Coração na Aldeia -II

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Elena temia que fosse tarde demais para Enepay, já havia ministrado algumas vezes as ervas que Kimimela lhe cedeu, porém o estado do garoto continuava o mesmo. A febre se negava a ceder e os momentos de inconsciência estavam cada vez mais frequentes. Ela respirou fundo e mais uma vez trocou as rodelas de cebola de seus pés e axilas, era tudo que tinha além de água fresca para baixar a febre, apesar de admirar os conhecimentos médicos dos Mandan, saber que num hospital minimamente equipado a vida de Enepay já estaria salva lhe partia o coração.

Ouviu uma movimentação do lado de fora da tenda, o som dos cânticos de boas vindas e a sensação suave de peso sendo retirado dos ombros, liberando uma tranquilidade serena que acalma a mente e o coração. Tokalah estava de volta.

Sob o manto estrelado da noite, a aldeia aguardava em silêncio enquanto o chefe indígena, enfeitado com penas, retornava com seu grupo de guerreiros. A suavidade da brisa noturna tocava os rostos curiosos da comunidade, que se reunia em frente as suas tepes ao longo do vale. A frente Tokalah, com seu filho bebê envolto em peles, cavalgava com passos cuidadosos. A luz das tochas revelava a ternura nos olhos do chefe, que compartilhava um sorriso tranquilo com a criança adormecida em seus braços quando viu Elena deixar a tenda de Enepay e seguir ansiosa que a frente de seu cavalo com olhos já marejados de alegria ao perceber o que o indígena carregava consigo.

一 Este é meu filho! 一 Ele bradou em voz alta na sua língua mãe. 一 O Waikiki o tomou de nós, o feriu, mas ele tem um coração forte e voltou pra casa, para sua aldeia, pra seu povo, para os braços de seus pais e de seus irmãos e irmãs. Chantésike, é um de nós, meu filho, minha carne e sangue, meu irmão, assim como todos aqui ele tem minha proteção e meu amor. Chantésike, sua mãe Onatah, Elena ou a Mulher branca como a chamam,assim como Wewomi e Enepay são minha família, o meu legado e aqueles que os desrespeitarem estarão desrespeitando a mim e ao grande espírito. 一 Finalizou ele descendo da montaria e desembrulhando o pequeno que imediatamente se pôs a chorar.

Um murmúrio com o primeiro nome do filho do líder preenchia o ar celebrando a continuidade da vida na aldeia enquanto Elena caminhou emocionada até os dois, aninhando o pequeno nos braços e recebendo o carinho de Tokalah que encostou sua testa a dela por instantes beijando seus lábios rapidamente em seguida.

一 Ele precisa de cuidados. 一 Sussurou baixinho em seu ouvido, fazendo a mãe voltar um olhar mais atento ao bebê que agora percebeu estar ferido e fraco. Elena voltou um olhar confuso a Tokalah que baixou um pesaroso olhar sobre o menino. 一 Ele é forte. Leve-o a Wichaswakan. 一 Disse a Elena antes de beijar sua testa e em seguida a do menino 一 Preciso resolver uns assuntos, falou voltando o olhar a Kewanne que empurrava Sarah atravéz dos curiosos.

Elena encarou a cena confusa, mas não dispunha tempo para tentar entender a situação, Tokalah havia cumprido sua promessa e devolvido o filho a seus braços, era vez dela cumprir seu dever como mãe e proteger o seu rebento. Aconchegou o filho nos braços e se pôs em direção a grande tenda, onde o novo membro da tribo recebeu cuidados e orações por algumas horas.

***

Cheveyo cobriu a mulher que dormia tranquilamente ao seu lado, fazia muito tempo que não sabiam o que era uma noite tranquila de sono. Desde que foram arrancados de seu acampamento e arrebanhados como gado em uma das comitivas rumo as novas reservas, as noites se resumiram a frio e vigília constante. Correu o olhar pelo pequeno alojamento e pousou o olhar sobre o casaco azul que recebeu mais cedo. Agora era um membro dos batedores indígenas da cavalaria, de fato não era motivo de orgulho, mas dadas as circunstâncias não tinha outra escolha. Seu povo havia sido dizimado como nação, e os poucos grupos que ainda resistiram pelas planícies já mal sabiam o que era ser um Crow. Tudo que restava era a mulher e suas crianças perdidas em alguma das escolas indígenas. Não tinha esperança de ver seus garotos novamente até ouvir os burburinhos sobre prêmios e promessas feitas a aqueles que servissem com honra e lealdade ao exército americano. Não havia comentado nada com sua mulher, fora tão difícil pra ela que era melhor não lhe dar falsas esperanças agora que finalmente parecia começar a superar a perda.

A filha do General - EM ANDAMENTOWhere stories live. Discover now