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Espera...
Eu não morri...?
Eu não morri... Eu não morri!
Eu estou viva!
Viva...
Viva de verdade! Estou respirando!
Estou mais uma vez inalando o ar puro.
Mais uma vez viva!
Eu senti como se tivesse ido... senti como se aquela fosse a minha hora. Eu jurava por tudo que é mais sagrado que eu partiria naquele momento.
Sempre dizem que nos últimos minutos, as pessoas sabem quando partirão, e, eu acho, que senti isso. Mas pelo visto eu estava errada. Acho que alguém ainda quer que eu continue aqui. E se não estava nos planos dEle a minha morte neste momento, quem sou eu para contradizer? Estou viva e essa é a maior dadiva que poderia ter recebido.
Me sinto mal pelos meus inimigos que tanto desejaram a minha morte e juraram vingança, que pena... parece que ainda permanecerei por aqui, e eu espero que por muito mais tempo...
Uma sensação ruim me invade, como se estivesse sufocada, como se precisa me mover, e tinha que ser naquele exato instante.
Como se tivesse acabado de ter um pesadelo, acordo com tudo, me sentando seja lá onde estou apoiada.
Ao me sentar, sinto-me ofegante, como se procurasse por ar, como se aquilo não fosse o suficiente para me atender. Precisava de mais e mais, cada vez mais.
Consigo finalmente estabilizar minha respiração descompassada. Passo a mão pelo rosto como se ainda não tivesse consciência de estar realmente viva. Uso o mesmo uniforme da arena que usei durante todo esse tempo; meus cabelos estão com as tranças que Claire havia feito em Alexia e eu.
O mesmo cabelo loiro de sempre, a mesma pessoa, as mesmas cicatrizes. Sou eu mesma.
Olho ao meu redor um tanto perdida. Ainda estou na clareira onde derrotamos Northshire, ainda na mesma ilha. Porém, estou sozinha?
-G-grace...? – Escuto uma voz familiar exclamar próxima a mim.
Viro-me para a direção oposta da que estava olhando e eu o vejo ali.
Boquiaberto, os olhos arregalados que me passavam um misto de surpresa e incredulidade, talvez uma esperança e felicidade repentina também estivessem ali. Ou talvez uma junção de tudo e mais um pouco.
-Oi? – Falei a primeira palavra e ele.
Ainda aparentava certo espanto, como se estivesse perturbado pela minha presença. Como se eu fosse um fantasma que retornou do mundo dos mortos para assombra-lo, bem, tecnicamente eu voltei do mundo dos mortos, mas sinto que estou mais viva do que nunca. Aquela experiência... sinto que algo mudou, definitivamente algo mudou.
Sorri docilmente para ele. Aquele tipo de sorriso que poucos são os que o veem.
Antes que fizesse qualquer coisa, ele se agacha, ficando a minha altura, já que continuava sentada, e me abraça.
Simplesmente me abraça transmitindo tudo o que sentia.
Nunca experimentei um abraço como este. Parecia que daquela forma poderia dizer o que palavras não conseguiam, e ao mesmo tempo, me impedir de fugir.
Como se eu fosse a qualquer lugar.
Rio nasalmente ao pensar na probabilidade de ele ter pensado nisso e em quão tolo pudesse ter sido tal pensamento.
-Você... - Ele junta as sobrancelhas as franzindo. - Você está viva. – Ele diz desacreditado.
Podia ver o brilho em seu olhar acolhedor. Sua mão em meu pescoço demonstrava como precisava me tocar para acreditar que eu estava mesmo ali. O entendo muito bem, eu mesma tive que me tocar para acreditar estava realmente ali, que era realmente eu mesma.
São os pequenos detalhes que dizem muito sobre uma pessoa, no que ela está pensando ou sentindo, é interessante reparar.
-É claro que estou. – Digo acompanhada de uma leve risada.
Feliz então, age de uma forma que eu realmente não esperava. O mesmo faz questão de me beijar naquele mesmo instante. Um beijo cheio de urgência e saudade, cheio de luxúria e... paixão?
Nos beijamos novamente.
Eu nem consigo acreditar.
Estou viva para sentir isso mais uma vez.
Nós realmente nos beijamos... aquela mesma sensação de formigamento e coração acelerado se apossaram sobre mim. Minhas bochechas esquentaram no mesmo instante. Isso, apesar de ser incrível, era estranho e novo.
-Eu não consigo acreditar que você está aqui. – Ele fala em tom baixo pela proximidade assustadora entre nós enquanto passava sua mão pelo meu rosto e cabelos. – Claire! Pessoal! – Ele chama o resto.
Aos poucos os vejo chegando e caminhando até onde estávamos.
Ao chegarem, quase de imediato, todos suspiram surpresos, ficando boquiabertos. Começo a desconfiar se não sou mesmo um fantasma...
-G-Grace? – Claire perguntou cabisbaixa, os olhos vermelhos e inchados, a pontinha de seu nariz também estava vermelho. – M-mas você... você m-morreu. – Ela diz deixando que lagrimas escorram pelas suas bochechas.
-Eu morri?! – Dessa vez, sou eu quem arregalo os olhos ao questionar atônita.
Pensei que, por eu não ter morrido, apenas havia desmaiado, e essa sensação de morte fosse algo que apenas eu houvesse sentido e percebido.
-Morreu. – Ela afirma colocando a mão em sua própria boca, ainda fungando o choro.
-Escutamos seu coração parar... você... você parou de respirar. – Samuel diz paralisado e pasmo. Na verdade, todos ali estavam. Era como se eu fosse alguém que de fato retornava da morte.
-Caramba, eu... eu nem sei o que dizer. – Falo um pouco confusa olhando para cada um deles. – Eu não morri, nunca cheguei a morrer. – Foi a única explicação que consegui lhes dar para aquele momento e toda aquela esquisita situação de quase morte.
Ao ver Alexia chorando, percebi que realmente foi algo pavoroso para eles.
-Mas estou aqui. – Digo com um sorriso dócil no rosto tentando aliviar a situação. – O que aconteceu enquanto estive apagada? – Pergunto querendo saber como eles viram tudo o que aconteceu.
Ainda consigo me lembrar daquelas sensações ao receber aquela quantidade de energia passando por mim. Acho que jamais conseguirei esquecer. Só de lembrar me dão arrepios.
-Você tocou na água, todos caíram mortos, e logo depois você. – Jane disse olhando para o seus pés. – Te trouxemos para a margem e a principio achamos que você só havia desmaiado, mas então... então você não respondeu, não respirou mais. – Jane explica, a voz trêmula, voltando olhar para o meu.
-Grace, seu coração parou. – Ben disse com os braços cruzados e o olhar tênue por agora eu estar bem ali, com eles, viva.
-Eu sabia dos riscos, mas não imaginei-. – Comecei a falar.
-Espera. Então você sabia que poderia morrer? – Felix questiona incrédulo. Sua feição já dizia tudo.
-Na verdade, sim. – Seu queixo cai e seus olhos demonstravam fúria. – Em minha defesa, não tinha certeza do que aconteceria comigo, ok? Precisava correr o risco. – Argumento querendo que ele entenda a minha perspectiva, mas o mesmo somente vira seu rosto irritado. – Era um jogo de sobrevivência, e, naquele momento, me senti preparada para apostar tudo o que tinha.
-Você tem noção da estupidez que quase cometeu? – Ele questiona irritado ficando próximo a mim. A mandíbula e o maxilar travados, podia sentir cada parte sua tensionada pelo nervosismo do meu quase sacrifício.
-Ah, me perdoe se pelo menos uma vez tentei me sacrificar por outras pessoas além de mim mesma. – Digo irônica com os braços cruzados retrucando. – De qualquer jeito. – Continuo. – Não faz sentido ficarmos bravos agora, Felix.
-Ela tem razão. – Alexia diz limpando a bochecha com o polegar. – Há um minuto atrás achávamos que Grace estava morta, e agora descobrimos que não está, isso é uma benção gigantesca.
-Já passou, pronto. – Claire diz com a voz serena ao ver que Felix iria dizer algo a mais.
-Mas e agora? Alguém vem nos buscar? – Jade questiona a ninguém específico após alguns segundos de um silêncio desconfortável.
-Talvez já estejam vindo. – Ben responde indiferente.
Ficamos alguns segundos em silencio. Todos tentando absorver tudo o que aconteceu nesta tarde. Era realmente inacreditável termos sobrevivido depois de tudo isso.
-Eu mal posso acreditar. Acabou. Tipo, realmente acabou! – Claire declara enquanto passa a mão nos longos cabelos castanhos em meio a um suspiro e um olhar distante. – Matamos os herdeiros de Northshire. Eles perderam. E nós estamos aqui, vivos.
-Eles perderam... – Repito sem conseguir compreender totalmente o que tudo aquilo significava.
-Exatamente. Ganhamos. E ficaremos aqui? Parados, esperando alguém nos resgatar. – Samuel pergunta um tanto impaciente, cruzando os braços demonstrando toda a sua perturbação.
-Pelo visto sim. – Jade diz revirando os olhos.
Confesso que não vejo a hora de sair daqui também, mas o máximo que podemos fazer agora é esperar. E torço para que os outros não fiquem reclamando até chegar a hora de sermos resgatados desse lugar. Não é hora e nem lugar para isso, além de que é ridículo discutir sobre algo tão banal em meio a tudo o que vivemos e estamos vivendo.
-Eles virão, não virão? – Alexia perguntou começando a expor uma certa preocupação com a possibilidade de nos deixarem aqui, o que é impossível.
-É claro que virão. – Claire lhe assegura a abraçando de lado, mas um grunhido sai de sua boca e sua feição muda. Ela estava aparentemente bem, talvez possa ter sofrido uma pancada ou algo do tipo. De qualquer forma, perguntarei a ela mais tarde.
-Eles precisam vir. E se não vierem, nossos pais virão. – Respondo Alexia.
-E se ainda houver mais pessoas aqui? – Ben indaga deixando-nos todos atentos ao que fala. – Talvez não vieram porque haja pessoas escondidas... sei lá. – Ele sugere.
-Então o que fizemos aqui foi por nada? Não vencemos? – Samuel retruca agitado.
-Não foi por nada. Vencemos Northshire. Se houver mais alguém acabaremos encontrando cedo ou tarde. – Claire rebate.
-E os derrotaremos. – Afirmo com um olhar gélido. – Como fizemos com todos os outros que estavam em nosso caminho. – Completo sua fala e a mesma sorri para mim.
-Acho que não haja mais ninguém. – Felix declara. – Onde eles estariam? Por que até agora não apareceram? Parem para fazer as contas. Matamos, aproximadamente, dezoito pessoas, sem contar com a gente, e os terroristas de Northshire. Quando somamos o valor da quase trinta, aposto que esses lunáticos também mataram um bom numero de pessoas. Tinham manchas de sangue em suas roupas. Com certeza mataram. Ou seja, não sobre ninguém para sobreviver. – Felix raciocina juntando as pontas.
-Então por que ainda estamos aqui? – Jade indaga-o.
-A viagem até aqui demorou algumas horas, se lembram? Provavelmente daqui algumas horas aparecerão. – Penso e todos, mesmo que ainda estivessem refletindo sobre as possibilidades do que poderia estar acontecendo, concordaram.
-Então só nos resta esperar. – Alexia se senta próxima a mim que ainda continuava no chão, recuperando forças sem conseguir me levantar.
-Enquanto ainda estamos aqui, sugiro que comamos algo. Foi uma luta difícil, estamos todos cansados. – Felix diz e não há nada a ser discutido.
Realmente estávamos cansados e precisávamos reabastecer as energias.
Claire sentou-se ao meu lado, percebi que a mesma continuava preocupada e um tanto abismada pelos últimos acontecimentos. A mesma estava pálida.
-Você está bem? – Pergunto.
-Claro. Eu... – Ela suspira. – Eu só estou digerindo tudo. Você sabe...
-É. – Assinto com o olhar vago. – Ainda não consigo entender tudo o que aconteceu.
-Mas isso é passado. Estamos bem e em breve sairemos desse lugar amaldiçoado. – Ela entrelaça nossas mãos como se fosse um reconforto, um lembrete de que tudo ficaria bem, que melhoraria.
Sorrio levemente quase como se um riso pudesse surgir, mas então me escoro em seu ombro onde parece que finalmente relaxo os músculos. Claire apoia sua cabeça em cima da minha, suspirando aliviada.
Fizemos uma bela amizade. E espero que seja tão real para ela quanto é para mim.
Adormeço sem nem me dar conta, escutando burburinhos distantes de meus amigos que ainda conversavam sobre os acontecimentos recentes. Mas eu, pelo menos naquele momento, me sentia em paz. Me sentia segura o suficiente para dormir tranquilamente, sem ter medo de alguém me atacar pelas costas ou preocupada com qualquer outra coisa.
O que aconteceu na tarde de hoje foi um dos marcos, se não o mais, importante da minha vida. E isso tirou um fardo tão grande das minhas costas. Um fardo que parecia ser leve, mas que na verdade estava me consumindo aos poucos.
Essa guerra vem me consumindo aos poucos durante todos esses anos. Talvez seja por isso que pus minha vida em risco, apenas para que eu pudesse dar um fim nela. Era tudo o que eu mais queria. E agora... agora acabou. Eu não sinto mais esse peso. Me sinto como se tivesse sido desafogada. Isso é bom. Muito bom.
Infelizmente, meu momento de tranquilidade foi embora mais rápido do que eu esperava e desejava.
Um barulho ensurdecedor ecoou me fazendo despertar imediatamente.
O som era estrondoso e penetrante. Um ruído intenso me faz tampar as orelhas no mesmo instante.
Olhei para o meu lado direito, lugar que Claire ocupava quando adormeci, ela continuava onde estava, também tampava os ouvidos com a intensão de abafar o tinido profundo.
Institivamente, corri meus olhos pelo lugar procurando pelo resto dos meus amigos. Procurando por ele.
Todos estavam tão confusos e atordoados quanto nós duas. Ninguém entendia o que poderia estar acontecendo.
Mas, tão rápido quanto as perguntas que vinham surgindo em minha mente, uma espécie de helicóptero militar aparece no ar, pairando sobre nós. Sobrevoou em círculos a área por alguns segundos, até que começou a descer. Era grande como um avião, contudo razoavelmente pequeno para ser um, porém as hélices e o formato eram característicos de um helicóptero. Já havia visto diversos desses, e já fui transportado por eles, mas apenas em situações militares de riscos e importantes...
Todos começam a se afastar para que o helicóptero pousasse e nenhum de nós fossemos acertados pelas grandes hélices que giravam com rapidez e poderiam ser letais ao acertarem qualquer um de nós.
Podia escutar algumas vozes distantes perguntando o que era aquilo e o que estava fazendo aqui.
Vieram nos resgatar.
A possibilidade se passou pela minha mente e é claro que era para isso. Finalmente iriamos para casa.
-Vieram nos buscar! – Gritei o máximo que pude para que os meus parceiros escutassem, mesmo que estivessem distantes.
Notei uma agitação entre eles. Todos comemorando que iríamos para casa. Finalmente poderíamos ir. Até que enfim teríamos nossa vidas de volta. Reconheço nunca ter ficado tão animada para voltar a rotina de ajudar meu pai com burocracias, por mais chatas que fossem, dessa vez eu queria, eu ansiava, e muito, por preenche-las.
De modo algum me esquecerei do que houve aqui, das experiências que passei... das pessoas que matei. Talvez eu não veja as coisas como antes? Talvez. Mas seguirei em frente. Não posso me culpar pelas coisas que fiz. Eram situações onde eu matava ou morria. Minhas duas únicas opções. Eu fiz o que fiz pela minha família, pelo meu reino, e não me arrependo, porque no final, sai como uma vitoriosa.
Quem diria que a coroa vem com um preço tão caro?
Apesar de tudo, estou contente. Sobrevivi! Fiz aquilo que precisava. Eu venci! Venci! E não há nada que possa mudar isso. Nós conseguimos!
As hélices retardaram-se até pararem por completo. A parte traseira do helicóptero é aberta. Todos com olhares esperançosos minimamente assustados vão se aproximando. Troco olhares cumplices com Felix, que sorri minimamente para mim, erguendo meramente os cantos da boca.
Quando a porta se abre totalmente, temos a visão de um homem. Um homem extremamente familiar para mim.
Era Reynold!
-Reynold. – Disse quase inaudível. Não acreditava que era ele mesmo.
Fiquei imediatamente boquiaberta e com a respiração irregular. Olhei de soslaio rapidamente para Felix uma ultima vez antes de avançar e dar um forte e apertado abraço no meu tutor.
-Você está viva. – Ele diz um tanto atônito retribuindo o abraço após alguns segundos, imagino que o peguei de surpresa com esse abraço repentino, mas é que realmente não pude me conter, em alguns momentos pareceu que nunca mais veria alguém do lado de fora.
-Estou. – Digo, os olhos enchendo-se de lagrimas. – Estou. – Repito como se tentasse convencer a mim mesma.
-Como é bom vê-los outra vez. – Diz ao se desvencilhar do abraço e então percebo que Felix está ao meu lado. – Confesso que pensei mais de uma vez que morreriam. – Ele diz deixando um triste sorriso aparecer.
Contudo, sua expressão rapidamente muda, para tristeza, amargura. Seus olhos brilham indicando a formação de pequenas gotículas de água na região.
-Reynold? – Ergo uma das sobrancelhas, mas o mesmo desvia o olhar para os meus companheiros.
-Vamos! Entrem! Temos uma longa viagem e pouco tempo. – Ele diz a todos nós.
Meus amigos se entreolham um tanto confusos, mas assinto para eles tentando demonstrar um pouco de confiança e segurança. Claire e Samuel se aproximam e começam a adentrar o helicóptero, seguidos por Ben e Alexia e por ultimo as gêmeas. Suspeito que elas desconfiam de nós, embora, em alguns momentos, tenham sido bastante amigáveis e conversado de forma aberta e convidativa conosco.
Ainda estou cismada com o olhar de Reynold sobre nós. Era pena? Não, não, ele está amargurado com algo, decerto angustiado. Bom, talvez possa ser pessoal...
Quando todos já haviam ingressado na aeronave, as hélices voltaram rodar fazendo com que um leve tremor ocorresse, felizmente todos já estavam em seus devidos lugares, com cintos e seguros de qualquer possível acidente que pudesse acontecer.
Ao nos firmarmos no ar e ganharmos um ritmo já em certa altitude, desprendo-me do cinto e vou em direção a cabine do piloto, onde Reynold se encontrava em um dos assentos.
-Reynold é... aconteceu algo? – Pergunto direta sem rodeios.
-É melhor esperar até chegarmos na capital para lhe contar. – Sua voz sai tremula, quase como se estivesse embargada... como se estivesse perto de desabar.
Em todos os anos aprendi algo sobre Reynold. Ele não desmorona, ele não chora, e por mais tenebrosa ou difícil que a situação seja, ele não se descontrola. Nunca o vi chorar, nunca vi surgir uma ruga de preocupação em seu rosto por qualquer situação. Ele já foi um poderoso general do nosso reino, era de se esperar que fosse esquentadinho, mas não, é sereno e ameno, não é frouxa, mas sim controlado. Ninguém controla melhor as próprias emoções do que ele. Espero conseguir ter tal maestria futuramente.
E é justamente por isso que quando o vi fraquejar pela primeira vez – no caso bem agora – me surpreendi e percebi que algo muito mais além do que eu imaginava ter ocorrido, havia de fato acontecido. O que me fez arrepiar até a espinha, temendo o meu futuro próximo.
-Então aconteceu algo? – O meu tom mudou para um de hesitação.
-Sim. – Respondeu evitando o contato visual. A voz ainda vacilante.
-O qu-. – Fui cortada antes que tivesse a chance de questiona-lo.
-Não insista mais nisso Grace. – O seu tom autoritário e firme era familiar para mim, mas dessa vez foi diferente... – Volte para o seu assento. Quando chegarmos tudo será explicado. – Ordenou com a voz penetrante.
Cedo e volto ao meu lugar. Poucos segundos se passam quando Felix se aproxima.
-Aconteceu algo, não? – Diz já direto e balanço a cabeça positivamente. – Você já tem-.
Felix é extremamente observador, embora não aparente ser. Sabia que não demoraria muito para que perguntasse a mim, ou diretamente a Reynold se algo estava acontecendo.
-Ele não quer me falar. Disse que é melhor esperarmos até chegarmos. – O corto já respondendo bufando e de braços cruzados.
Qual é a dificuldade de nos contar agora?
-Imaginei que tivesse algo de errado. – Ele falou se sentando no assento ao meu lado. – Vencemos a guerra e ganhamos um abraço por isso? Que recompensa. – Ironiza e eu sorrio de escarnio para ele. – Jurava que seríamos recebidos por uma comitiva imensa e pelo menos alguns dos nossos amigos estariam presentes. Sabe como são. Mas então... estamos bem aqui, em um helicóptero militar com o nosso instrutor não querendo nos dizer o que está acontecendo.
-Tem razão. Não faz sentido. – Disse me afundando ainda mais em meu assento. – Ah não ser... – Cogito algo que eu não quero.
Não. Não, não e não. Nada do tipo pode ter acontecido.
-Ah não ser...? – Felix me incentiva a terminar a frase que parei abruptamente.
-Nada, deixa pra lá. – Disse dando de ombros, tentando afundar o máximo possível aquele pensamento.
Felix, porém, continua me fitando, uma das sobrancelhas arqueadas esperando que eu fale. Reviro os olhos e cedo.
-Felix, não estou com um bom pressentimento. – Disse séria e ele franziu o cenho. – O que você falou faz sentido. Por que ninguém veio nos receber? Por que Reynold, ao invés de estar nos parabenizando, está com uma cara de velório? Éramos para star em um jatinho com os nossos amigos estourando champanhes e comemorando. Vencemos a guerra! – Lhe mostro o meu ponto de vista, e ao soltar tudo isso, me convenço ainda mais de que algo muito mais sombrio do que pensamos esteja ocorrendo bem neste momento.
-Não vamos pensar no pior. Em breve estaremos em casa e saberemos o que aconteceu. – Ele me assegura, contudo, vejo a inquietação em seu olhar, remoendo o que falei.
-Pode não ser nada também. – Tento reconforta-lo e a mim mesma ao mesmo tempo, Felix somente abre um sorriso fraco para mim.
Voltamos ao silencio original.
Quase uma hora havia se passado. Fiquei todo esse tempo criando e remoendo teorias do que poderia estar acontecendo. Queria estar preparada para qualquer coisa que estivesse por vir, mesmo que fosse o pior.
Ao observar mais uma vez todos que ali estavam, percebi que Claire estava dormindo, porém suava frio e se remexia em seu assento.
-Claire? – A chamo, mas nada ela responde. – Claire. – Digo mais firme e continuo sem resposta.
Felix estava distraído comentando algo com Ben que acaba nem percebendo a situação.
Levanto-me de meu assento e sigo até o dela que era na frente do meu. Agacho e fico de joelhos tentando falar com a mesma. Ninguém parecia ter notado o que acontecia com ela.
-Claire. – Chamo por ela novamente, dessa vez a sacudindo. – Claire! – Falo alto a remexendo mais ainda. – Claire, por favor, fala comigo. – A continuei a sacudindo tentando fazer com que pelo menos abrisse os olhos.
-Grace, para. – Felix toca em meu ombro tentando fazer com que eu recuasse. O olho espantada enquanto ele ainda tentava me impedir.
-Felix, ela não acorda. – Disse a ele perturbada com a situação. – Olha pra ela, Claire não está bem
Seus olhar era de perplexidade.
-Ela está machucada. – Ele aponta com os olhos para a grande mancha de sangue que se formava na região próxima ao seu peito, abaixo da axila. O seu tom era preocupado, assim como eu já estava.
-Ah meu Deus. – Digo quando ergo sua blusa e vejo a ferida sangrando e provavelmente começando a infeccionar.
Por que ela não nos disse nada?
Ela, Claire, quem me repreendeu tanto quando me machuquei, fez justamente o mesmo que eu.
Samuel se aproxima para ver o que está acontecendo com a amiga, e rapidamente os outros também vem chegando.
-Droga Claire. – Diz ao ver sua situação. – Alguém sabe quando ela se machucou? – Ele disse irritado, se importava de verdade com ela, como se fosse uma irmã do próprio sangue.
Às vezes, laços sem qualquer ligação, podem ser mais fortes, até mesmo, que os de sangue.
-Provavelmente na luta de hoje a tarde. – Jade respondeu e tentei imaginar o que poderia ter acontecido para se ferir tão gravemente.
Ah não...
-Acho que fui eu. – Disse, ainda olhando para Claire, mas podendo sentir o olhar de todos em minhas costas. – Quando houve a explosão, algo pode ter voado nela. – Sugiro, pois é o que faz mais sentido para mim.
-Não é sua culpa, Grace. – Alexia diz rapidamente ao pensar que poderia me culpar.
-Sei que não. – Falei me virando e a olhando. – Mas precisamos tratar desse ferimento, agora. – Me voltei para a minha amiga. Os cabelos longos, escuros e ondulados, suados pela sua dor. – Alguém sabe algo sobre enfermaria?
-Acho que Claire era a única que sabia. – Jane responde.
-Reynold, ele deve saber. – Felix me diz e assinto.
Sigo para a cabine do piloto onde encontro Reynold no mesmo lugar de antes.
-Reynold. – O chamo e, ao ver minha feição cheia de nervosismo, não preciso dizer nada.
-O que aconteceu? – Perguntou direto se levantando e saindo da cabine do piloto junto comigo.
-Claire está machucada. O ferimento começou a infeccionar. – Disse tentando o máximo manter minha postura serena e controlada, assim como o mesmo fazia. Nervosismo não ajudaria em nada agora, muito pelo contrário, apenas atrapalharia.
-Sei o que fazer. – Diz antes que peça qualquer coisa a ele.
O meu tutor se movimenta abrindo um compartimento de onde tira uma maleta e assim seguimos para onde Claire se encontrava.
-A ferida é profunda, mas ainda há tempo. – Ele diz ao examina-la.
Da maleta, ele tira uma seringa e algo contido em um frasco transparente. Encheu a seringa com todo o conteúdo e injetou sem delicadeza na minha amiga.
-Isso é para que ela acorde e pare de ter esses espasmos. – Ele explica antes que qualquer um pergunte. – O nosso próprio corpo avisa quando estamos com qualquer dano. Por isso ela está assim, não se preocupem.
Em seguida, ele retira algodão e outro frasco com um liquido também transparente. Molha o algodão e coloca com rapidez no machucado garota desacordada.
No mesmo instante que ele coloca, sinto o cheiro e percebo o que é. Álcool. Isso vai arder, muito...
Assim que o mais velho colocou a substância, Claire despertou.
-Ah meu Deus! O que é isso?! – Questionou entrecortando a respiração e os olhos já se enchendo de lagrimas. – O que está acontecendo?!
Comprimia o lábios e fechava os olhos na esperança de esquecer a dor aguda insuportável que sentia.
-Por favor pare. – Ela pede se segurando para não chorar.
-Eu preciso limpar a ferida. – Reynold diz sério querendo que ela se cale e então ela percebe o que está acontecendo. – Você deixou que começasse o processo de infecção, agora preciso retirar todos os resíduos que estão aí, só assim seu corte cicatrizará. – Ele explica e Claire assente entendendo a importância do que ele estava fazendo.
Estava ao seu lado segurando uma de suas mãos enquanto Samuel estava do outro. A mesma apertava com força a minha mão. Nem consigo imaginar quão grande sua dor deve estar sendo.
Todos começaram a se afastar para dar espaço a Reynold, deixando que trabalhasse sem que alguém o atrapalhasse.
-Ainda está escorrendo muito sangue. – Reynold exclama retoricamente. – Eu preciso fazer pontos ou perderá muito sangue até chegarmos na capital. – Ela assente. – Só temos um problema...
-Qual? – Sou eu quem indago já cansada de tantos problemas surgindo repentinamente.
-Não temos anestesia. – Avisa hesitando.
-Não, eu não vou deixar vocês me costurarem sem eu estar anestesiada. De forma alguma. – Ela fala negando freneticamente com a cabeça.
-Você vai perder muito sangue. Tem chance de morrer! – Reynold a exorta.
-Quantos pontos serão? – Perguntei por Claire que mal tinha forças para falar.
-Uns cinco ou seis. – Respondeu e eu olhei para Claire.
-Eu não sei se aguento. – Ela diz com os olhos marejados, o medo era presente em seu olhar.
-Estaremos bem aqui se quiser. – Disse a ela.
-Você consegue fazer o mais rápido possível, e da forma que eu menos sinta? – Ela se dirigiu a Reynold.
-Posso tentar. – Respondeu.
-Está bem. Mas se eu não aguentar pare na hora. – Ela pede a ele cheia de súplica.
-Como quiser. – Reynold fala já preparando a agulha e o fio.
O mesmo estava se mantendo calmo e focado mesmo em meio ao choro e pânico de Claire
-Eu não sei como deixei que me convencessem a isso. – Ela olha para Reynold preparando a sua costura improvisada e depois para mim.
-Dará tudo certo. Pode apertar minha mão e de Samuel. – Ela assente. – Quando chegarmos na capital iremos refazer os pontos com você anestesiada. – Acrescento a ultima parte com um leve sorriso tentando reconforta-la minimamente possível.
-Aqui. Coloque isso na boca para morder quando doer. – Reynold lhe entregou uma toalha.
Ela olha para Samuel que sorri brevemente para ela. Era possível ver o reconforto que ela ganhou ao olhar para o amigo – quase irmão – ao seu lado. Ela volta seu olhar para Reynold e assente com a cabeça, indicando que poderia começar.
Claire fechou os olhos com força quando meu tutor se aproximou com a agulha já esterilizada e pronta para costurar a pele da minha amiga.
Ao atravessar com a agulha, Claire abriu os olhos com tudo no mesmo instante. Um grito misturado com o choro foram abafados pelo pano em boca. Lagrimas escorriam incontroláveis pelos seus olhos. Minha mão estava ficando rocha pela tamanha força depositada nela. Reynold se manteve impassível, concentrando-se em fazer o curativo da melhor forma possível.
Desviei o olhar de seu corte que sangrava enquanto a agulha o perfurava e foquei no rosto de Claire. A mesma suava e chorava. Aquela cena era horrível de se presenciar. A agonia que seus olhos exalavam sentir era assustadora. Mas precisava ficar forte por ela até que passasse por isso, ela ficou comigo em todos os meus momentos na arena, agora eu retribuirei sua imensa gentileza.
-Estamos acabando. – Reynold avisa a reconfortando e ela utiliza o máximo de sua força restante para assentir.
Sua pele foi atravessada mais duas vezes por aquela agulha. Os seus gritos abafados foram ouvidos mais uma vez, exclamando claramente sua dor.
-Pronto, pronto, já terminei. – Reynold falou exasperado com a agonia que Claire havia passado.
O pano foi retirado de sua boca e com as minhas mão eu limpava as lagrimas de seu rosto.
-Eu... eu acho que vou desmaiar. – Ela diz e sua cabeça tomba desacordada no instante seguinte.
Olho para Reynold.
-É normal, passou por uma grande dor, deixem-na descansando. – Ele diz se levantando ao terminar de guardar tudo em sua maleta de primeiros socorros. – Ela ficará bem. – Nos assegurou. – Mas por hora, a deixem como está.
Eu e Samuel assentimos ainda estupefatos pelo o que havia acabado de acontecer com a nossa amiga.
Com a ajuda de Samuel, posicionamos Claire de uma forma confortável para que descansasse. Samuel decidiu que permaneceria ao lado dela caso acordasse ou acontecesse algo a mais com ela. Me levantei e fui até o assento que eu estava antes de tudo isso.
O compartimento estava em completo silencio. Acho que o que aconteceu com Claire deixou-nos todos desorientados de certa forma. Ficamos preocupados e foi horrível assisti-la gritando e chorando com a dor excruciante que foi exposta.
Permaneci sozinha e em silencio o restante da viagem.
Estava aflita e incerta sobre o nosso futuro. Aquela sensação de ansiedade e tormento continuavam a me assombrar. Estava inquieta e impaciente. Senti falta daquele sentimento de bem-estar e segurança de quando havíamos derrotado Northshire. Havia sido maravilhoso. E eu me senti tão bem. Mas isso se foi tão rápido quanto veio, e mais uma vez estou pensando em um milhão de coisas diferentes ao mesmo tempo.
Tentei dormir durante a viagem mais de uma vez, porém falhei na tentativa. Eu só queria chegar em casa e descobrir o que está acontecendo.
Quero abraçar minha família e meus amigos, levar Claire para um centro hospitalar de verdade. Deitar-me na minha cama e fechar os olhos. Isso seria uma sensação boa. Ainda assim, acredito que isso não será possível, seja lá o que estiver acontecendo, me parece sério, e em situações como essa, eu obviamente não terei tempo de relaxar.
Estou no mesmo ritmo a minha vida toda, e tem apenas se agravado durantes esses últimos meses.
Esse é um dos momentos que eu desejava não ter as obrigações que tenho. Sei que tenho que ser grata, e eu sou, mas preciso dar uma pausa, o que parece impossível.
Reynold aparece de sua cabine e todos levam sua atenção ao homem.
-Chegamos. – Ele anuncia sem mais nem menos. – Se preparem, vamos pousar. – Diz por fim já nos dando as costas e voltando para a cabine.
Troco olhares confusos e curiosos com Felix.
Não sabia o que estava por vir e eu detesto esse sentimento de impotência. Não sei se tenho mais medo de saber o que está acontecendo, ou de não saber.
Olhei pela janela já reconhecendo a minha linha cidade, o meu lar, o lar que sempre amarei e jamais, mesmo no pior dos meus pesadelos, o abandonarei.
O pouso foi suave. É até engraçado pensar em quão calmo o avião estava ao descer em relação a tensão e ao nervosismo que os passageiros estavam.
Houve aquela demora de sempre até abriram as portas. Ninguém havia levado bagagem alguma, só nos restava descer.
Todos já haviam descido e restava apenas Reynold, eu, Samuel, Claire e Felix.
Reynold contatava alguém que pelo visto providenciaria enfermeiros e médicos para Claire. Samuel e eu esperávamos ansiosamente para ver se nossa amiga ficaria bem, Felix apenas havia insistido que queria nos esperar ao invés de ir com o primeiro carro onde o resto dos nossos amigos haviam ido.
Tivemos que esperar mais alguns minutos até que o segundo carro chegasse, já equipado com os enfermeiros que levariam Claire, que ainda estava desacordada, ao centro médico.
Assim que saímos do avião, reconheci a pista de pouso. Foi a mesma que estávamos quando fomos levados até a base militar para depois sermos jogados na arena. Parecia que jamais veria esse lugar outra vez, mas aqui estamos.
Me perdi por alguns instantes olhando para aquele lugar. A um mês atrás eu estava bem aqui derramando as minhas lagrimas enquanto abraçava a minha família sentindo que não os veria novamente. E agora estou de volta, mesmo que com alguns arranhões, mas viva e inteira.
Acho que consigo lidar seja lá com o quê que Reynold está nos escondendo.
Claire iria em um carro enquanto eu, Felix, Reynold e Samuel iriamos em outro. Estava preocupada com a minha amiga, mas sabia que agora que havíamos chegado em meu reino tudo ficaria bem. Bom, assim eu espero e desejo.
Um carro grande que parecia uma espécie de van militar seria o nosso transporte. Era blindado e os motoristas eram soldados equipados com armas. Não era o tipo de veiculo que estava acostumada a andar. Nem de longe.
Ao estarmos todos dentro do carro, começamos a andar. Quase dez minutos depois, adentramos a área da cidade.
O quê raios aconteceu aqui?

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Esse, sem sombra de dúvidas, é um dos meus capítulos favoritos. A Grace não morreu!!! Eeeeeeee. Porém, o capítulo acabou meio tenso. Aiai. Aguardem os próximos capítulos e não se esqueçam da caixinha de lenços ou do cloro pra tomar, vai ser duro hein.
Boa sorte! Hahahahha








 Boa sorte! Hahahahha

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O Preço da CoroaOù les histoires vivent. Découvrez maintenant