imediatamente. Claire olha em seguida para Samuel que dispõem do mesmo sorriso e animação compartilhados pela amiga. – Estamos indo até eles, não preciso nem perguntar se querem vir junto, certo? – Ela apenas sorri mais ainda, um sinal claro o suficiente para que começássemos a andar pelo salão até a saída.
Nós quatro seguimos para o lado de fora do Salão de Refeições, os três me acompanhando até onde eu imagino que estavam.
Conheço esse palácio com a palma da minha mãe, sempre soube sobre tudo o que acontecia aqui, e acho que minha intuição está certa dessa vez – como sempre.
E como eu supus, realmente estavam na área leste do palácio, onde possuímos alguns salões também para refeições, e uma parte dos quartos de hospedes estão instalados.
Assim que adentramos, Claire não demorou muito para grudar os olhos em certas pessoas, reconhecendo, quem eu imagino ser seus pais, no mesmo instante. A mesma seguiu, junto de Samuel, até eles, enquanto eu acompanhava Felix que ainda procurava sua família.
Havíamos rodado o salão, mas mesma assim não conseguíamos encontrar sua família, e mesmo que Felix aparentasse uma feição tranquila, sei que estava ansioso para rever seus pais.
-Não são eles ali? – Sugiro após ver pessoas parecidíssimas com os monarcas de Hallstatt.
-Sim, são eles. – Afirmou maravilhado. – Vou até eles. – Avisou-me extasiado sem tirar os olhos da família. Assinto enquanto o mesmo já havia seguido até sua família.
O acompanho com o olhar vendo ele chegar até seus pais. Sua mãe, ao virar-se quando alguém a chama, fica boquiaberta instantaneamente, atônita com a aparição do filho que a tanto tempo não via. O abraça fortemente, cheia de amor e carinho, o mesmo tipo de abraço que minha mãe me deu ao rever-me pela primeira vez depois de quase um mês. Não consigo enxergar tão bem daqui, mas apostaria que a rainha até começou a chorar.
O seu pai o abraçou tão intensamente quanto sua mãe, e deu tapinhas nas costas do filha, dizendo-lhe algumas palavras que, à minha perspectiva, pareciam palavras orgulhosas, cheias de ufania pelo filho e por tudo o que tinha feito.
Era emocionante ver meus amigos se reencontrando com suas famílias. Um momento único e especial para todos eles...
Alguém cutuca meu ombro e me viro bruscamente, assustada pelo toque repentino.
-Ah, Claire, é você. – Falo aliviada ao reconhecer quem me chamava.
Parece que eu ainda estava um pouco paranoica...
-Queria que conhecesse meus pais, eles querem muito te ver. – Diz tímida, suas covinhas a mostra nas pontas de sua bochecha.
-Claro, será uma honra. – Falei sem pensar duas vezes e ser puxada por Claire que já me levava até sua família.
Ao pararmos, a primeira coisa que observo é o homem a minha frente. Ele era alto, corpulento, com a pele morena e meio calvo, possuía uma pequena e rala barba, estava vestido com um terno azul marinho quase preto, alinhado e, pelo visto, de uma altíssima costura. Imagino que ele seja o pai de Claire, a semelhança já diz tudo.
-Pai, esta é a Grace, futura rainha de Southcost, e uma grande amiga. – Ela diz apontando discretamente para mim. – Grace, esse é o meu pai, Nicolau Vincenzo Sanchez II, rei de Monte Bello. – Ela diz.
Como sempre fui ensinada a fazer, com graça e sofisticação, faço uma reverencia ao homem carrancudo a minha frente.
-E está é minha mãe, Glória Sanches, rainha de Monte Bello. – Reverencio mais uma vez para a bela mulher de aparência indiana a minha frente.
Claire é uma mistura perfeita dos dois, isso já me está mais do que claro.
-Alteza, estamos em divida com a senhorita. Minha filha me contou tudo o que fez por ela e por nosso afilhado, Samuel. Você a salvou e depois a abrigou em seu reino, foi uma enorme gentileza, e queremos retribuir, da forma que vossa alteza desejar. – Diz tênue, sua voz firme e grossa me fazem arrepiar pela profundidade.
-Não é necessário, majestade. Eu e Claire acabamos nos tornando boas amigas, fiz isso por ela e pelo carinho da nossa amizade. – Contradisse.
-Por favor, alteza, não recuse, eu quero fazer isso. – Ele insiste.
-Majestade, o senhor é um aliado importante para o meu reino, e isso já me basta. – Falo sugestiva, um acordo por trás da palavras.
Era arriscado, quase ousado, sugerir algo do tipo, poderia estar pondo minha integridade naquelas palavras, tudo dependeria da forma que o soberano a minha frente, as interpretaria, e mais importante, qual seria a sua reação.
O homem, obviamente, percebeu o que eu queria dizer, mas ao invés de se irritar ou achar uma afronta, apenas sorriu, o olhar astuto. Ele entendia o meu jogo, afinal, era o mesmo que ele teve de jogar toda a sua vida.
-Será uma boa governante. – Fala me estendo a mão. A aperto sorrindo. – Sinto que nossos reinos manterão relações por muito tempo.
-Acredito que sim, majestade. – Sorrio para o mais velho, satisfeita pela proeza atingida.
Depois dessa pequena interação, volto a andar pelo salão para me relacionar com mais pessoas ali dentro. Talvez tentando ganhar sua confiança, talvez tentando manter uma boa imagem. Seja o que for, qualquer coisa feita ali era em prol ao meu reinado, e eu me sairia perfeita, como fui treinada para ser.
Alguns minutos se passaram, conversas e risadas eram ecoadas pelo salão que produzia um grande eco. Todos pareciam confortáveis, e era justamente essa minha intenção.
-Grace. – Escuto alguém chamando-me pelo meu nome, torno-me para trás a fim de encontrar a pessoa que me chamara.
-Ah, oi Felix. – Disse sorrindo assim que vi ele se aproximando. – Como foi com o seus pais? Reparei que sua mãe até chegou a chorou.
-Ela realmente sentiu falta do garotinho dela. – Ele satiriza a situação como sempre faz. – Na verdade, eles querem te ver. – Diz um pouco mais sério e agora minha feição passa para surpresa.
-Ah... bom, está bem então, vamos? – Digo um pouco nervosa.
Felix me estende o braço como um perfeito cavalheiro e juntos, como os noivos apaixonados que precisamos aparentar ser, seguimos até os soberanos de Hallstatt.
-Grace. – A rainha Clarisse diz assim que vê eu e Felix nos aproximando deles. – É tão bom revê-la. – Fala segurando em minhas mãos, mas como se não se contasse, passa o braço por mim e me da um forte abraço, um abraço honesto e que demonstrava uma relação afetiva.
Alguém realmente gosta da futura nora...
-Igualmente, majestade. – Lhe devolvo o cumprimento.
-Sinto muitíssimo pelo o que houve. – Entendo imediatamente sobre o que a rainha fala. – Nos perdoe por não termos vindo ao funeral. – Ela diz complacente. – Nem sei como deve estar se sentindo. – Abaixo o meu olhar por instinto, não querendo que ela percebesse o que se passava em minha mente naquele segundo.
Sei que não fez por mal, e que apenas quis prestar suas condolências, mas, mesmo tendo se passado praticamente um mês, continuo sem conseguir falar sobre o que aconteceu, ou sobre tudo que se relaciona a ele, em geral.
Aquela saudade ainda me atinge e a dor de não poder vê-lo recai sobre mim incansavelmente.
-Obrigada, majestade. – Replico ao perceber ter ficado em silencio por muito tempo.
-Mãe, esse não é um bom assunto. – Felix sussurra para a mãe percebendo como eu havia ficado.
-Ah querida. - Intercala o olhar entre o filho e eu, parecendo espantada e entendendo toda a situação. - Oh, me perdoe. – Corrige-se rapidamente. – Não quis aborrece-la. – A rainha se apressa a se desculpar pela inconveniência.
-Não se preocupe, está tudo bem. – A asseguro
Um silêncio pairando acabou pairando sobre nós, ninguém sabendo ao certo o que dizer, e todos sem graça pelo ocorrido. O clima era desconfortável e constrangedor. Queria me enfiar em um buraco e não sair até que todos tenham ido em bora.
-Embora as circunstâncias não sejam as melhores. – O rei da continuidade a conversa, mudando de assunto e salvando aquele momento vergonhoso. – Acredito que será uma boa monarca, alteza. É perceptível que a senhorita nasceu para isso. – Louis completa deixando-me orgulhosa de mim mesma. Tenho precisado, mais do que gostaria de admitir, que essas falas fossem ditas a mim.
-Assim espero, majestade. – Falo assentindo para o pai de Felix.
-Não vejo a hora de vocês se casarem! – A rainha Clarisse diz mudando, mais uma vez, de assunto. – Não está ansiosa querida? – Ela se volta para mim.
-Não faz ideia, mãe. – Felix responde por mim deliciando-se da minha vergonha e total embaraço, e foi necessário que eu o fuzilasse com o olhar para que não risse ou continuasse dizendo mais asneiras como tais. O mesmo porém, apenas permanece com aquele sorriso falso estampado no rosto enquanto minhas bochechas esquentavam mais e mais.
-Clarisse! – Escutamos uma voz não muito longe e que logo de cara eu já reconheço.
-Catherine! Que maravilha poder revê-la! – A mãe de Felix diz dando um leve beijo na bochecha de minha mãe que é retribuído pela mesma.
As duas, extasiadas como estavam, conversariam pelo resto da noite, o sol estaria amanhecendo e as duas continuariam a papear. Conhecendo bem a mãe que tenho, não duvido que isso não se concretize.
-Acho que vou me retirar para vocês ficarem à vontade. – Falo fingindo realmente estar fazendo isso.
Ou eu fugia agora, ou me prenderia pela eternidade ao lado das duas.
-Acho melhor te acompanhar. – Felix vê a oportunidade de escapar na minha desculpa.
-Preciso conversa com os monarcas de Monte Bello. – Até mesmo o rei Louis arranjou uma desculpa para escapar da conversa infinita entre as duas rainhas. Um pesadelo para qualquer pessoa que busca manter a sanidade.
Retirando-me dali, sigo andando pelo salão.
Me misturo entre os indivíduos presentes, fugindo de conversas e pessoas. Me afastando de tudo aquilo.
Só queria um minuto de silencio e paz. E confesso que, ao ficar no meio de todas aquelas pessoas, não me trazia nada do que eu precisava naquele momento. Sei que precisava causar uma boa impressão, ser gentil, conversar com todos, fazer com que gostassem de mim, mas ainda tenho bastante tempo para isso, agora eu necessitava de um momento de amenidade.
Acabo, por acidente, encontrando exatamente o que carecia. Havia uma sacada, era um pouco mais afastada da recepção para todas aquelas pessoas, e seria onde eu encontraria um pouco de privacidade e ar puro.
Me escoro na beirada, em um canto mais escuro, ignorando os presentes, observando os jardins que eram iluminados por pequenas luzinhas que cintilavam no meio daquele mar de escuridão trazido pela noite.
O ar puro ajudava as batidas do meu coração desacelerarem. E agora poderia relaxar o corpo, os ombros, a postura; poderia me curvar e ficar um pouco mais confortável. Só precisava de alguns minutos, só alguns...
Escuto alguém pigarrear atrás de mim, assuntando-me e fazendo com que eu me virasse bruscamente a busca pela pessoa. Ajeito mais uma vez minha postura e preparo o sorriso simpático que expressaria.
Viro-me encontrando aquele par de olhos azuis brilhantes que radiam a luz das estrelas em uma noite como aquela.
-Posso te fazer companhia? – Ele pergunta sem mais delongas, antecipando-se antes que eu fosse capaz de dizer qualquer coisa.
-Claro. – Respondo a Felix já me virando novamente para os jardins e relaxando a postura.
Mesmo próxima dele, sentia tranquilidade. Calmaria suficiente para que eu abaixasse meu escudo.
-Desculpe. – Ele disse apoiando-se na sacada ao meu lado, o olhar distante do meu.
-Pelo o quê? – Pergunto com o cenho franzido voltando meu olhar para ele.
-Pelo o que minha mãe disse. – Respondeu.
Não foi necessário mais explicações, sabia exatamente sobre o que falava.
-Está tudo bem, Felix, sério. – Assegurei-o. - Ela não sabia.
-Eu sei que você ainda sente falta dele. – Diz com o olhar baixo.
-De vez em quando. – Dou de ombros tentando soar indiferente.
-A pior parte são as lembranças. – Ele afirma e eu o olho interrogativa, questionando a ele, e a mim mesma, como ele sabia. – Perdi me avô há quase três anos. – Explica e as palavras somem de minha boca, deixando-me, literalmente, boquiaberta, e super sem-graça. – Não se preocupe, já faz tempo, e foi de causas naturais. – Ele explica. – Ele era idoso e era obvio que morreria mais cedo ou mais tarde. Só que... o engraçado é que nós nunca estamos preparados. – Ele diz em meio a uma risada nasal.
Conseguia saber exatamente como ele se sentia.
Mais um silencio pairou.
Ambos absorvendo os significados de sua ultima frase. Ambos conhecendo a dor de perder alguém próximo e extremamente importante.
Foi seu avô que ele citou durante a competição, quando ele teve um leve surto sobre querer nos proteger, querer me proteger. Agora eu entendo...
Como eu pude ser tão burra de não deixá-lo em paz quando quiz tomar conta de nós?!
Agora eu sei como ele se sente e teria feito exatamente o mesmo, ou até pior. Se para proteger minha família, meus amigos, aqueles que eu amo, eu tivesse que ser uma idiota, eu seria, mas os protegeria, porque eu não suporto a ideia de perder mais alguém, não suporto.
-Como você fica tão bem falando sobre ele? – Pergunto sem perceber que proferi as palavras até solta-las. – Desculpe. – Falo no mesmo instante. – Isso foi extremamente rude de se perguntar, eu... – Acrescento.
-Não, não tem problema. – Ele se apressa a dizer. – A dor nunca passou, mas ameniza. As memórias que antes eram tortura, passam a ser algo bom. – Ele pausa, provavelmente procurando alguma forma de me explicar o que queria dizer. – As memórias... elas... elas se tornarão único jeito que você terá de estar em "contato" com eles, entende? – Fala fazendo-me refletir.
-Você deve ter razão. – Sorrio triste para ele. – Aos poucos eu conseguirei superar, eu tenho conseguido. – Ele arqueai uma das sobrancelhas como se não tivesse certeza de que eu estava dizendo a verdade. – Eu juro. – Acrescento em meio a uma risada nasal. – Vou ficar bem. – Afirmo, talvez mais para mim do que para ele.
-Sabe que preencher sua mente com outras coisas não é superar, não sabe?
-Ei! Eu não estou fazendo isso, ok?
-Eu estou aqui, pode conversar comigo quando quiser. Agora sabe que eu entendo como se sente. – Garante enquanto sinto a ponta de seus dedos tocarem os meus, um gesto que tentava demonstrar reconforto e apoio, que tentava demonstrar igualdade e solidariedade. Mas que causou muito mais do que somente isso.
Uma onde eletrizante cheia de adrenalina percorreu toda a extensão do meu corpo e alma, minha respiração descompassando-se mais uma vez. Meus braços expostos se arrepiaram, e graças a escuridão da noite, Felix não conseguiu ver minhas bochechas avermelhadas.
Estou perdida...
Um toque.
Foi necessário um mínimo toque para que eu me desconcertasse por inteira.
Como apenas um único toque foi capaz de fazer isso comigo?
Definitivamente perdida.
-Eu sei, Felix. – O respondo com baixa voz.
Oh céus, o que está acontecendo comigo?




Oh céus, o que está acontecendo comigo?

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O Preço da CoroaWhere stories live. Discover now