CAPÍTULO 39

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Ao acordar, não fazia a mínima ideia de onde estava.
Foi preciso mais do que uns bons 30 segundos para me recompor.
Deitada naquela cama, olhando para o teto da minha barraca, cada memória do dia anterior voltava em minha lembrança, formando gotículas de água no canto dos meus olhos, trazendo consigo toda aquela dor já experimentada.
Não sabia absolutamente nada do que aconteceria no dia de hoje, e cogitei mais de uma vez em não querer saber. A minha vontade de levantar-me era muito menor do que eu esperava. Tantas coisas poderiam acontecer no dia de hoje, o que me causou pânico, tinha medo do dia de ontem se repetir, e repetir, e repetir. Não conseguiria sentir tudo aquilo mais uma vez.
Talvez coisas boas, talvez coisas ruins, tudo poderia acontecer hoje, e de repente, como um estalar de dedos, o futuro me pareceu tão incerto.
Sempre o vi muito estável. Normalmente, eu tinha em mente tudo o que aconteceria, mas após a noticia do meu casamento arranjado por causa da guerra, tudo começou a desmoronar e a sair do meu controle, a se tornar imprevisível, o que me faz ficar em constante estado de alerta, aflita para o momento que algo sairá fora dos trilhos novamente. E com os episódios de ontem, essa aflição, essa ansiedade, apenas aumentou, e duvido que não continue a crescer.
As vezes eu só queria ser alguém normal...
Foi necessário que eu inspirasse e expirasse varias vezes antes de conseguir parar com tais pensamentos.
Com todas as forças que tenho, me forço a acordar de vez e levantar-me. Ainda havia uma faísca de esperança dentro de mim, e o fato de que agora eu agiria ainda mais por conta própria, me fazia querer ser mais disciplinada. Além de que era um novo dia, talvez o início de um recomeço, eventualmente, algo bom ainda poderia acontecer afinal de contas.
Meus irmãos ainda dormiam, os dois dividindo o mesmo compartimento onde havia duas camas iguais e nada mais. Minha mãe não estava presente, aposto que já está acordada a horas, ela sempre foi uma pessoa matinal, só não esperava que depois das... das casualidades do dia de ontem, ela continuaria assim.
Ao sair, vejo que as pessoas também hospedadas em outras barracas se dirigiam para um único lugar; ao notar isso, decidi seguir o fluxo, o que acabou me levando a uma grande tenda que continha várias mesas compridas cheias de cadeiras; na diagonal direita, havia outra mesa estendida com comida. Pessoas se sentavam com pratos cheios e conversavam, ninguém com uma feição muito alegre, o clima pesado demais para risadas serem soltas. Acho que aqui é uma espécie de refeitório.
Avisto minha mãe conversando com a sua dama de companhia, uma senhora morena que esteve com ela desde o primeiro minutos que pôs os pés no palácio e alguém por quem minha mãe tem grande estima, é quase uma irmã para ela.
-Bom dia. – Falei me sentando a frente de minha mãe e de Agatha, sua dama, que estavam lado a lado.
-Oh, Grace, bom dia, filha. – Minha mãe diz um tanto surpresa por me ver, aparentemente, tão cedo de pé. – Achei que iria dormir até tarde hoje, parecia exausta.
-E estava, mas é a força do habito acordar esse horário. – Respondi dando de ombros.
-Bom dia, alteza. – Agatha disse serena, a voz firme, mas com uma doçura sem igual.
-Bom dia, Agatha. – Sorri levemente para ela. – Sabe o que estão servindo? – Pergunto a mesma de forma curiosa.
-Bolinhos, café, chá, coisas do tipo, não sobrou muitos mantimentos. – Ela responde com um olhar baixo e temeroso.
-Mas já contatamos nossos aliados, e principalmente Hallstatt, em breve estarão mandando provisões. – Minha mãe acrescenta.
-Bom, vou pegar algo para comer. — Vou me levantando desanimada. — Estou faminta. Com licença. – Acenei para as duas com a cabeça e me levantei dirigindo-me a mesa com o café da manhã.
Via alguns rostos conhecidos, funcionários que eu conhecia, guardas que sempre faziam rondas em áreas que eu ficava e muitos outros. Mas havia um em específico que eu procurava. Marli.
Não havia a visto ou soube qualquer coisa sobre ela. Só quero que esteja bem, talvez mais tarde eu a procure, ou ela apareça em poucos minutos pro café, sei que ainda é cedo. De qualquer jeito, a encontrarei em um momento ou outro, eu tenho que achá-la.
Depois preciso encontrar meus amigos, não só os da arena que não vejo desde a hora que saímos da pista de pouso, mas também os daqui do palácio, os meus melhores amigos. Alicia, Peter, Daphne... como eu preciso da minha prima – quase irmã – agora.
Continuo observando as pessoas presentes até que o meu olhar se encontra com o de alguém conhecido, e que eu realmente precisava conversar.
-Bom dia, Reynold. – Falei ao meu professor que estava sentado em uma das mesas, seu olhar gélido e impassível era familiar, ele continha apenas uma xicara de café puro em suas mãos, ninguém se atreveu a sentar-se do seu lado, quem se atreveria afinal de contas?
-Grace. – Ele apenas diz enquanto eu ainda estou de pé.
-Preciso conversar com o senhor. – Digo em mais um tom mais de ordenança do que de pedido. O mesmo aponta para o lugar a sua frente, logo depois me encarando para que assim que começasse a falar, o que não tardei a fazer. – Eu preciso que me diga exatamente como foi o ataque, quem orquestrou, quando, quantas pessoas mortas, tudo. – Peço assim que me sento em baixo tom para que somente nós dois estivéssemos cientes do que seria falado ali.
Eu estava completamente angustiada e não conseguia pensar nisso em outra coisa a não ser isso, eu precisava saber, mesmo que doesse. Era melhor eu entender e me preparar para o que virá pela frente.
-No total, tivemos 14 mortes, sem contar o seu pai. Eles invadiram o palácio dois dias atrás, um dia antes de você chegar. Chegaram atirando e quebrando qualquer coisa que viam. Nossos soldados resistiram bravamente, contudo, conseguiram invadir a Sala do Rei, onde seu pai estava junto de toda a Corte, incluindo sua mãe, eu, e... seu tio. – Ele abaixa o olhar. – Depois, já sabe o que aconteceu. – Reynold conclui.
-E quem orquestrou? Sei que foi Northshire, mas temos nomes? Um rosto pelo menos, não sei...
-Achei que a esse ponto já soubesse quem havia sido. – Ele fala cruzando os braços se inclinando.
-Não, eu não sei, se quiser pode me contar. – Digo irônica já irritada de todo esse suspense.
-Vamos Grace, pense um pouco, já te dei tantas aulas, veja se descubra. — Diz persistente com um brilho maquiavélico no olhar. — Quem tem acesso a praticamente tudo aqui no reino? Quem consegue dar ordens sem ser questionado? Quem pode dar ordens de Estado sem autorização? Quem poderia ter os deixado passar sem que os nossos satélites e sentinelas vissem na fronteira? Quem, Grace?
Um furacão de pensamentos rondava a minha mente. Tudo girava, nada fazia sentido. As teorias eram formadas, a raiva crescia. A decepção sem igual...
Todos traem.
-Charles... — Eu digo em um sussurro praticamente inaudível, perplexa de mais com tal constatação. — Meu tio...? — Viro-me para Reynold buscando a confirmação.
-O general de Southcost. — Reynold assente, seu olhar com puro ódio e vingança, não que o meu não fosse diferente do mesmo. — Foi ele.
-Meu tio?! – Exclamo incrédula retoricamente, mais para mim do que para qualquer outro, apenas precisava ouvir em alto e bom som para acreditar ser verdade, porém, logo percebi que provavelmente falei alto de mais.
-Ele orquestrou tudo isso, ele era um espião. – Se recosta na cadeira mais uma vez.
Como... como ele pode?! Como?! Sua própria família! Trair seu próprio sangue.
Eu... eu não consigo compreender. O que o fez agir assim?! O que pode ser mais importante do que uma vida, do que alguém que faz parte da sua própria família.
Como ele ousou levantar a mão para o meu pai? O marido de sua irmã. Ele traiu a própria irmã! Um traidor miserável e cruel, um covarde, que não merece nada a não ser o castigo pelo o que ele fez, ah... isso ele pode ter certeza que vai receber.
Todos traem.
Foi a ultima coisa que ele havia me dito.
Parece que levou bem a sério o que disse.
Maldito desgraçado.
-Sei que pode ser um choque, alteza. – Reynold fala e só agora percebo que continuo estupefata com a informação. – Era da sua família, seu tio, mas agora não é o momento ideal para deixar suas emoções te consumirem.
-Ah, pode acreditar Reynold, ele não é mais da minha família. – Falo rindo nasalmente enquanto puro ódio me consumia. – Eu não consigo... não consigo acreditar que ele possa ter feito algo assim. O senhor o conhecia, sabe que ele sempre nos ajudou, ele era o general! Foi com os planos dele que derrotamos inúmeras vezes Northshire.
-E isso que o torna ainda mais desprezível, a forma que fomos enganados, foi... brilhante. – Reynold diz frustrado fechando o punho e o batendo em cima da mesa de madeira, contudo, mesmo com o leve estrondo, não fui capaz de me mover. – Ele era da família, general, defendia com unhas e dentes o nosso reino, seria o ultimo que suspeitaríamos. – Ele pausa. – Eu trabalhei com ele no exercito por anos, jamais duvidaria dele. Todos confiávamos nele. Sempre soube o quanto era ambicioso, mas até agora, somente sabia que usava esse seu lado para o bem. Nunca pensei que sua ambição o levaria a trair o seu próprio sangue.
-É incompreensível. – Passo a mão pelos meus cabelos indignada. – Mas o que mais me irrita é saber que ele sabe tudo o que fazemos. Nossa estratégias, nossas forças e fraquezas, talvez ele era a peça chave para Northshire mudar o rumo da guerra. – Suspiro. – E pensar que achei que havíamos ganhado ao matar os herdeiros de Northshire. Aquilo foi para nada, não? – Reynold apenas assentiu. – Que droga. Nós quase morremos lá, várias e várias vezes, eu tenho uma cicatriz no meu quadril por uma estaca que tentaram enfiar em mim, minha amiga está na área hospitalar pelo o que aconteceu lá. Fui obrigada a matar pessoas, o que me causa pesadelos até agora! – A este ponto eu já estava me exaltando de raiva, meus olhos ameaçando lacrimejar.
Tudo uma grande perda de tempo! Tudo!
Que droga!
Tudo o que fizemos lá foi por nada.
Eu quase morri. Todos lá quase morremos.
Eu matei. Matei! Fiz algo horrendo para no final não servir de nada.
Era para termos ganho a guerra. Era para eu ter paz. Ter um fim de tudo isso. Mas é claro que não poderia ser tão "fácil", tínhamos que ser enganados, tinha que ser tudo um jogo, como sempre é!
-Fui tudo uma distração Grace. Enquanto os herdeiros se mantavam, eles destruíam os reinos. Reis destruídos sem herdeiros...
-Seriam liderados por Dorian.
-Exato. Mas eles não contavam que vocês venceriam. Isso já é um ponto nosso. – Ele mostra o lado positivo que confesso estar sendo muito difícil de ser encontrado.
Era disso que eu tinha medo quando acordei. De coisas imprevisíveis com esta! Eu jamais imaginei que tudo isso estivesse acontecendo ao mesmo tempo que eu matava jovens dentro de uma ilha no meio do nada.
É tanta coisa para processar...
-E agora? O quê acontece? O quê faremos? – Pergunto me sentindo perdida e vulnerável quanto ao que acontecerá com o meu futuro, com o futuro da minha família, com o futuro de todos nós.
Eu só queria que um adulto, um adulto de verdade me dissesse o que era para eu fazer, ou que tudo ficaria bem, eu não podia sequer raciocinar direito, muito menos pensar no que deveríamos fazer!
-Pensei que a senhorita já tivesse juntado os pontos... – Ele fala sugestivo.
Espera... não.
Não... não pode ser... eu não...
Eu não estou pronta... não agora.
Mas...
-Eu me torno... rainha? — A mais pura incredulidade estava estampado em meu rosto pálido.





 rainha? — A mais pura incredulidade estava estampado em meu rosto pálido

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O Preço da CoroaWhere stories live. Discover now