A Garota que Nunca Existiu

By WitchGianni

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Em um esquecido subúrbio na zona norte do Rio de Janeiro, Alice, uma fã fervorosa da franquia The Legend of Z... More

Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun
Capítulo 2 - Bronzes e Cristais
Capítulo 3 - Respostas
Capítulo 4 - The Wall
Capítulo 5 - Siga o Coelho Branco
Capítulo 6 - Through the Looking Glass
Capítulo 7 - MK Ultra
Capítulo 8 - Controle
Capítulo 9 - She's lost control again
Capítulo 10 - Presa
Capítulo 11 - Predadora
Capítulo 12 - Interrogações
Capítulo 13 - As pessoas mentem o tempo inteiro
Capítulo 14 - Espelhos distantes
Capítulo 15 - Juramento
Capítulo 16 - Conatus
Capítulo 17 - Remoto Controle
Capítulo 18 - Destinos
Capítulo 19 - Dores do crescimento
Capítulo 20 - Na Estrada
Capítulo 21 - Ultimato
Capítulo 22 - Pela luz dos olhos teus
Capítulo 23 - The boy with the thorn in his side (Parte 1)
Capítulo 24 - The boy with the thorn in his side (Parte 2)
Capítulo 25 - Eco
Capítulo 27 - Maya
Capítulo 28 - Véu
Capítulo 29 - Kensho
Capítulo 30 - Existenz
Capítulo 31 - Refúgio
Capítulo 32 - Sublimação
Capítulo 33 - Réplica
Capítulo 34 - Inexorável
Capítulo 35 - Retorno
Capítulo 36 - Cruz de estrada
Capítulo 37 - Prioridades
Capítulo 38 - Autofagia
Comunicado - 29/05/2022
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41

Capítulo 26 - Letargia

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By WitchGianni

– Não vai dormir?

– Você não devia estar aqui – resmungo, fitando uma folha cair devagar.

– Não vai dormir? – repete, como se não me escutasse.

Bufo diante da insistência de Navi.

– Não – confesso – Hoje não dá.

– Mas por que não? – agita-se a fada.

Montamos acampamento em uma seção da floresta a alguns quilômetros do labirinto que nos separa do Templo da Floresta, para minha infinita impaciência. Afastando folhas e mato seco, viro-me de um lado a outro debaixo de meu pano de dormir, em busca de uma posição confortável, de uma distração, ou os dois. Felizmente, uma conversa com Navi tomaria com facilidade uma noite inteira, então decido ceder.

– É complicado de explicar – suspiro, limpando os olhos como se pudesse fazê-los pararem de arder tanto – O Link não te contou que eu tenho uns problemas na cabeça? Ele adorava jogar esse tipo de coisa na minha cara quando estávamos em Kakariko.

– Mais ou menos. Ele acha que você é maluca e que vai virar aquela garota má um dia – ela suaviza o tom – Diz que é só uma questão de tempo até você se descontrolar.

Traço o contorno dos hematomas e cortes em meus braços e tento ignorar o frio em meu peito.

– Ele não tá mentindo – digo, reprimindo um soluço em minha voz – Essas... pessoas dentro da minha cabeça... elas são difíceis de controlar. Preciso tomar um remédio, entende? – mostro-lhe a garrafa vazia de Poção Vermelha – Mas, se eu tomar demais, coisas ruins acontecem.

A fada flutua para dentro de minha mochila, avaliando avidamente as garrafas.

– Que tipo de coisa?

Um suor frio escorre por minhas mãos enquanto falo. É a primeira vez que converso abertamente sobre isso com alguém que não seja Impa.

– Na melhor das hipóteses, fico maluca e viro aquela "garota má", como o Link disse – Observo meu reflexo difuso na superfície do vidro engordurado – Na pior delas, eu morro.

– O quê?

Escondo minhas mãos trêmulas no lençol velho para que Navi não as veja tremer.

– Pois é. Não posso dormir quando uso demais meu poder, aquele que você viu hoje cedo – sussurro – Não dá pra saber o que vai acontecer se eu tentar.

Ajeito a cabeça na mochila que me serve de travesseiro improvisado, ignorando a enxaqueca e esperando uma resposta.

– Navi – falo, por fim, cansada de esperar – Cê confia em mim?

Para minha surpresa, ela responde quase que de imediato:

– Não sei... Link diz algumas coisas com que eu não concordo – confessa – E eu quero confiar, entende? Mas você pode ser bem cruel às vezes.

Contraio as costas, defensiva.

– Já experimentou ter duas pessoas gritando na sua cabeça? – retruco.

Suas luzes murcham devagar.

– Link também não é fácil de lidar e ele já passou por muita coisa. Eu vi. Por isso que tô te dizendo isso. Não gosto quando vocês brigam – responde – E, como eu te disse, quero confiar em você.

A contragosto, abaixo a guarda. Não é todo dia, afinal, que alguém me oferece sua boa vontade com tanta facilidade, ainda mais aqui. Além disso, não é como se eu tivesse outra escolha.

– Tudo bem – respondo, sentindo minhas pálpebras pesarem – Não me deixe dormir.

***

Você nunca sobreviveria aqui se não fosse por mim.

A ironia é que não preciso de você.

Este corpo é meu.

MEU.

***

Flecha apontada em direção ao alvo. Arco esticado. Respire fundo. Não hesite. Solte. Esta é uma cena que já repeti milhares de vezes desde os doze anos.

A diferença é que já não se trata de um círculo vermelho pintado no fundo do ginásio ou qualquer coisinha do gênero, mas sim de uma criatura que vive e respira, do tamanho de um minotauro, se existisse um. Link e Navi chamam-no de Moblin, guardião da entrada do Templo contra invasores. A tarefa é simples: só preciso matá-lo, nem mais, nem menos.

Ou matá-los, no caso, já que esta floresta desembocou em um gigantesco labirinto repleto destas pragas escondidas entre o mato e os muros feito ervas daninhas. Desnecessário dizer que, aos dezesseis anos, não estou exatamente familiarizada com a ideia de matar. Talvez ninguém realmente se imagine fazendo algo assim até o momento em que precisa fazê-lo.

Enquanto engulo em seco, decidida a protelar minha insólita tarefa por mais alguns segundos, Link atinge um daqueles bichos no pescoço desprotegido usando uma garra metálica retrátil semelhante a um arpão – sabe-se lá como a arranjou. Ele já errou o alvo algumas vezes, mas conseguiu se esconder por trás das paredes verdes quase que imediatamente, ou, pelo menos, muito antes que o Moblin sequer percebesse que fora atacado. Tudo sairia perfeitamente se a corrente que liga o arpão ao resto da arma não se estendesse a apenas um metro, impossibilitando Link de atacar a longas distâncias. Uma flecha, no entanto, pode ser lançada de qualquer lugar. Se for envenenada, como no caso das Ofídias, melhor ainda.

Seguindo a lógica, após anos praticando numa quadra de esportes, sem contar o treinamento de Impa, deveria ser fácil para mim manter uma postura equilibrada ou simplesmente manter o controle. Mas não. Meu corpo treme, frio e febril, sobre a pele suada, sem contar a dor de cabeça contínua por conta do esforço da véspera e privação de sono, aumentando quando forço a vista para localizar o alvo. A sensação de enjoo sobe e desce, quente e indesejável, pelo fundo da garganta.

Nunca matei ninguém.

– Moblin à direita se aproximando – sussurra Navi em meu ouvido, alheia ao meu marasmo. A fada serve a nós como uma espécie de alça de mira, pois é pequena e pode voar próxima ao alvo sem ser percebida. Ela estava com Link no início, mas ele logo desapareceu em meio aos muros cobertos de hera, imerso em sua tarefa, deixando claro quem realmente precisava daquela ajuda – Tá vendo a cabeça bem ali? Tá desprotegida.

O animal, que mais se parece com um cachorro gigante, aproxima-se por trás do muro como um guarda imponente, o corpanzil marrom de quase dois metros coberto por uma armadura de ferro que, tragicamente, não lhe protege os braços ou as pernas. Quis o destino que também não usasse elmo, deixando a nuca completamente exposta afora um pequeno capacete redondo de couro cobrindo o topo da cabeça. Armado de uma lança com, no mínimo, o dobro da altura, a criatura marcha de um lado para o outro em linha reta, da parede mais próxima até uma vala aberta perto da parede oposta que, pelo cheiro insuportável que exala, deve estar repleta de cadáveres putrefatos flutuando no fosso. Por um momento, vejo meu corpo afundando inerte na água suja tingida de vermelho, as bolhas subindo à superfície e estourando sem ninguém ver ou se importar.

Respire, respire.

Meu instrutor costumava falar a respeito de alvos móveis de tempos em tempos, sobre tudo ser uma questão de previsibilidade, pressentir a trajetória do objeto antes que ele mesmo a efetuasse. Em um segundo, ele está lá. Em outro, ele não está. Simples assim.

Simples demais, na verdade.

Respire, respire.

Miro em um ponto entre a nuca e a base do crânio, onde termina o pescoço, recuando para onde este ponto estará no próximo milésimo de segundo.

Respire, respire, respire.

– Agora – comanda Navi.

Solto a respiração e atiro.

A flecha atinge uma fenda de musgo entre as pedras do muro, a poucos centímetros da cabeça do Moblin. Estou prestes a soltar um palavrão até que o bicho põe-se a cambalear desorientado, cessando sua marcha para virar-se freneticamente, tentando descobrir de onde a flecha surgiu. Não preciso de um segundo aviso: retiro outra flecha da aljava o mais rápido que posso e atiro novamente. A seta atinge uma artéria grossa, esguichando sangue em um gêiser carmesim, derrubando o Moblin na hora. Desvio antes que o líquido suje meu rosto. Tudo acontece em questão de segundos.

Respire, respire, respire.

Encosto a testa suada na parede verde e suja do muro esculpido, mordendo os lábios com força enquanto as imagens do animal moribundo piscam como flashes diante de meus olhos. A primeira flecha, suja de líquen e musgo, jaz fincada no paredão como resultado de um vergonhoso erro de cálculo, mas não é pior que a segunda, que atravessou o pescoço da criatura, deformando-o em um ângulo estranho. Ainda tento controlar a respiração acelerada quando ouso espiar a poça de sangue circundando o corpo como uma grotesca moldura e encaro seus olhos para sempre abertos e esbugalhados, como se estivessem vivos para encarar de volta quem quer que seja. Levo minhas mãos trêmulas aos lábios e solto o guincho entalado na garganta desde que entrei aqui. 

Não sou Helena.

Não fiz isso.

Não fiz.

Merda.

– Vamos, Cecília – sussurra Navi – Vai ser bem mais fácil se a gente sair logo daqui.

Algumas moscas já voaram do fosso para se amontoar sobre o talho aberto e fedorento. O silêncio dá lugar a um zumbido repetitivo e efervescente.

– Cecília! – As asas da fada se agitam diante de meus olhos vidrados – Tá me ouvindo?!

– Não – sussurro, alienada.

– A gente precisa ir embora! Você sabe que não temos muito tempo!

Certo, ainda há outros. Este foi apenas o primeiro de muitos outros pares de olhos desvairados a me encarar. A primeira de muitas outras poças de sangue quente. O primeiro de muitos outros enxames de moscas.

Isso não pode ser real.

Por favor, que não seja real.

Forço-me a levantar, piscando os olhos com força para reprimir lágrimas desnecessárias, prestes a retirar as flechas usadas. O puxão para arrancar a seta fincada no pescoço do Moblin gera um som molhado e brusco de lâmina rasgando carne e vasos calibrosos pela última vez, de atrito do osso exposto contra o metal, um após o outro, ou os dois ao mesmo tempo. Não sei dizer. Não quero ouvir.

Não sou Helena.

O cheiro de sangue se alastra por aquela seção do labirinto enquanto aperto o passo com ansiedade, seguindo Navi. Pelos uivos e guinchos de agonia à distância, Link não deve estar muito longe, mas preciso engolir o pavor e me apressar se quiser alcançá-lo. Não há muito tempo para pensar, pois logo a fada indica o próximo alvo do outro lado. Agacho-me novamente e permito-me ajustar as luvas de couro úmidas do suor frio de minhas mãos antes de posicionar o arco novamente. Expiro devagar ao pressionar a ponta dos dedos contra a haste e, com um esforço absurdo, consigo manter minha mente limpa por alguns poucos segundos antes de lançar a flecha e perceber que o segredo da coisa toda é fazer o que tiver de fazer e não olhar para trás.

Não sou Helena.

Não que isso torne o processo menos indigesto, porque não torna. Calcular os movimentos dos bichos não parece tão complicado depois de um tempo, com seus trejeitos lentos, arrastados e pesados, mas ainda erro a pontaria quando demoro demais para agir. Lutando contra a náusea e o terror se enovelando na boca do estômago em uma dor pungente, tento manter minha mente na superfície, em um piloto automático que apenas cessará quando o cadáver do último Moblin se desfalecer no chão, tingindo minhas botas de vermelho vivo. Minhas mãos ainda tremem em alguns momentos, quando me esqueço de não sentir e meus olhos ardem, mas não penso. Apenas faço.

Não sou Helena.

Sou esperta o bastante para me lembrar de limpar o resquício de lágrimas e sangue sujo de meu rosto antes de alcançar Link ao fim do labirinto, na metade do caminho de uma escadaria de mármore esbranquiçado coberto de trepadeiras. O suor escorre por suas omoplatas, deixando um rastro de manchas sujas nas costas da túnica atravessada pela bainha da espada. Ele se vira para mim quando me aproximo, mantendo uma expressão cuidadosamente vazia no rosto debaixo dos respingos de um sangue que não é seu.

– Você demorou demais – diz

Mas não me importo. A única coisa que realmente desejo é fugir dali de uma vez.

Um nó se forma em minha barriga quando me lembro que, em algum momento, terei de fechar os olhos e dormir.

Os últimos degraus nos levam em direção a uma extensa clareira ladeada por imponentes muros esculpidos como que em um jardim suspenso. Embora haja vegetação circundando o local, seu centro encontra-se totalmente a céu aberto, permitindo que os raios de sol brilhem em toda a sua glória, sem mais nada que os cubra. Chega até a doer em meus olhos já injetados, de modo que levanto uma das mãos diante do rosto para ver melhor e analisar a clareira. Acima de nós, uma entrada talhada em pedra, coberta de musgo e raízes e, próxima a ela, o comprido tronco de uma velha árvore, reduzida a galhos secos e retorcidos. Bufo de frustração ao perceber que as escadas que levavam à entrada foram destruídas, teremos de utilizar a árvore de alguma forma para acessar o templo. Abaixo, a alguns metros de distância, uma tora com espaço suficiente para três pessoas. Pelo canto do olho, vejo a expressão de Link fraquejar diante da tora, as mãos trêmulas ao lado do corpo, como se não soubesse o que fazer com elas.

Saria...

Uma silhueta diáfana aparece diante de nós, revelando-se devagar em meio às folhas como uma aparição, tão etérea quanto o resto da floresta. Levanto a guarda e ergo o arco em um rápido reflexo, a flecha em riste apontada na direção do intruso, pronta para alvejá-lo.

– Encontramo-nos novamente, afinal – Sua voz é quente e suave. O vulto se volta na direção de meu insólito acompanhante.

– Sua idiota – Link sibila atrás de mim – Abaixe essa droga de flecha!

– Cala a boca – retruco, meus nervos a um fio, fatigada demais para manter a compostura. Desejo que a figura não perceba o tremor de minhas mãos empunhando o arco, embora ela me deixe saber, de alguma maneira inexplicável, que o percebe muito bem. Dispenso estas ideias como algum delírio de minha cabeça e dirijo-me ao vulto em um tom imperativo – Se não tem nada pra esconder, venha para a luz.

Acordes de um instrumento tomam conta da floresta silenciosa. O som torna-se mais forte à medida que o vulto se aproxima de nós, revelando uma jovem figura, semelhante a um ninja. Inicialmente, é difícil distinguir se é feminina ou masculina – faixas esbranquiçadas escondem seu rosto e antebraços quase que completamente, deixando um exíguo espaço para uma fina camada de cabelos loiros espessos e desbotados que lhe recobrem um dos olhos, de um vermelho profundo; uma extensa malha azulada flexível recobre seu corpo magro e esguio e, diante dos discretos contornos definidos do peito e dos braços, vejo que se trata de um rapaz. Meu olhar se atém à insígnia desenhada na faixa clara que lhe adorna o peito – o contorno vermelho de um olho vertendo uma lágrima, o mesmo símbolo presente nas vestimentas de Impa.

Mordo os lábios, lutando para controlar a dúvida e a desconfiança.

Diacho, o que tudo isso significa?

– Quem é você? – rosno.

Calmo e impassível, o jovem dedilha o instrumento, uma delicada lira, de onde a música se origina, aproximando-se de mim como que alheio à flecha que lhe aponto. Os acordes cessam e ele me fita com uma intensidade hipinótica, envolvendo-me em um transe estranho e convidativo. A tensão em meus músculos e o zumbido das dúvidas arrefecem. Quase desejo ceder a este desconhecido e não duvidar de nenhuma de suas palavras, mas insisto em me manter em guarda, determinada a não sucumbir.

Seus dedos tocam a ponta da flecha, abaixando-a sem esforço algum.

– Cê tá de palhaçada comig...

Ele me interrompe com um gesto de suas mãos escuras.

– Receio ainda não termos sido apresentados – Sua voz me envolve em mais um de seus estranhos feitiços – Sou Sheik, sobrevivente dos sheikah.

O aperto em meus dedos diminui enquanto abaixo os braços devagar, indefesa, alheia a tudo ao meu redor que não às estranhas conexões que rapidamente se formam em minha cabeça.

Lembro-me do fatídico dia na casa de Leo, aquele mesmo em que Isabela controlara uma versão estilizada de Impa no videogame; lembro-me da personagem que escolhi para jogar contra Leo quando Isa perdera.

Seu nome era Sheik.

– Fique quieta! Sheik é um aliado – Link resmunga, quebrando o silêncio e virando-se para o estranho rapaz – Embora eu ainda tenha minhas dúvidas.

– Por que não deixa que ele fale de si mesmo, pra variar? – retruco, controlando a voz – Quem exatamente é você?

O jovem sheikah não parece se incomodar com minha rispidez.

– Sou um mero menestrel – responde, dedilhando a lira distraído, o olhar distante – Eu ando por esta terra e vejo coisas, coleto informações. Há uma linha tênue em torno de Hyrule e aqueles que possuem coragem devem escolher um lado – Seu olho escarlate fita-me com intensidade – Aparentemente, estou do lado de vocês.

Engulo em seco.

– Suponho que você não vá nos dizer mais nada além disso, não é? Como da última vez – indaga Link antes que eu possa dizer mais alguma coisa – Você não faz o tipo esclarecedor.

Ouço um ruído vindo do véu do jovem, e quase acredito que se trata de uma risadinha irônica, mas o momento se esvai tão rápido quanto veio. Seu olhar volta-se para o céu mais uma vez.

– O fluxo do tempo é sempre cruel... Sua velocidade parece diferente para cada pessoa, mas ninguém é capaz de mudá-la – murmura enquanto toca a lira, como que relembrando um poema antigo – Algo que jamais muda com o tempo é a memória dos dias mais jovens... Sei que entende o que isto significa, Cecília.

Pergunto sem pensar:

– Como sabe meu nome?

– Como eu disse antes – responde Sheik suavemente – Eu vejo coisas. Sei quem você é, Cecília. Sei o que passou.

Em muitos aspectos, Sheik me lembra demais Impa, talvez por pertencerem à mesma aldeia, mas ainda há muito mais a ser dito a respeito, e eu tenho de encontrar um jeito de descobrir mais. Mas outra mensagem, uma sugestão sutil que não tenho ideia de onde veio, diz-me que aquele simplesmente não é o momento certo.

– Herói do Tempo, afim de voltar até aqui novamente, toque o Minueto da Floresta.

Para minha surpresa, Link obedece a seu comando e retira sua ocarina, replicando os acordes de Sheik. A música, nostálgica e delicada, adentra minha mente sem pedir permissão. Deveria estar irritada por ser invadida com tanta insistência pelas sensações que Sheik me provoca – e em algum lugar, talvez eu realmente esteja –, mas não consigo. Estou cansada demais, frustrada demais. Quero apenas que este momento dure para sempre, quero me esquecer das pilhas de cadáveres que deixei para trás.

Acima de tudo, quero chorar.

Que tipo de criatura é capaz de fazer algo assim?

A música cessa devagar, como que em um sonho.

– Link, suas mãos não estão sujas de sangue inocente. Ao menos, não ainda – sussurra enigmaticamente, apenas alto o suficiente para ouvirmos, enquanto se distancia para além das árvores sem nunca deixar de nos fitar – E Cecília, sua jornada está apenas começando. Seja forte – ele arremessa algo no chão, levantando uma densa cortina de fumaça, mas não sem antes dizer: – Eu os verei novamente.  

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