CAPÍTULO 38

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Inspiro e expiro diversas vezes até conseguir me estabilizar.
Preciso me acalmar. Preciso me controlar.
Essa era uma péssima hora para ter um ataque de nervos e hormônios. Era uma péssima hora para chorar ou ser sensível. Eu precisava me concentrar, precisava tirar a emoção do controlo e deixar que a razão dominasse, definitivamente.
Há um helicóptero como supus, Henry está... Espera! Henry?
-Henry?! – Questiono me aproximando do garoto ao reconhecer ser meu irmão.
Lembro-me que minha mãe disse sobre ele estar nas florestas ou algo parecido.
-Grace... você...? – Ele parece surpreso e feliz, aliviado, mas está com tanto medo da situação que não consegue expressar ou dizer qualquer coisa além de: – Eles pegaram a Ashley, estão raptando ela! São de Northshire! – Ele aponta para o helicóptero e vejo uma figura que é exatamente uma copia minha, os cabelos dourados voando enquanto é segurada e chora dentro do helicóptero.
-Ashley! – Grito para que ela perceba que estou ali.
-Grace! Por favor, me ajuda, Grace! – Ela chora sem cessar o que aperta o meu coração.
-Calma! Eu vou te tirar dai! Eu prometo! – Asseguro-a e volto para o meu irmão e os outros dois ali presentes. – O que fazemos?! Eu preciso salvar a minha irmã. E tem que ser rápido. O helicóptero vai partir.
Samuel estala os dedos como se houvesse arranjado uma solução.
-Você tem habilidades de eletricidade, é só dar um curto circuito no helicóptero. – Ele sugere e eu assinto, agitada de mais para pensar em qualquer segundo plano, ou as consequências desse.
Me preparo para soltar toda aquela energia que havia se acumulado dentro de mim, com o tanto de emoções fortes e avassaladoras que vinha sentindo durante todo esse dia, minha energia seria forte e poderosa.
A eletricidade começa a percorrer meu corpo, dando-me um alivio instantâneo. Finalmente acabaria com alguém responsável pela morte do meu pai. Finalmente começaria a minha vingança que só pararia quando todos estivessem mortos.
O que eu acabei de falar...?
Volto-me ao foco original, mantendo-me concentrada no que devo fazer, no tanto de energia que devo liberar e em quem devo atingir.
-Se eu fosse você não faria isso a menos que queira ver sua irmãzinha morta! – Um homem de meia-idade barbudo vestindo o uniforme tradicional dos soldados de Northshire diz do helicóptero alto o suficiente para que pudéssemos ouvir.
-E por que não? – Disse cheia de rancor o olhando sem piedade.
-Porque, não sei se percebeu, estamos em um precipício. Derrube o helicóptero e derrubará a sua irmã junto. – Ele ri maquiavelicamente, como se aquilo fosse um espetáculo, que ele muito se deleita assistindo. – Não somos burros ao não pensar em segundos planos.
-Maldito! – Grito frustrada enquanto minha energia se acumula em minhas mãos, como se estivesse perto de ataca-los.
A raiva me consumindo dos pés a cabeça.
Sentimentos assim são poderosos para que com apenas um aceno eu consiga derrubar um batalhão inteiro.
O mesmo, com um rápido movimento segura minha irmã pelo braço a pondo para fora do helicóptero, apenas não caindo porque ele a segura.
-Qualquer gracinha e ela cai. – Abre um sorriso diabólico. – Nem eu, nem você, nem ninguém vai ser capaz de salva-la depois disso. – Ri mais uma vez.
-Não toque nela seu maldito! – Falo firme gritando. Estava desesperada para que Ashley fique bem, mas obviamente não demonstrei qualquer hesitação.
-Ou o que? Irá me matar? – Ele ri perversamente. – Me mate, e ela morre junto. – O mesmo quase solta minha irmã como se me testasse, o que me fez estremecer. – Temos que repetir isso mais vezes, foi divertido ver vocês tentando salvar a garota. Mas agora já deu a minha hora, até a próxima, ore para que sua irmã esteja viva até lá. – Diz por fim enquanto ria e o helicóptero se distanciava de nós.
A ultima coisa que pude ver antes de eles saírem completamente do nosso campo de visão, foi Ashley, chorando, a face vermelha, o pânico em seu olhar.
Droga, droga, droga!
Maldição, não!
Não era para isso ter acontecido. Não era!
-Grace... – Sinto a mão de meu irmão em meu ombro enquanto eu chorava, ainda agachada no chão.
-Não me toca Henry! Não quero te machucar. – Grito com ele o afastando.
-Não foi sua culpa. – Felix fala firme se pondo em minha frente.
-Obviamente foi. – Disse enquanto uma risada nasal escapava. – Eu tinha que fazer uma coisa, uma única coisa: manter minha família a salvo, e nem isso eu consegui. Ashley estava bem aqui, eu poderia ter pensado em algo, mas estava nervosa de mais e acabei deixando que fosse sequestrada. – Suspiro irritada comigo mesma. – Ah! Como eu fui idiota! – Me levanto tentando me soltar um pouco, antes que eletrocute um deles.
Passo a mão pelos meus cabelos loiros que já haviam sido desprezos daquela trança.
A raiva que crescia dentro de mim era avassaladora. A culpa era maior ainda. Estava frustrada e zangada com tudo a minha volta. E não havia nada nesse momento que eu pudesse fazer para mudar o ocorrido. Poderia facilmente matar a primeira pessoa que aparecesse no meu caminho. Poderia facilmente me jogar desse precipício.
-Grace. – Felix me chama e eu ignoro enquanto ando de um lado para o outro, minha mão afastava os cabelos e, sem êxito, tentava controlar meus batimentos cardíacos que só aumentavam. – Grace. – Ele diz novamente. – Para ok? – Ele me segura pelos ombros.
-Felix, agora não. – Tentei me desvencilhar de seu toque.
-Ou o que? Vai me eletrocutar? – Ele satiriza a situação. – Eu também tenho poderes se você já se esqueceu. – Retruca. – Agora, respira fundo e se acalma. – Faço o que ele pede percebendo que ficar assim não ajudará em nada. O que eu preciso é me acalmar em pensar em uma solução lógica e racional para resolver tudo isso, sem que ninguém mais saia ferido.
-Foi mal Henry. – Disse ao meu irmão pela forma que havia o tratado anteriormente, o mesmo deu de ombros sorrindo sem mostrar os dentes para mim.
-Ninguém tinha como saber o que aconteceria, foi uma fatalidade. – Felix fala em um sussurro para mim enquanto tocava levemente a minha bochecha. Eu apenas aceno com a cabeça concordando. – Agora respire fundo e se concentre em qualquer outra coisa. – Ele fala e faço o que me aconselha.
Tento, tento a todo custo focar nos ruídos dos passarinhos, no som do mar abaixo do precipício, ou até mesmo no ritmo dos meus batimentos cardíacos. Mas a única coisa que conseguia pensar era na minha família, e na confusa instaurada em minha mente. E mesmo que não fosse minha culpa o que aconteceu, era, de qualquer jeito, minha responsabilidade traze-la de volta.
-Acho melhor todos voltarmos. – Samuel sugere ao ver a tensão que todos estavam.
-Temos muita coisa para contar para a mamãe. – Henry diz direcionado a mim.
Ah não... minha mãe.
Ela ficará tão arrasada quando souber, eu... eu nem sei como lhe contar.
Acabou de perder o marido, o primeiro e único homem que amou, o amor de sua vida, e agora, pode perder a filha? Nem eu consigo processar isso direito.
Henry monta em seu cavalo e vai na frente de volta para as barracas enquanto eu, Samuel e Felix íamos a pé, silencio absoluto entre nós.
Não demorou para que chegássemos até a barraca da minha família, Henry nos esperava na entrada, não se atrevendo a entrar sozinho. Samuel e Felix se dispersaram querendo nos dar privacidade.
-Vamos? – Olhei para o meu irmão.
-Vamos. – Ele olha para mim também.
Pelo menos, mesmo em meia as perdas recentes, eu o tinha, e isso me aliviava de uma forma imensa. Nem em um dos meus piores pesadelos podia pensar nele morto.
Juntos, lado a lado como sempre, adentramos a barraca. Nossa mãe estava com Auggie, ela passava a mão em seus cabelos enquanto o mesmo adormecia na cama improvisada da barraca.
-Mãe? – A chamei para que percebesse nossa presença.
Ela levantou e se aproximou de Henry e eu.
-Que bom que chegaram, pensei que jantaria sozinha. Auggie está muito cansado e foi dormir. Ashley está lá fora? Queria conversar com ela. – Se aproximou já nos avisando.
-Mãe. – Henry chamou sua atenção e em seguida olhou para mim esperando que contasse a noticia.
-Temos algo para lhe contar. – Digo com hesitação.
-O que os dois aprontaram? – Pergunta com um tom travesso.
Mesmo com tudo o que aconteceu ela procurava se distrair e agir o mais normal possível para que nós não nos fragilizássemos mais ainda vendo nossa mãe quebrada, que era como internamente ela estava, percebia isso claramente pelo brilho apagado em seu olhar.
Intercalei meu olhar com o meu irmão e a minha mãe não sabendo como lhe contar o que havia acontecido.
-Me digam de uma vez, não pode ter sido tão ruim. – Ela ri nasalmente.
Suspirei e fechei os olhos tomando coragem.
-Ashley foi sequestrada. – Disse de uma vez.
A expressão de minha mãe caiu. Me olhou fixamente nos olhos, sua face indescritível.
-Ela o quê? – Perguntou ao se sentar em uma cadeira tentando não desmoronar.
-Eu sinto muito mãe. – Agachei a sua frente enquanto Henry ficava ao seu lado segurando sua mão, tentava passa-la um pouco de força.
Uma força que se esgotava, cada vez mais e mais, e que em pouco tempo não teríamos mais.
-Eu tentei salva-la, fiz de tudo o que podia, eu juro, eu... – A este ponto eu já estava chorando ao ver a expressão vazia que abrangia a face de minha mãe.
-Grace, filha. – Ela toca em meu queixo me fazendo encara-la. – Eu sei que fez o que pode. – Ela sorri minimente, uma tristeza avassaladora envolvendo aquele sorriso. Nunca pensei que um sorriso pudesse emitir tanta tristeza...
-Eu sei... – Ela funga. – Eu sei que a resgataremos, está bem? Vai ficar tudo bem. – Ela me puxa para um abraço e embora dissesse que ficaria tudo bem, conseguia senti, mais uma vez, suas lagrimas caindo em minha pele.. – Não foi sua culpa. – Ela diz em meu ouvido e eu apenas assinto a aperto mais forte ainda rente ao meu corpo. – Nós ficaremos bem, ouviram? – Ela se afastou e olhou para Henry que possuía os olhos marejados.
Era péssimo ver o meu irmão e minha mãe chorarem. Sei que Henry odeia tanto quanto eu chorar. A ultima vez que havia o visto chorar foi quando ele tinha 12 anos, e agora eu estava vendo mais uma vez.
-Mãe... – Henry nem chegou a completar seu raciocínio antes de desmoronar, minha mãe, ao ver o quão quebrado meu irmão estava, pôs-se de pé para abraça-lo.
-Calma meu amor, vai ficar tudo bem. Encontraremos ela e passaremos por isso, juntos. – Ela o aperta e noto o alivio que meu irmão tem ao estar em contato com alguém que passa tanta segurança para ele. – Estamos entrando em um novo ciclo de nossas vidas, e sei que pode parecer horrível pelos primeiros acontecimentos dele, mas confiem em mim, tudo vai melhorar. – Ela coloca a mão na bochecha de nós dois ao proferir tais palavras. – Eu amo vocês, não sei o que fariam sem os dois. – Ela nos abraça depois de sua fala.
Mesmo eu tendo a abraçado a meros segundos atrás, ainda me parece uma sensação nova, e que eu estava precisando, precisando de verdade e muito. Tantas vezes quis sentir o seu perfume o seu cafuné enquanto estava na ilha, e agora estou sentindo.
-Precisamos aguentar firme, ok? – Ela diz sussurrando, porém audível o suficiente para que nós dois ouvíssemos. – Nós acharemos um caminho, acharemos um jeito e tudo melhorará. – Afirma novamente para si mesma e para nós dois.
Nos desvencilhamos do abraço e eu assinto para a mesma.
-Acho melhor pararmos de chorar agora, não? – Ela força uma risada enquanto limpamos nossas bochechas que ainda continham lagrimas.
-Mamãe. – A chamo antes de se virar. – Quando vai ser o velório? – Pergunto.
-Depois de amanhã, querida. Se quiserem dizer uma palavras no culto fúnebre me avisem. – Ela diz por ultimo nos dando um sorriso dócil e se virando para pegar suas roupas. – Hoje foi um dia difícil, acho melhor todos irem dormir. – Ela sugere nos entregando mudas de roupas.
Concordei sem hesitar e segui para o lavatório improvisado que tínhamos. Finalmente tomaria um banho decente, tiraria essa roupa que usei durante tantos dias e me deitaria em uma cama de verdade, não em um amontoado de rochas.
Segui para o "banheiro" que minha mãe indicou.
Teríamos que ficar aqui por apenas uma semana, até pelo menos os nossos quartos estarem restaurados do ataque.
Ao ligar aquela ducha quente e finalmente ter contato com ela, relaxei todos os músculos. Esse seria, sem duvidas, o banho mais demorado da minha vida.
Ao me esfregar, vi as cicatrizes que ganhei, em especial a da estaca de gelo que perfuraram em mim. Essas seriam marcas que eu carregaria pelo resto da minha vida, marcas que não me deixariam esquecer do que eu passe lá e o quanto eu devo ser grata por ainda estar vivia – algo que eu preciso, e muito agora. Marcas para que eu me lembre dos meus dias de luta, de dias que moldaram o meu caráter e que me mudaram.
Não tinha mais lagrimas para chorar. Não tinha mais o que desabafar. Já gastado tudo, cada partezinha minha, ao receber as noticias de mais cedo e que ainda me assombravam.
Eu estava um caos por dentro, não sabia o que processar primeiro. Senti tanta dor hoje, mais que qualquer tipo de dor física possível. Meu pai e minha irmã se foram, talvez ainda resgate Ashley, e espero que o quanto antes possível, contudo, meu pai jamais verei novamente.
Fecho os olhos tentando concentrar-me apenas no toque quente das gotículas de água que saiam do chuveiro e entravam contato com o meu corpo gelado.
Após aquele longo, porém relaxante, banho, finalmente sai, me troquei e deitei-me em uma cama de verdade, mesmo que fosse improvisada, era bem melhor do que o que eu me deitava na ilha.
Eu ainda não conseguia acreditar que estava realmente aqui, viva, bem, sem o meu pai, sem a minha irmã.
O meu conforto é que sei que não matarão Ashley. Ela é uma pessoa muito importante nesse jogo. É a moeda de troca perfeita, a peça chave deles. Não farão nada que pode prejudica-la, porque isso também os prejudicaria. Mas poderiam tortura-la ou fazerem coisas muito piores, o que era o meu real medo.
Era tudo tão... irreal.
Eu não sei explicar.
Eu só queria que acabasse. Que tivesse um fim. Que fosse tudo um pesadelo.
Queria paz, descanso. Estava exausta fisicamente e psicologicamente.
Eu... eu estou perdida, pela primeira vez não faço a mínima ideia do que fazer. Não sei por onde começar e a verdade é que a minha vontade era deitar-me nessa cama e não acordar mais. Mas, eu já fui salva uma vez da morte, e suponho que isso possa ter algum proposito, talvez seja para salvar Ashley, ou para ajudar minha família, eles não conseguiriam perder outro membro.
É, parece que eu vou ter que ficar aqui por mais tempo.
Só sei que assim que pus minha cabeça no travesseiro, apaguei praticamente no mesmo instante.





Só sei que assim que pus minha cabeça no travesseiro, apaguei praticamente no mesmo instante

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O Preço da CoroaWhere stories live. Discover now