A Garota que Nunca Existiu

By WitchGianni

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Em um esquecido subúrbio na zona norte do Rio de Janeiro, Alice, uma fã fervorosa da franquia The Legend of Z... More

Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun
Capítulo 2 - Bronzes e Cristais
Capítulo 3 - Respostas
Capítulo 4 - The Wall
Capítulo 5 - Siga o Coelho Branco
Capítulo 6 - Through the Looking Glass
Capítulo 7 - MK Ultra
Capítulo 8 - Controle
Capítulo 9 - She's lost control again
Capítulo 10 - Presa
Capítulo 11 - Predadora
Capítulo 12 - Interrogações
Capítulo 13 - As pessoas mentem o tempo inteiro
Capítulo 14 - Espelhos distantes
Capítulo 15 - Juramento
Capítulo 16 - Conatus
Capítulo 18 - Destinos
Capítulo 19 - Dores do crescimento
Capítulo 20 - Na Estrada
Capítulo 21 - Ultimato
Capítulo 22 - Pela luz dos olhos teus
Capítulo 23 - The boy with the thorn in his side (Parte 1)
Capítulo 24 - The boy with the thorn in his side (Parte 2)
Capítulo 25 - Eco
Capítulo 26 - Letargia
Capítulo 27 - Maya
Capítulo 28 - Véu
Capítulo 29 - Kensho
Capítulo 30 - Existenz
Capítulo 31 - Refúgio
Capítulo 32 - Sublimação
Capítulo 33 - Réplica
Capítulo 34 - Inexorável
Capítulo 35 - Retorno
Capítulo 36 - Cruz de estrada
Capítulo 37 - Prioridades
Capítulo 38 - Autofagia
Comunicado - 29/05/2022
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41

Capítulo 17 - Remoto Controle

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By WitchGianni

"Você está bem 

Não há nada de errado 

Autossuficiência, por favor!

E comece a trabalhar"

Björk - Army of Me

As semanas que se seguem não são fáceis. Não há outra forma de encarar o que ainda me espera, não com minha vida na corda bamba a todo momento. Os dias tornam-me arredia, desconfiada, restringindo qualquer perspectiva futura a três objetivos predefinidos: encontrar Alice, voltar para casa e, acima de tudo, permanecer viva.

Nestes dias, tento não pensar muito no que estou fazendo, muito menos no futuro ou nos riscos a minha espreita. Tudo se tornará mais complicado se assim eu o fizer. É a parte mais difícil de todo o processo, tentar esquecer que um dia houvera outra Cecília, alheia a verdades terríveis e grotescas, isolada em dúvidas e questionamentos aparentemente sem resposta. Mas esta Cecília não existe mais.

Dizem que a ignorância é uma bênção. De certa forma, também é uma maldição.

Nos raros momentos de quietude, reflito que não conseguiria fugir, não mais, da realidade dolorosa em que estou agora. Não quando ela me oferece as ferramentas necessárias para que eu descubra a verdade, seja ela qual for.

Meu maior medo agora é não possuir a força necessária para suportá-la.

Não me é permitido demorar muito nesses pensamentos: os treinamentos diários de Impa são eficazes em deixar minha cabeça no lugar a maior parte do tempo. Acordo com o cacarejar das galinhas, seguido de um grunhido de desaprovação de Link, que parece detestá-las tanto quanto eu, e então forço-me a acordar e enfrentar a rotina que tenho pela frente.

Os treinos começam cedo de manhã, com pausa para almoço e descanso, e seguem até o fim da tarde. Nos momentos em que lutamos, Impa testa meus limites à exaustão, não demonstrando nenhum sinal de condescendência para comigo, pelo menos não enquanto estamos na área dos fundos da casa. Há algo de imprevisível em cada um de seus golpes, capaz de desarmar completamente minha teimosia e desestabilizar minhas defesas. Sempre tenho a sensação de que estou tateando no escuro, como uma criança tentando medir forças com um adulto. Amaldiçoo a mim mesma, sobretudo a Helena, cuja única herança minimamente positiva de nada me vale – eu não deveria ser uma assassina tão perfeita quanto ela se dividimos o mesmo corpo?

Mas a resposta a esta pergunta é daquelas que hesito em dizer.

Claro que Impa nota minhas reticências, em uma tarde quente e particularmente maçante.

- Não está usando todo o seu potencial, Cecília – diz, interrompendo a luta – Vou deixar que você mesma me explique o porquê.

Sob seu olhar veemente e inquiridor, solto um daqueles suspiros frustrados que se tornaram ridiculamente frequentes em nossos treinos.

– Não consigo – dou de ombros, embora ciente do tremor de minhas mãos, escondendo-as nas dobras da velha túnica cinza de malha que peguei emprestada – Tem um limite pras habilidades dela que posso usar.

Alguma coisa na expressão da mulher, um misto de cinismo e algo mais que não consigo identificar, demonstra que ela claramente não se convence com minhas desculpas esfarrapadas.

– Talvez. Mas há algo que lhe impede de usar o pouco que já tem, Cecília. Você não está nem tentando – ela me encara, resoluta – O que é?

Uma parte de mim sabe que é benevolente demais de sua parte oferecer o benefício da dúvida, embora para outra parte, mais escondida e profunda, talvez nem mesmo isto seja suficiente para que eu lhe diga a verdade. É inútil: Impa sempre consegue de mim o que quer.

Engulo em seco, devolvendo seu olhar com cautela. 

– Tenho medo... tenho medo que ela volte... e eu não consiga controlar – respiro fundo.

Surpresa, observo o semblante da sheikah suavizar.

– É por isso que você está aqui treinando e não lá fora ainda – responde simplesmente – Não vou lhe dar falsas esperanças: há sim a possibilidade de Helena assumir o controle novamente, mas estamos trabalhando duro todos os dias para evitar que isso aconteça. Agora, se vai mesmo levar a sério estes treinamentos e os remédios, eu repito: tem que confiar em mim. Entendeu?

– Entendi...

– Cecília, estou falando sério. Você prometeu que confiaria.

Ah, não.

– Não estou mentindo, senhora Impa. É que... só tô um pouco assustada, é isso – solto. Não estou acostumada a verbalizar meus pensamentos com tanta frequência e isso me irrita.

– Eu sei, mas você precisa tentar superar isso, ou jamais encontrará Alice – ela responde, sua voz suave sem perder a firmeza – Tenha em mente que há coisas muito piores pela frente e preciso que seja forte para, ao menos, enfrentar o presente.

Bufo de raiva incontida, não necessariamente de Impa, mas antes de mim mesma. Ela tem razão: não estou levando nada disso a sério de fato, apenas me perdendo em um eterno piloto automático. Ela jamais tentou esconder a situação em que me encontro e este é o máximo de bondade que posso esperar obter atualmente. 

– Ok... – retruco, limpando o suor da testa com as costas da mão e apertando os punhos, não mais escondidos nos bolsos, em posição de combate – Vamos lá.

Não é nada fácil transpôr as barreiras que erigi em minha cabeça, não enquanto tento me defender dos ataques rápidos e eficazes de Impa. Eventualmente, contudo, uma pequena descarga de adrenalina esquenta as veias e meus músculos queimam com uma energia nova. Refreando o temor, deixo que os instintos guiem os movimentos. A força desce sobre os membros sem empecilhos e logo sou capaz de defender minha guarda e contra atacar com segurança. Pela expressão surpresa da sheikah, sei que não está facilitando minhas investidas de modo algum. Deixo-me levar em uma dança feroz de movimentos alternados e intercalados, manifestando um potencial do qual jamais suspeitei, da qual só desperto ao perceber olhos frios me observando à distância.

Link.

De repente, já não consigo mais me entregar.

– O que houve, Cecília? – indaga Impa quando travo – Você estava muito bem.

Ele continua a me encarar sem pudor algum, como se tivesse todo o direito de fazê-lo.

Como se eu fosse Helena.

Não sou capaz de encará-lo de volta com a mesma intensidade.

– Nada, tá tudo bem – murmuro, mais para mim do que para Impa – Só não tô muito acostumada com isso.

Ela ergue uma sobrancelha, deixando-me no peito uma sensação desconfortável que só pode significar que novamente não a convenci.

– Pensei que você tivesse se comprometido a levar estes treinos a sério.

Mordo os lábios, esperando, com uma ansiedade quase sufocante, que Link vá logo embora dali. Ele não vai. Sua presença me inquieta mais do que eu sou capaz de admitir em voz alta.

Claro que Impa também sabe disso.

– Eu realmente me comprometi, senhora Impa – respondo, esforçando-me para esconder a todo custo o fraquejar em minha voz – Prometo que aquilo não vai mais acontecer.

Outro sorriso estranho brinca em seus lábios, e não tenho certeza se gosto do que isso significa.

– Veremos – ela olha para trás – Já vimos você, Link. Pode deixar de se esconder e venha até aqui.

O quê?

Sua expressão é indecifrável quando ele se aproxima do centro do pátio, onde estamos.

– O que foi? – sua voz, rouca pelo desuso, não denota qualquer tipo de remorso ou constrangimento.

– Sabe que não deveria estar aqui sem permissão, certo? – Há certa ironia no modo como Impa profere cada palavra que me leva a questionar se está mesmo falando sério – Cecília, desafie-o.

Não, quero gritar, não me obrigue a fazer isso.

Helena lutou com Link. E perdeu.

Não preciso passar por isso também. Mas percebo, engolindo o pânico em seco, que é exatamente este o ponto de Impa no que concerne à seriedade com que tenho levado tudo isso. Não tenho escolha nenhuma, ao menos não neste mundo. Escolher é um luxo do qual abri mão no momento em que apertei o botão Start e cheguei até aqui. Não posso fugir agora.

Respiro fundo, um hábito cada vez mais frequente a essa altura, e ergo os punhos novamente, em guarda.

– Sem espada, sem escudo – diz Impa, calma e impávida.

– Tudo bem – Link retruca, impando os lábios com a costa da mão e erguendo os punhos em resposta – Que seja.

Procuro em mim mesma a ferocidade de poucos minutos atrás e encaro-o, resoluta, segurando o olhar cru e enojado que ele me devolve, sabendo que esta é, de longe, a parte mais fácil.

– Já – sinaliza Impa.

Link avança sobre mim, como se pressentisse que não tenho a presença de espírito de fazê-lo. Grito internamente, tentando, em vão, invocar quaisquer forças que tenham vindo em meu auxílio na luta anterior, fracassando miseravelmente. O máximo que sou capaz de fazer é me defender de seus ataques, mas até quando? Sei que não poderei manter minha guarda alta por muito tempo. Link também sabe disso, forçando ainda mais meus limites, como fizera com Helena. Mas não sou Helena, muito menos possuo sua sagacidade, e logo sucumbo mais cedo do que deveria. Mas nem isso basta para convencê-lo do contrário.

– Isso é ridículo – sibila – Vi o que é capaz de fazer. Pode até ser que engane a Impa, mas não a mim.

Meu rosto se esquenta de raiva.

– Me deixa em paz! – vocifero irritada. A voz morre em minha garganta como um soluço infantil, quase uma súplica tola.

Levanto-me, esperando a torrente de pensamentos autodepreciativos e antecipando um possível e doloroso olhar de reprovação de Impa.

– Pode ir, Link. E nem pense em pôr os pés aqui novamente sem minha ordem – sibila.

Ouço o som de seus passos indo embora e quase exclamo de alívio, mas sou esperta o suficiente para saber que alívios duram pouco tempo com Impa.

– Cecília, olhe para mim – ela diz, recordando-me da primeira noite, aquela em que quase morri.

Abro os olhos devagar e viro-me em sua direção, esperando o pior. Tudo o que vejo, contudo, é um semblante cansado.

– Espero que tenha entendido o porquê de tudo isso.

Assinto.

– Sim, senhora Impa.

– Então, por que não atacou Link? – algo no modo como indaga deixa claro que não aceitará qualquer "não sei" que eu lhe ofereça como resposta. Não mais.

Novamente, ela quer que eu diga o indizível.

– Quando ele me encarou daquela forma... – começo sem jeito, tateando nas palavras até encontrar uma que me ofereça segurança – ... eu... não consegui fazer mais nada. Link olhou pra mim como se eu fosse um... uma aberração. Como se eu fosse ela.

A sheikah permanece calada, um incentivo para que eu prossiga.

– Eu não fiz mais nada... – hesito – Só consegui sentir vergonha de mim.

É Impa que assente desta vez.

– Ele não sabe quase nada a seu respeito e não tem o direito de julgá-la. Você deveria saber disso a essa altura.

Aperto os nós dos dedos.

– Por que preciso ir com ele nessa droga de missão, então? Por que não posso tentar sozinha? – resmungo, arrependendo-me imediatamente. Esta não é uma pergunta justa.

Ela suspira, colocando uma mão sobre a minha.

– Porque não escolhemos se o caminho que trilhamos divergirá com o de outros – responde – E porque ele logo será o menor de seus problemas e você não será capaz de enfrentá-los se não superar este primeiro.

Aos poucos, encontro coragem para finalmente dizer.

– Link me assusta – minha voz é quase um sussurro, as mãos trêmulas.

Diante disso, Impa apenas suspira.

– Garanto que ele tem muito mais medo de você que você dele – responde calmamente – Sabe de sua história, certo?

– Mais ou menos – admito – Sei aquilo que as Twinrova contaram a Helena e o que Alice costumava dizer.

Ela junta os dedos e ajeita a coluna.

– As bruxas devem ter lhe contado que Link permaneceu em coma durante sete anos no Templo do Tempo.

Assinto, hesitante.

– Grosso modo, sua verdadeira idade ainda é aquela anterior ao coma – ela faz uma pequena pausa – Uns dez anos, creio.

Embora de certa forma já o soubesse, surpreendo-me um pouco ao ouvir, tentando conciliar a informação com a imagem nem um pouco agradável que formei de Link a essa altura.

– Claro que eu estaria a ignorar outros fatores se apenas levasse o coma em consideração. A verdade é que Link teve de amadurecer muito mais rápido do que deveria, em função das circunstâncias atuais e de seu dever como Herói do Tempo – diz – Acordar após sete anos, sem a mínima ideia de como proceder, caçado pelas patrulhas Gerudo por todo o reino e ainda tendo uma importante missão a cumprir não é o sonho de nenhum rapaz de dezessete anos, vividos ou não, se me permite dizer.

Pondero a respeito, tentando encontrar justificativas e explicações para o modo como ele tem me tratado este tempo inteiro, mas a verdade é que não as encontro em lugar algum. É completamente estúpido de sua parte me hostilizar quando sofreu tanto quanto eu.

Talvez, penso, sucumbindo, por um instante, à minha parte mais cruel, ele realmente mereça o que está sofrendo, afinal.

– Naquele dia em que eu estava de cama, ouvi você dizer algo sobre Link também estar procurando alguém – Não estou alheia aos longos períodos de alívio em que não o vejo pela casa - Quem?

Como pode ser tão cega?, pergunta uma voz em minha cabeça.

O olhar de Impa em resposta é enigmático, como se eu esbarrasse em um ponto sensível e restrito à minha intromissão. Sua resposta, contudo, é seca e direta:

– A princesa Zelda, é claro. Link tem procurado por ela desde que acordou.

– E como você permite que ele arrisque a vida e essa pretensa missão de salvar o reino saindo por aí?

– Simples – responde e não posso deixar de notar certa reserva em sua expressão – Ele precisa de motivação para lutar. Zelda desapareceu há sete anos e é uma das poucas razões, senão a única, pelas quais Link aceitou se submeter a exigências tão arbitrárias.

Observo-a, circunspecta.

– Você era guarda-costas dela – Não é uma pergunta – Sabe onde ela está, não sabe?

Silêncio.

– Sei – é tudo o que responde, colocando um ponto final em qualquer questionamento que eu ainda possua – Ela está bem, e é melhor que Link não saiba de mais nada além disso.

Engulo minhas dúvidas e procuro uma abordagem mais segura.

– Então o cara é realmente capaz de amar alguém, não é? – resmungo.

Impa dá de ombros.

– Link gosta de Zelda desde bem antes do coma, mas imagino que esse sentimento tenha se intensificado depois – ela olha para longe e sinto uma certa aura de melancolia que não sei bem como descrever – Ele sente falta do passado.

Levanto o rosto na mesma direção e observo o sol se pôr, escondido por entre nuvens de um azul cinzento. Não há uma explosão esplendorosa de cores, mas antes um crepúsculo tímido e merencório anunciando a aproximação da noite e, com ela, sensações desconfortáveis.

O céu de Hyrule não é tão diferente do céu suburbano do Rio. Talvez todos os céus sejam iguais, afinal. Perdida em pensamentos, percebo que é a primeira vez que vejo um pôr do sol desde que cheguei aqui. 

– Você também sente falta do passado – sussurra Impa – Não devia tentar negá-lo a todo custo, menina. Vai lhe fazer mal.

De repente, o momento desaparece. No lugar, apenas náusea, como um lembrete diário e pernicioso de que minha vida aqui é tão frágil quanto um castelo de cartas. Felizmente não passa disso, embora eu saiba que uma ameaça velada se esconda em cada mal estar, em cada anoitecer.

– Droga – grunho, antecipando uma longa e desconfortável noite de sono sem sonhos precedendo o efeito dos remédios – Começou de novo.

– Vamos, então – ela responde, e sua voz permanece um sussurro, como se ainda estivéssemos a contemplar o pôr do sol.

Sigo-a até meu quarto, fraca, cansada e talvez mais confusa que antes, mas demoro meu olhar no céu, desta vez. Não diminui em nada minha dor física, e traz a baila uma dúvida que pensei ter ignorado há tempos.

Será que um dia serei capaz de lembrar do passado sem sentir dor?

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