Entre Dois Mundos - III

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Elena se ajeitou nas peles e tentou inutilmente pregar os olhos, no entanto, permaneceu em silêncio e fingia dormir toda vez que Tokalah se aproximava.

Quando finalmente foi vencida pelo sono ele a despertou para que ficasse na vigia e ele pudesse descansar algumas horas. Viu-o se aconchegar nas peles e cair em um sono profundo em pouco tempo, gostava da confiança que os nativos pareciam ter em suas mulheres dando-lhes funções importantes dentro do clã.
Certamente Andrew, jamais confiaria nela para vigiar um acampamento, a deixaria dormir e ficaria de guarda dizendo que se tratava de cavalheirismo, mesmo se ela insistisse.

Odiava o fato de que em todos os momentos da sua vida fora vista como pequena demais, frágil demais e tola demais por ser uma mulher. Até mesmo pelo tio que se dizia moderno, que não permitiu que ela fosse estudar medicina, por crer que o ambiente tipicamente masculino, não seria bom para ela.

Não poderia dizer que os Mandam eram igualitários, assim como em qualquer sociedade haviam funções tipicamente masculinas e femininas, no entanto, as meninas não eram proibidas de cavalgar, aprender a usar armas de guerra e opinar sobre a vida em sociedade. Tinham liberdade sobre quando e com quem iriam juntar seus cobertores e mesmo antes de casadas se decidissem provar da paixão de um homem, não passavam a ser vistas como imorais. Elas organizavam o plantio, a colheita, preparavam os estoques de comida para o inverno e definiam o que poderia ser trocado e o que era imprensindível para a existência do clã. Os homens pareciam ter tanta responsabilidade sobre o cuidado dos filhos quanto as mães e assim que deixavam o seio delas, era deles o dever de ensinar sobre a vida e a cultura atravéz de histórias que também ouviram de seus pais e estes ouviram dos pais deles.

Quando Elena questionou a Tokalah por que eles não escreviam ou desenhavam suas histórias em livros ou papiros como a maior parte dos povos da história fez, ele respondeu que apesar das folhas falantes guardarem o conhecimento atravéz do tempo, seriam apenas histórias lidas, mas histórias contadas por seu pai, avós e anciãos, eram momentos que se enraizariam na memória daqueles que as ouvia. E ela lhe deu razão, afinal, embora amasse seus livros, aprendeu a gostar deles devido as noites na cama entre os braços de tia Augustine, enquanto ela lia qualquer coisa com muita aventura e romance.

Viu Tokalah mover- se e virar para o lado e o rosto adormecido dele se iluminar em tons de dourado devido a fogueira que ardia entre eles.
Apesar de sempre julgar os nativos como dotados de feições duras e fortes, Tokalah possuía certa leveza que conferiam a ele um ar mais amigável do que qualquer outro nativo que conheceu até agora. Levou a mão aos próprios lábios ao lembrar do toque dos dele e devagou por instantes no momento que tiveram mais cedo.

Ele estava lhe dando a oportunidade de decidir e escolher seu futuro, algo que teve poucas vezes na vida e que quando teve, talvez não tivesse tomado a atitude correta. Deixar a Inglaterra, fugir no meio da noite causando a morte de sua querida Davina, casar-se com Andrew, mesmo não sentindo nada por ele e agora, depois de tanta luta para aprender a gostar do marido e de certa forma já apreciar a sua companhia, estava arrebatada por aquele sentimento estranho por aquele selvagem que a fez cativa.

Sentiu o corpo estremecer, teria de tomar uma decisão, se voltasse a Charlotetonw retomaria sua vida com Andrew, com sua família. Viveria para ser sua esposa e lidar com as divergências que eles mantinham. E por mais que ele tivesse mudado e controlado um pouco sua personalidade controladora, como seria atravéz dos anos? Condenados a uma vida a dois, vivendo num forte onde pessoas eram enforcadas toda a semana e quase não havia espaço para as superficialidades que faziam a vida valer a pena? Onde talvez não pudessem nem mesmo trazer uma criança saudável ao mundo? Porém esquecer a vida de antes para começar uma vida nova com Tokalah, como ele desejava, parecia um disparate assustador. Por mais que se sentisse sozinha, tinha certezas inegáveis no mundo civilizado, uma casa que não seria invadida e queimada por soldados a qualquer momento, seus tios, sua família e sua fortuna, que lhe promoveria uma vida confortável e sem privações. Na aldeia, não havia mais que dúvidas, sabia que era questão de tempo até que o paraíso de Tokalah fosse descoberto e arrancado dele. Terras férteis, com água abundantemente e possivelmente com ouro encravado nas montanhas, dito que deveria haver algum motivo pra tantos garimpeiros desafiassem a morte naquele lugar, não seria deixado para os índios, nem por ordem do próprio presidente.

A filha do General - EM ANDAMENTOWhere stories live. Discover now