A Garota que Nunca Existiu

By WitchGianni

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Em um esquecido subúrbio na zona norte do Rio de Janeiro, Alice, uma fã fervorosa da franquia The Legend of Z... More

Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun
Capítulo 2 - Bronzes e Cristais
Capítulo 3 - Respostas
Capítulo 4 - The Wall
Capítulo 5 - Siga o Coelho Branco
Capítulo 6 - Through the Looking Glass
Capítulo 7 - MK Ultra
Capítulo 8 - Controle
Capítulo 9 - She's lost control again
Capítulo 10 - Presa
Capítulo 11 - Predadora
Capítulo 12 - Interrogações
Capítulo 13 - As pessoas mentem o tempo inteiro
Capítulo 14 - Espelhos distantes
Capítulo 15 - Juramento
Capítulo 16 - Conatus
Capítulo 17 - Remoto Controle
Capítulo 18 - Destinos
Capítulo 19 - Dores do crescimento
Capítulo 20 - Na Estrada
Capítulo 21 - Ultimato
Capítulo 22 - Pela luz dos olhos teus
Capítulo 23 - The boy with the thorn in his side (Parte 1)
Capítulo 24 - The boy with the thorn in his side (Parte 2)
Capítulo 25 - Eco
Capítulo 26 - Letargia
Capítulo 27 - Maya
Capítulo 28 - Véu
Capítulo 30 - Existenz
Capítulo 31 - Refúgio
Capítulo 32 - Sublimação
Capítulo 33 - Réplica
Capítulo 34 - Inexorável
Capítulo 35 - Retorno
Capítulo 36 - Cruz de estrada
Capítulo 37 - Prioridades
Capítulo 38 - Autofagia
Comunicado - 29/05/2022
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41

Capítulo 29 - Kensho

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By WitchGianni

"Não resta um único fio

É tração

Não sou nome, só direção

Meu lugar são dois mundos em colisão".

(Baleia – Volta)

Olho para cima e não sei que horas são.

Não sei há quantas horas encontrei coragem para quebrar o olhar de Helena e encarar o teto azul-claro, com os adesivos de estrelas e cometas que brilham no escuro – aqueles que meu pai colocou quando eu tinha 8 anos e enfiara na cabeça a ideia de que seria astrofísica quando crescesse. Paralisada, deixo que todos estes impulsos desconhecidos corram selvagens como veneno por minhas veias.

Tentei fugir de todas as formas possíveis – pela porta, o mais lógico. Fechando os olhos. Tapando os ouvidos. Dormindo.

Mas eu estava à flor da pele, tão descarnada quanto Helena, e nada, nem ninguém pôde me proteger de boiar junto com ela em sua poça de fezes e mijo. A estática, o silêncio, seus olhos embriagados cravados nos meus derrubaram-me facilmente. Encarei seu rosto deformado por meus punhos de todos os ângulos possíveis. Encarei meu rosto refletido em seus olhos líquidos de todos os ângulos possíveis.

Quando você bate em mim, Cecília, não está me machucando. Está ferindo a si própria.

Quis vomitar.

Helena dorme de olhos abertos. Paralisada como uma estátua, o sorriso permanente atravessa seu rosto como que rasgado a facadas. Imóvel como um cadáver. Olhar para ela – olhar para mim – é ser atacada por um terror que atravessa a alma e volta.

Como uma flecha.

O zumbido das moscas que pousam em sua pele dilacerada se confunde com o zumbido do próprio silêncio. Elas pousam em mim também, mas nada faço para espantá-las. Não faço nada senão respirar.

Não choro, não gemo, não grito. Em algum momento toda aquela agonia me esvaziou e eu afundei em um lugar escuro, alheio, isolado. Não consigo sentir mais nada.

E então vou embora para aquele lugar quente e seguro, onde as lembranças resplandecem como cristal, e ouço sua voz de criança prestes a entrar na puberdade.

"Você já teve vontade de fugir pra algum lugar e nunca mais voltar?"

E então, a resposta.

"Várias vezes, Edgar, várias vezes. Mas fugir nunca foi a solução".

Mas fugir nunca foi a solução.

Nunca foi.

Nunca foi.

Nunca foi.

E eu acordo, sem nunca ter adormecido.

Aos poucos, volto à superfície, as palavras reverberando em meus ouvidos como um mantra desconhecido. Muito lentamente, pisco os olhos, alongo as mãos, mexo os pés, estico os dedos. Toco o céu da boca com a ponta da língua.

Preciso saber que ainda estou aqui.

Preciso saber que não vou fugir de novo.

Acima de tudo, preciso saber que esta casa é minha e sempre será.

Levanto-me com a mesma lentidão com que despertei e engatinho pela superfície imunda de excrementos até a saída. Estranho a sensação da lajota em minha pele, do peso do tronco sobre os joelhos, como se este corpo fosse novo. Como se, durante meu sono acordado, eu tivesse trocado de pele, revelando uma nova casca por debaixo da antiga.

Vida longa à nova carne.

Uma pontada de náusea atinge o estômago, embora, ao menos desta vez, não seja de medo ou terror. Abaixo a cabeça e forço a garganta, esperando um vômito quente e grudento, mas um gosto metálico invade a língua. Tusso e engasgo várias vezes até cuspir um pequeno objeto prateado no chão fétido. Limpo a sujeira, analiso as delicadas reentrâncias de sua superfície e sorrio.

É a chave mestra.

Fico de pé, pisando nas velhas portas jogadas pelo caminho, e encaixo a chave na fechadura. Antes de atravessar a porta, vasculho o quarto abandonado à procura dos olhos de Helena. Se ainda dorme ou se me encara como quem guarda um último trunfo nas mãos, jamais saberei. O sorriso, entretanto, permanece preso a seu rosto deformado como uma caricatura. Ainda estou sedada demais para me importar.

Apoio-me nas paredes ao caminhar, traçando um trajeto turvo de sujeira pela sala até a porta do apartamento, onde tateio sem jeito a chave pela fechadura e forço a tranca. Sou recebida por uma lufada de ar frio e cortante – o prédio não existe mais, substituído por um extenso e escuro corredor coberto por um tapete vermelho.

– Cecília – sussurra uma voz em meio ao assobio do vento – Cecília, escute com atenção!

O clamor da voz cresce em meus ouvidos, superando o silvo da ventania, gritando, gritando tão forte a ponto de me arrancar definitivamente da sonolência.

O que tá acontecendo?

Atrás de mim, a porta se fecha com um sonoro estrondo. Levo uma mão acima do rosto para impedir que a poeira levantada alcance os olhos. O vento levanta meus cabelos e imprensa meu corpo contra a porta trancada sem resistência. Não há como sair, a chave é inútil.

– Cecília!

Estreito os olhos.

– Quem... quem é você...?

Concentro-me em distinguir as oscilações da voz, que agora cresce e diminui como se falhasse, confundindo-se novamente com as correntes de ar.

– Isso não importa agora. Não temos muito tempo! – grita – Concentre-se em minha voz, Cecília! Concentre-se somente nela!

Amparo minha mão na maçaneta com força, as pontas dos dedos rígidas em torno do metal.

– Tô ouvindo – sussurro.

– O segredo do primeiro pedaço da gravura está escondido além desta sala. Pegue-o – O som oscila novamente, como um rádio sofrendo interferência – E, aconteça o que acontecer, não perca a chave!

Meu peito aperta em ansiedade.

– Mas... como...? – forço a garganta – O que acontece se...

Recebo somente o uivo do vento como resposta. A porta de trás permanece emperrada, não me deixando outra escolha senão enfrentar a corrente e atravessar a galeria até o final. Obrigo-me a pisar no tapete vermelho; assim que solto a maçaneta e aperto o passo, contudo, as paredes começam a se inclinar para a direita. Engulo o susto e dou mais um passo, agachando-me junto ao tapete para não ser tragada para trás novamente. As paredes e o piso se inclinam um pouco mais, desestabilizando-me. Para não ser puxada de volta à porta, finco minhas unhas no carpete, os braços descobertos castigados pelo frio.

Que porcaria é essa?

Com os dentes rangendo, levanto o braço, amparando-o no tecido para mais uma passada. O corredor se contorce ainda mais em torno do próprio eixo a cada passo dado, de tal forma que preciso agarrar as bordas do tapete por baixo se não quiser que a corrente me leve de volta à estaca zero. Já não sei há quanto tempo estou aqui – os minutos se arrastam a cada passada dificultosa, os membros gelados e dormentes, o corredor torcendo e contorcendo como uma casa maluca de parque de diversões, até que eu esteja pendurada no teto, engatinhando em torno da parede numa gigantesca espiral.

Não há gravidade além daquela ditada pelo vendaval.

Manter os olhos abertos é uma tarefa árdua, com fios de cabelo constantemente voando sobre meu rosto e cobrindo a visão. Desvio descoordenada das nuvens de poeira carregadas pela ventania, resvalando o joelho para fora do tecido. Em um momento de puro terror, desequilibro-me ao levantar a cabeça, as pernas pendendo no ar, puxadas pela força irresistível da corrente. Com os olhos lacrimejando e o corpo dormente, não sou capaz de seguir muito longe – o vento me carregará de volta ao início da passagem, e nem quero pensar em como vou recomeçar este trajeto de ponta-cabeça.

Ignoro a queimação pungente nos músculos.

Em um movimento brusco, forço as pernas o quanto posso, os braços firmemente fincados entre as bordas do carpete. Puxo as coxas em câimbra e impulsiono o corpo para frente, jamais cessando o aperto dos punhos em torno dos fios ásperos. Mordo os lábios descascados e grunho dolorida.

Não pense no pior, não pense no pior, não pense no pior.

Respire.

E eu respiro, não importa o quanto o peito arda no processo, e olho para a frente, por fim, onde uma cavidade escura me espera ao fim do túnel. Pouco a pouco vou distinguindo as formas do lugar, composto de elevações indistintas, volumes retangulares ainda vagos à distância.

Quase.

Não encontro voz para gritar ao finalmente alcançar o fim do tapete, mas ainda não há espaço para alívio. Chegar ao fim do corredor significa alcançar a origem da corrente de vento, gigantescas hélices girando em alta velocidade ao fim da saleta. Acima, um grande olho vermelho esculpido na parede em alto relevo.

Esgueiro-me pela entrada com cautela, estremecendo ao agarrar a superfície lisa da abertura, analisando o que posso do local com os olhos secos e desprotegidos. Não posso me permitir errar, principalmente agora. Devo me amparar aos blocos maciços que brotam das paredes e tentar parar as hélices de alguma forma, mas como? Com uma careta de dor, esforço-me para arrancar um dos lados do tênis esportivo em meus pés, jogando-o na direção das pás giratórias, que arremessam o sapato para longe. Respiro fundo e atiro o outro par, acertando de raspão o olho esculpido antes de ser tragado pelo vento. Aquela era minha última carta na manga.

Algo acontece antes que eu me entregue ao desespero, no entanto: de forma quase imperceptível, a velocidade das hélices diminui; não o bastante para me permitir pôr os pés no chão, mas o suficiente para que eu adentre com mais cuidado da sala sem ser arremessada para fora. Fito o olho negro, cujas pálpebras agora parecem um pouco abaixadas, e reprimo um suspiro de alívio. Já sei o que fazer.

Cada movimento sai lento e desajeitado, mas persisto em me amparar devagar de bloco em bloco até que meus dedos alcancem a esfera escura acima da hélice. Estendo o braço em um último e dolorido esforço, apertando a pupila no centro do olho entreaberto com o dedo indicador. O efeito é instantâneo: as pálpebras se fecham completamente, cessando o movimento das hélices. Com uma parte do corpo estirada para cima da parede, perco o equilíbrio, caindo sobre o concreto liso e frio com um estrondo.

Dói.

Os movimentos saem travados, o corpo não obedece aos comandos, não depois do esforço absurdo que fiz para chegar até aqui, inerte como uma boneca de trapos. Mas preciso continuar.

Só mais um pouco...

Não tenho muito tempo para me recompôr. Uma sombra escura desce lentamente sobre mim, uma gigantesca mão roxa e decrépita, sem corpo, tentando me agarrar.

Merda.

Poupo-me de questionar o que é ou de onde veio e arrasto-me o mais rápido possível para o outro lado da sala, o coração acelerado contra os ossos. Deve haver uma saída em algum lugar, tem que haver.

Aperto os olhos. O buraco entre as hélices é espaçoso o bastante para que um ser humano passe.

Não perco tempo e arrasto os braços na direção do espaço. Puxo os antebraços para dentro da brecha entre as duas hélices com um gemido. As pernas ainda estão engatadas entre a antessala e o buraco e, atrás de mim, a mão desce para puxar um de meus pés, mas resisto, impulsionando o corpo para a frente. A força é tanta que sou arremessada para dentro do buraco com um baque surdo, descendo por uma superfície dura e lisa até finalmente parar.

Abro os olhos.

Estou no fim de um lance de escadas.

Olho para cima, além dos degraus, procurando pelo buraco de onde vim, mas já não há mais nada. Abaixo, outro lance de escadas. Todas as paredes exibem meu rosto sujo e arranhado, como clones presos na superfície espelhada. Não importa para onde eu olhe, há apenas espelhos e mais espelhos espalhados pelo lugar, escuro como um breu.

Levo uma mão ao peito.

Já fiz isso antes.

Farei novamente.

Respire.

Respire.

Uma risadinha seca toma conta do lugar.

Vamos, levanta daí!

Com os pés descalços, desço um degrau de cada vez, apoiando o braço contra o corrimão quando a tontura toma meus olhos. Não olhe para os espelhos, repito mentalmente, não olhe para os espelhos.

Pelo canto do olho, noto um vulto vermelho atravessar as paredes como um raio. Viro-me bruscamente, levantando a guarda.

Não há ninguém.

Outra risadinha.

Ignoro o que vejo e ouço como alguma ilusão produzida pelo medo e prossigo descendo pela escadaria, os sentidos em alerta. Risadas e vultos se misturam na escuridão, tornando-se cada vez mais frequentes enquanto desço por um círculo que parece não ter fim. Agarro-me ainda mais às barras do corrimão antes de perder o equilíbrio, a cabeça latejando com violência enquanto as escadas giram frenéticas abaixo dos meus pés, como um carrossel. Olho para baixo, além da proteção do corrimão, e um precipício escuro me encara de volta.

O riso agudo brinca novamente em meus ouvidos, mais forte desta vez.

Devagar, olho para cima.

De volta à estaca zero.

Estive descendo e subindo os mesmos lances o tempo inteiro. A escadaria é uma ilusão, como uma cobra mordendo a própria cauda, um daqueles desenhos de arquitetura bizarra. Os degraus não levam a lugar nenhum, senão de volta ao começo.

Estou presa aqui.

O riso se transforma numa gargalhada medonha. O reflexo do espelho sorri para mim, rindo junto com a voz, e corre.

Uma figura vermelha, semelhante a um fantasma, se materializa na superfície do espelho no fim do primeiro lance de escadas. Outra figura igualmente etérea, de um azul profundo, se materializa na parede oposta.

Corro, tentando alcançá-las, mas elas logo desaparecem, materializando-se novamente em paredes paralelas.

– Você não pega a gente! – berram em uníssono.

Então é assim que vai ser?

As figuras aparecem e desaparecem diante dos meus olhos, tão rápidas quanto a chama de uma vela. Às vezes, elas se escondem novamente por trás do meu reflexo. Atônita, subo e desço os lances em um eterno círculo vicioso, tentando alcançá-las, socando e quebrando as paredes espelhadas quando penso vê-las materializadas ali. Mas é apenas meu rosto, dividido em mil estilhaços.

As coxas queimam debaixo das leggings escuras do uniforme, o peito subindo e descendo com a respiração acelerada.

Droga, o que eu faço agora?

Amparo-me na parede e pondero minhas opções. Não sei por quanto tempo aguento continuar neste jogo de gato e rato, não é esta a resposta. Seria fácil demais.

Não...

Se elas fizeram as regras, a única chance de vencer o jogo é não jogar.

Fecho os olhos e permaneço parada em frente à parede espelhada. As risadas vão e voltam, ora fortes, ora fracas, como se tentassem me provocar, atiçar minha volta à brincadeirinha por elas construída com tanto cuidado. Com o suor escorrendo pela testa e os dentes trincando, permaneço onde estou.

Deixo que os minutos escorram devagar até vencê-las pela exaustão.

O som de suas vozes finas morre, antecedendo o silêncio. Lentamente, conto três respirações até abrir os olhos e encarar meu reflexo pela última vez. Permito-me esboçar um sorrisinho tolo antes de desferir um soco certeiro no paredão. Aos gritos, os vultos se dissolvem com os cacos de espelho quase que imediatamente, deixando uma abertura escura em seu lugar, que atravesso sem perder tempo.

Chega de jogos malucos por hoje, pelo amor de Deus.

Sou arremessada no chão por uma forte luz verde a atingir meus olhos.

– Que droga é essa agora?! – grito – Onde eu tô?!

Tento abrir os olhos e não consigo, nem sequer os sinto em meu rosto. Há apenas verde queimando em todo lugar, como em um gigantesco vácuo onde não há nada senão o abismo.

– Tem alguém aí?!

– Minhas irmãs foram fracas – murmura uma voz tão fina quanto a dos vultos anteriores – Mas eu já a venci.

– Quê?

O espectro continua.

– Prendi sua mente no limbo de sua mente, onde a mente desencaminha a mente, onde a lógica por si se destrói.

– Quem é você?

– Devolvo a pergunta: quem é você?

Flutuo à deriva da luz, sem corpo, sem matéria. Tenho medo do silêncio, que ele me prenda neste lugar para sempre. As lembranças e o controle se dissolvem pouco a pouco.

Não sou ninguém.

– A chave do que não existe existe e vou deixá-la aqui, porque você ainda sente, mas não se lembra – a voz retoma – Não tente não sair daqui. Quem é você?

Quem é você?

Eu? Você? Quem?

É tudo tão abstrato, tão insanamente não concreto, que não consigo respirar. Mas já não há pulmões para filtrar o ar, sequer há ar para se respirar. Apenas o verde, nada senão o verde, como uma dor fantasma, um membro faltando.

Terminações nervosas navegando pelo corpo como braços de mar que culminam em um grande oceano de nada. E, no entanto, a dor ainda existe.

Quem é você?

Pensamentos são flechas voando sem razão. Animais selvagens descontrolados pela floresta de sinapses. Quero sair daqui.

O desespero é uma dor fantasma. Não há lógica no medo do nada, não há lógica no nada.

O que é lógica?

O que é nada?

O que não é nada?

Não preciso ter medo de não sair daqui, afinal. Não preciso ter medo de nada. Não preciso de nada.

Também não faz sentido querer ficar aqui, mas é mais fácil.

Ficar não leva a nada se já estou no nada.

A torrente de pensamentos traz um aviso de meu algoz: não tente não sair daqui. Talvez mais alguma coisa.

A ausência de lógica e medo me fará justiça.

Não tenho medo, mas não preciso ficar aqui.

Vou sair.

Sim, eu vou.

Estou nua de sentido, de sentir, vai ficar tudo bem. Mas ainda preciso da chave.

No fundo do abismo, uma voz sem voz pergunta:

Quem é você?

Quem você é?

E eu respondo, pois devo isso a mim mesma.

Sou.

Sou e nada mais.

Sou uma partícula flutuando sobre a ausência de nada, mas se sou, não posso não ser.

Sou o que digo que sou, e não há quem possa contestar em meio ao nada.

Sou Cecília da Costa e mais ninguém.

Estou perto da verdade que vive em mim, uma gigantesca cachoeira de possibilidades se aproximando mais rápido do que posso acompanhar, mas não faz mal. De repente, há novamente aquele momento de clareza que um dia conheci em cativeiro, aquilo que me permite saber além, voar para longe.

De repente, eu vejo você.

De repente, eu não vejo mais nada senão a saída.

Uma borboleta de origami pousa em meu ombro antes que eu retire a chave mestra de debaixo da língua e a encaixe na fechadura.

***

Adeus, Cecília.

Adeus, Jane.

***

Olá, Jane. Senti saudades. 

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