A Garota que Nunca Existiu

By WitchGianni

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Em um esquecido subúrbio na zona norte do Rio de Janeiro, Alice, uma fã fervorosa da franquia The Legend of Z... More

Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun
Capítulo 2 - Bronzes e Cristais
Capítulo 3 - Respostas
Capítulo 4 - The Wall
Capítulo 5 - Siga o Coelho Branco
Capítulo 6 - Through the Looking Glass
Capítulo 7 - MK Ultra
Capítulo 8 - Controle
Capítulo 9 - She's lost control again
Capítulo 10 - Presa
Capítulo 11 - Predadora
Capítulo 12 - Interrogações
Capítulo 13 - As pessoas mentem o tempo inteiro
Capítulo 14 - Espelhos distantes
Capítulo 15 - Juramento
Capítulo 16 - Conatus
Capítulo 17 - Remoto Controle
Capítulo 18 - Destinos
Capítulo 19 - Dores do crescimento
Capítulo 20 - Na Estrada
Capítulo 21 - Ultimato
Capítulo 23 - The boy with the thorn in his side (Parte 1)
Capítulo 24 - The boy with the thorn in his side (Parte 2)
Capítulo 25 - Eco
Capítulo 26 - Letargia
Capítulo 27 - Maya
Capítulo 28 - Véu
Capítulo 29 - Kensho
Capítulo 30 - Existenz
Capítulo 31 - Refúgio
Capítulo 32 - Sublimação
Capítulo 33 - Réplica
Capítulo 34 - Inexorável
Capítulo 35 - Retorno
Capítulo 36 - Cruz de estrada
Capítulo 37 - Prioridades
Capítulo 38 - Autofagia
Comunicado - 29/05/2022
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41

Capítulo 22 - Pela luz dos olhos teus

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By WitchGianni

 "Sim, mas agora,

Enquanto dura esta hora,

Este luar, estes ramos,

Esta paz em que estamos,

Deixem-me me crer

O que nunca poderei ser."

(Ricardo Reis)

A Vila Kokiri sempre parece estar a anos-luz de distância. Sem distração alguma senão os ruídos vindos da mata, cavalgar pela estrada é como um daqueles sonhos maçantes em que se corre em busca de algo e nunca se chega até ele porque o subconsciente é sádico demais. Repito para mim mesma que não se trata de sonho nenhum, mas posso me perder ali com a mesma facilidade de um pesadelo, se não tomar cuidado. Esta inconstância é uma das coisas que mais me irrita neste lugar, o quão difícil é defini-lo de verdade, mas está longe de ser o pior dos meus problemas.

Lanço um olhar de soslaio para minha insólita companhia, ombros retesados e braços contraídos até as mãos que seguram as rédeas de Epona – é esse o nome? – como se ela fosse escapar de seu controle a qualquer momento, sem nunca baixar a guarda. Levanto o olhar para seu rosto inchado e constato, satisfeita, que a marca dolorida do golpe ainda está lá. A satisfação dura pouco, contudo. Enquanto eu o analiso cuidadosamente, pergunto-me se não fora ingenuidade da minha parte acreditar que Link me deixaria em paz e que todo o meu medo se converteria em desprezo. 

Não posso mais mentir para mim se quiser um mínimo de paz antes de dormir. Sim, ainda tenho medo, tanto medo que já desisti de penetrar em cada uma de suas camadas, que decifrá-las prova ser, minuto após minuto, hora após hora, um esforço inútil. A diferença, talvez, é que este medo divide espaço com a raiva que tenho guardada desde a primeira vez que o vi. Ela aumentou. E pensar que Link ainda será meu parceiro em toda esta loucura que começou quando Impa me salvou de Helena – embora eu, no fundo, saiba que tudo começou há muito mais tempo – é como cutucar com sal uma ferida aberta com um espinho encravado.

Impa um dia dissera que Link tem muito mais medo de mim que eu dele. Se eu não estivesse tão arisca e fosse um pouco mais crédula, talvez pudesse usar isso a meu favor.

Fito-o novamente, não por desconfiança desta vez, voltando meu olhar para o gorro verde que recentemente retornou a usar, mais especificamente para um ponto emitindo uma fraca luz azulada, imperceptível a qualquer desavisado, onde ela costuma se esconder.

Lembro-me, então, do emaranhado confuso de acontecimentos que fora o dia anterior. 

Com os nervos ainda aflorados por conta da discussão cedo naquela manhã, as horas que se seguiram na estrada não foram agradáveis para nenhum de nós. Sem escolha, eu apenas rememorava aquelas poucas palavras ríspidas trocadas e especulava como uma maluca, sempre esperando o pior. Se eu não pensava nisso, então me perdia em indagações a respeito da criaturinha que me seguira antes e dissera todas aquelas coisas estranhas, o que me levava a agarrar com força a tudo aquilo que parecia fazer sentido como, por exemplo, o fato de que Link e aquela coisa, seja lá o que fosse, possuíam uma ligação, e de que ele parecia ser responsável pela esfera. Não conseguia encontrar lá muita lógica nisso, até me lembrar que só de haver uma bola brilhante falante na questão já punha a lógica em xeque por si só.

Frustrada, simplesmente entreguei-me ao marasmo de uma paisagem que quase nunca mudava, a guarda sempre alta por conta das onipresentes patrulhas Gerudo, monitorando os viajantes. Mas afinal, quem desconfiaria de nosso disfarce, dois jovens imigrantes da Cidade Central tentando a sorte em busca de suprimentos no exaurido lago Hylia? Impa me contara a respeito da fama do local, outrora um lago de águas cristalinas rico em peixes, reduzido a uma espécie de aterro a céu aberto que atraía refugiados com falsas promessas de prosperidade, depois que os portões de Kakariko se fechavam diante de seus olhos. Não havia espaço para imigrantes na metrópole, e poucas eram as almas caridosas, como o senhor que Helena enganara, dispostas a ajudar um refugiado. A única rota para o lago era a mesma tomada para se chegar à Vila Kokiri – grande parte das rotas principais e atalhos haviam sido fechados com o início do reinado de Ganondorf.

"Na era dourada de Hyrule", a sheikah um dia dissera, "era possível ir de qualquer lugar a qualquer lugar".

Sei.

Com algumas pequenas pausas para necessidades e almoço, seguimos viagem até o horário do toque de recolher, quando nos escondemos no matagal. Ao ver Link checar nossos mantimentos com uma expressão visivelmente frustrada, percebi que não era muito fã da ideia de que, em algum momento, teríamos de caçar. Pensar naquilo me fez engolir em seco e ralhar comigo mesma para que eu simplesmente parasse com aquela frescura. Eu não estava de férias ali e poderia ser morta a qualquer momento, por qualquer um.

Aquele dia não fora um dos mais agradáveis da minha cabeça, para completar. O desejo quase involuntário de dissociar, de ouvir as vozes latentes em minha cabeça, parecia mais forte do que qualquer coisa no silêncio da estrada, e eu sabia que, ao longo da jornada, a tendência era piorar. Tomei um gole muito maior de Poção Vermelha naquela noite, na esperança de ter um pouco de paz, ao menos no sono – com um gole, a enxaqueca ia embora; com dois, o resto também ia junto, tudo isso para me manter sã. Talvez porque já estivesse sonhando, não havia sonho nenhum; o mato e a terra batida seriam minha eterna viagem que nunca encontraria um fim.

Já devo ter mencionado o quanto o subconsciente é sádico.

E eu teria sucumbido ao sono com todo o prazer, não fosse pelo brilho azulado. Sob o manto da noite, a pequena esfera quase parecia um vaga-lume flutuando relutante em minha direção. Permaneci deitada acima das folhas, mas mantive os olhos abertos, sem saber muito bem o que fazer além disso. Eu sabia que aquela coisa tinha certa curiosidade por mim. Ainda assim, não importava o quão curiosa fosse, aquela criatura ainda sabia mais que eu e, imóvel como estava, tentei encontrar a melhor maneira de abordá-la quando se aproximasse de mim.

Não foi necessário, afinal.

– Oi – sussurrou, diminuindo um pouco sua luz – Meu nome é Navi.

Fitei-a novamente, um tanto quanto surpresa.

– Oi – sussurrei de volta, controlando a fala – O que tá fazendo aqui?

A minúscula criatura aproximou-se um pouco mais de mim.

– Link tá dormindo – respondeu, batendo nervosamente as asinhas – Eu sou a fada dele, sabe? Não gosto de deixá-lo sozinho por muito tempo.

Reprimi um gemido de surpresa, mas não pude me impedir de perguntar:

– Espera um pouco... cê é, tipo... uma fada...? E dele...?– A única coisa que conseguia lembrar quando pensava em fadas era uma imagem muito parecida com Tinker Bell ou Winx. Um pontinho luminoso não exatamente se encaixava naquela definição.

Muito menos que Link fosse acompanhado por um.

– Sim... o que mais eu seria?

Ponderei em silêncio, segurando o espanto, que talvez a chateasse.

– E você está aqui... – E é do Link, adicionei mentalmente, como que pisando em ovos – Por quê?

Demorou um tempo até que a fadinha respondesse, e desta vez tive certeza que também escolhia suas palavras com cuidado.

– Você não é má – sussurrou, por fim.

Engoli em seco.

– Cê acha?

Mas Navi permaneceu irredutível.

– Acho – retrucou secamente, e percebi que não gostava de ser questionada várias vezes a respeito da mesma coisa – Não ligo pro que o Link fala. Cê tá com a gente também, não é?

Respirei fundo, resignada. Não precisava me lembrar disso.

– É... acho que dá pra dizer que eu tô – respondi calmamente. Navi não deveria saber de toda a minha frustração, ou da situação delicada que era tudo aquilo. Mas, afinal, ela mesma dissera que era a "fada do Link", fosse o que diabos fosse, e talvez já soubesse de alguma coisa. Muita coisa, considerando que ela ainda estava ali quando Link e eu brigamos, embora conversasse como se nada tivesse acontecido. Percebi que estava grata por isso, a despeito da necessidade de descarregar a raiva em algum lugar.

– Já que estamos indo pro mesmo lugar, – continuou Navi – por que não me diz o seu nome?

Permaneci em silêncio, relutante em falar mais, sem ignorar a possibilidade de que aquela conversa não permanecesse apenas entre nós duas. Que garantia eu tinha de que Navi dizia a verdade? Talvez eu estivesse paranoica demais, arisca demais, mas não tinha lá muita escolha.

A pequena fada piscava suas luzes de maneira impaciente.

– Já falei meu nome, você sabe – cantarolou em tom de criança pidona – Não é justo que você não me fale o seu!

Suspirei, dividida. Seria realmente preciso duvidar de tudo e de todos? Até mesmo de uma fadinha infantil?

– Cecília – ouvi-me dizer, enquanto uma parte de mim se perguntava se eu não estaria descuidada demais.

– Cecília – repetiu Navi com sua voz de bebê, soltando as sílabas devagar como se logo fosse esquecê-las – Nome engraçado o seu.

A contragosto, soltei uma risada irônica.

– Navi também não é o nome mais comum do mundo, né? – retruquei – Mas talvez o mundo daqui é que seja estranho mesmo.

– De onde você vem? – indagou quase que imediatamente.

A pequena curva da risada em meus lábios se abriu ainda mais em um sorriso de quem sabia exatamente o que dizer. De uma maneira estranhamente engraçada, eu estava no controle da situação.

– Uma coisa de cada vez, menina Navi – repliquei, perguntando-me por um milésimo de segundo se tinha algum problema em chamá-la de menina. Não tinha, tinha? – Já te disse meu nome e, se eu fosse contar todos os detalhes sórdidos, a gente passaria a noite em claro – senti um aperto no peito – Eu não sei você, mas realmente preciso dormir.

Não demoraria muito tempo para que aquela dose extra de Poção Vermelha fizesse efeito, tornando-me vulnerável como uma bêbada caso insistisse em permanecer acordada. Navi decididamente não precisava ver essa parte obscura que eu me esforçava para manter longe do meu próprio alcance, até. Principalmente depois que o clima de repente ficara tão leve.

A fada pareceu murchar um pouco.

– Posso falar contigo amanhã de novo?

– Não sei – respondi, repentinamente seca, mas acrescentei com mais cuidado – Depende do quanto cê tá disposta a dividir comigo.

– Parece justo – murmurou, mais para si que para mim – Uma coisa de cada vez...né?

Assenti, um pouco satisfeita.

– Uma coisa de cada vez – repeti. Mas quando Navi estava prestes a ir embora, sabia que tinha de lhe perguntar mais alguma coisa – Espera... Onde cê fica quando dorme? – perguntei, receosa de que estivesse pedindo demais.

A fada se limitou a soltar um risinho. Nem sequer questionou porque eu queria saber, e foi quando percebi o quanto era inocente.

– Durmo dentro do gorro do Link. Na verdade, passo o dia inteiro lá, mas de vez em quando eu saio – respondeu, como se confidenciasse um segredo – É que flutuar cansa.

Resisti ao impulso de perguntar mais sobre tudo: sobre Link, sua função ali, com o quê exatamente eu estava lidando e expirei devagar. Uma coisa de cada vez.

– Boa noite – sorri timidamente para que Navi soubesse que estava tudo bem, embora a tontura já turvasse meu campo de visão.

– Boa noite – retrucou – Durma bem!

Respirei fundo, abraçando os ombros e ajeitando o corpo devagar para não me mexer demais e sentir tanto enjoo. Fechei os olhos.

Oh, Navi. Espero que saiba o que está dizendo.

O que me traz de volta ao momento presente, os olhos ainda fixos no fraco ponto de luz azul no gorro de Link, e me dou conta, irritada comigo mesma, de que deixei a guarda baixa. Estamos em um túnel formado pelas árvores da área e já não consigo mais vislumbrar a luz do sol por trás das folhas, mas não tenho muito tempo para pensar nisso ou em minha imprudência. Logo vejo o brilho no gorro aumentar subitamente e, antes que eu possa abrir a boca e dizer qualquer coisa, é a voz de Link que se sobressai, sóbria e ressentida:

– Chegamos. 

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