A Garota que Nunca Existiu

By WitchGianni

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Em um esquecido subúrbio na zona norte do Rio de Janeiro, Alice, uma fã fervorosa da franquia The Legend of Z... More

Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun
Capítulo 2 - Bronzes e Cristais
Capítulo 3 - Respostas
Capítulo 4 - The Wall
Capítulo 5 - Siga o Coelho Branco
Capítulo 6 - Through the Looking Glass
Capítulo 7 - MK Ultra
Capítulo 9 - She's lost control again
Capítulo 10 - Presa
Capítulo 11 - Predadora
Capítulo 12 - Interrogações
Capítulo 13 - As pessoas mentem o tempo inteiro
Capítulo 14 - Espelhos distantes
Capítulo 15 - Juramento
Capítulo 16 - Conatus
Capítulo 17 - Remoto Controle
Capítulo 18 - Destinos
Capítulo 19 - Dores do crescimento
Capítulo 20 - Na Estrada
Capítulo 21 - Ultimato
Capítulo 22 - Pela luz dos olhos teus
Capítulo 23 - The boy with the thorn in his side (Parte 1)
Capítulo 24 - The boy with the thorn in his side (Parte 2)
Capítulo 25 - Eco
Capítulo 26 - Letargia
Capítulo 27 - Maya
Capítulo 28 - Véu
Capítulo 29 - Kensho
Capítulo 30 - Existenz
Capítulo 31 - Refúgio
Capítulo 32 - Sublimação
Capítulo 33 - Réplica
Capítulo 34 - Inexorável
Capítulo 35 - Retorno
Capítulo 36 - Cruz de estrada
Capítulo 37 - Prioridades
Capítulo 38 - Autofagia
Comunicado - 29/05/2022
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41

Capítulo 8 - Controle

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By WitchGianni

"Eu serei a calma
Eu ficarei quieta
Despojada até o osso
Eu espero"

Of Monsters and Men - Thousand Eyes

Duas semanas depois

Acordo com uma forte dor nas têmporas. Não estou em nenhum daqueles sonhos confusos desta vez. A lucidez retorna aos poucos, para o claustrofóbico cômodo com aspecto de masmorra, de paredes barrentas e aparência grosseira em que me acostumei a viver. Deitada sob um pedaço de pano encardido que me serve como cama, minhas costas doem debaixo do chão duro de terra batida. Não há mais nada além de uma latrina no canto da câmara.

Sei que não estou mais no Kansas.

Minha última lembrança sã é um despertar turbulento em meio ao campo abandonado, a chuva densa e fria a congelar meus ossos, a sensação de estar prestes a morrer nas mãos das mulheres que me perseguiram e me trouxeram aqui.

"Bem-vinda a Hyrule, princesa"

Estremeço. Ser resgatada da chuva iniciou uma série de acontecimentos bizarros e incompreensíveis. Fragmentos de memória voltam a mim desconexos, bizarros, acentuados em sua loucura: mais mulheres de cabelos ruivos (que mais tarde eu descobriria pertencerem a uma raça chamada Gerudo) apareciam, obrigando-me a engolir uma bebida de gosto acre. Resistir provava-se infrutífero dia após dia. Quando o líquido queimava pela garganta, eu me perdia completamente em algum lugar desconhecido da consciência.

Acima de tudo, sabia que perdia a mim mesma no processo.

E, assim, as visões começavam.

Espelhos, monstros, raízes puxando-me para debaixo da terra assombravam meus pensamentos. Clones de sangue, espaços vazios, falta de ar. Experiências de quase-morte. Descargas elétricas dolorosas irradiando por todo o corpo. As ilusões abstratas eram sempre as piores, contudo – sensações despidas de imagem, nuas, puras em sua forma mais genuína. O medo opressivo, o desespero pulsante, sufocante, asfixiante, conduzindo-me lentamente a um estado de profunda agonia, a mente entorpecida sem saber para onde fugir, senão para dentro de si – ou seria para fora?

A resignação crescia em mim silenciosamente junto à inércia que pouco a pouco tomava conta de meu espírito fraco, cansado de teimar. Duas vozes esganiçadas sussurravam em meu ouvido: "Não resista".

Eu não resistia.

Eu não queria resistir.

Eu não devia resistir.

Eu viveria neste redemoinho colérico para sempre.

Mas não.

Em algum momento em meio ao desespero, eu via. Sentia minha mente se expandir diante de um caminho secreto a que ninguém jamais teria acesso, uma saída de emergência na forma de um fio de cabelo, um vislumbre roubado, ou a luz refletida de um espelho. Por um momento, tudo o que eu precisava fazer ou dizer para fugir brilhava sem pudor diante de meus olhos, onde quer que estivessem. Só precisava seguir o rastro dele, onde ela também estaria.

Brilhantes borboletas flutuando sob a superfície esquecida de um velho espelho.

Mas quem?

Onde?

A lembrança se dissolvia no momento fatal.

As ilusões loucas desapareciam junto, um sonho lúcido em que se sabe exatamente como parar. Por alguns instantes, eu estava no controle. Minha mente era minha novamente. E esta liberdade era sempre precedida por uma dor pungente nas têmporas, como agora.

Desfruto de minha parca trégua enquanto ainda posso, até que aquelas mulheres Gerudo de tez escura e cabelos escarlates irrompam pela porta e me obriguem a perder o controle. Mas, repito para mim mesma, está tudo bem agora. Tudo bem.

E pensar que toda esta desgraça começou comigo apertando um estúpido botão START no controle de um velho videogame. Talvez tudo isso seja apenas um delírio doentio, uma brincadeira de mal gosto. Ainda assim, a dor é real e fugaz e já não ouso subestima-la: passei por experiências cruéis o bastante neste lugar para entender que há uma linha tênue entre o sonho e a realidade.

Lágrimas escorrem e sujam os trapos que cobrem o chão. Estou presa aqui, estou presa aqui, estou presa aqui. Não faço ideia do porquê, tampouco sei o que está acontecendo, e não parece haver outra alternativa senão afundar no mais profundo desespero diante do futuro imprevisível e assustador que estas paredes, ou o que há de trás dela, reservam a mim. Aperto os dedos em volta dos braços com tanta força que sinto minhas unhas cravarem na pele. Preciso ir embora daqui, deste jogo bizarro, deste lugar inóspito.

Preciso encontrar Alice.

Alice.

Ela está aqui, afinal. O que sentiu ao se deparar com a paisagem, com o céu vermelho, com a chuva causticante? Teria ela se desiludido ao perceber que seu jogo favorito não passava de uma terra desolada? Teria esperado por isso o tempo inteiro, de qualquer forma? O que poderia ter passado? Quem a teria encontrado? Tento imaginá-la sofrendo tudo o que sofro agora: as torturas, os lapsos de memória, os delírios de realidade, e deixo que as lágrimas caiam sem nenhum filtro.

Alice.

O que aconteceu com você?

O que fizeram com você?

Recordo-me de suas mensagens sem nexo em meu celular. Não há lógica em seus atos, que só suscitam novas perguntas: como ela conseguiu enviá-las? Como ela sabia que Thalia e eu estávamos na loja? Mais importante: por que ela enviou estas mensagens?

A dor nas têmporas se intensifica. Perdida em meio a perguntas sem respostas, ao medo do futuro e das perspectivas atuais, o desespero sobe e desce em mim. Respire, Cecília, respire. Tenho de pensar com calma, criar um plano, nem que isso signifique minha permanência aqui pelo tempo que for necessário. Não conheço absolutamente nada do mundo lá fora, afinal. Um passo em falso e estarei morta.

Marco mais um traço na parede e risco os outros sete anteriores. São duas semanas questionando meus instintos e minha sanidade. Ou pelo menos tentando, com as sobras que me são jogadas por uma passagem aberta de tempos em tempos na parede. Não me ocorreu que fugir seria uma opção a curto prazo, considerando as circunstâncias – tive tempo para observar cada pretenso alçapão ou passagem, sem sucesso. Se todos os prisioneiros como eu têm tempo o suficiente para analisar o ambiente em que estão, é de se esperar que fugir não seja assim tão fácil, ou sequer seja uma possibilidade.

O ranger das dobradiças da velha e pesada porta se destrancando retira-me dos devaneios. Sabendo o que me espera, faço menção de me esconder em algum canto da cela, qualquer canto, embora saiba que não posso fugir. Não delas.

Minhas algozes, as velhas bruxas gêmeas chamadas Kotake e Koume, adentram a masmorra, acompanhadas de um grupo de quatro esbeltas guerreiras Gerudo, como de hábito. Não houve um único dia em que não me visitassem. Continuo sem entender seus motivos, o que querem comigo, ou com qualquer um daqui. 

Recuo o quanto posso assim que elas se aproximam, esperando o pior. Apesar de tudo, as mulheres Gerudo não tentam me segurar, tampouco me obrigar a tomar aquela bebida estranha novamente. Há algo diferente por trás daquela visita.

A bruxa de cabelos semelhantes a cristais de gelo, Kotake, aproxima-se de mim.

– De pé, criança – ela diz – Temos uma coisa importante para lhe dizer, não é mesmo, Koume?

– Sim, Kotake! – Koume, a bruxa de cabelos repletos de chamas, solta uma risadinha maldosa, um som que costumo associar à presença delas – Você, minha jovem, – ela ergue uma mão ossuda até meu rosto – sobreviveu até aqui por uma boa razão.

– Cecília, querida, você passou no teste – Kotake sorri.

Quero perguntar como sabem meu nome, que recusei veementemente a dizer em todo o tempo em que estive aqui, ou o que significa "passar no teste", mas fico calada – perguntas podem me custar caro.

– Quieta, menina! – exclama Koume – Do jeito que você pensa alto, até Ganondorf pode ouvir seus pensamentos do outro lado do reino!

Ganondorf, o vilão do jogo. As coisas começam a fazer sentido.

– O que querem de mim? – sibilo, a voz rouca e fraca, minha primeira tentativa de fala em dias.

Uma das jovens Gerudo bate com o punho da espada em minha nuca.

– Será que ainda não aprendeu, menina desobediente? – exclama a velha dos cristais de gelo – Só fale conosco quando chamada.

– Não é o que queremos com você, Cecília – responde Koume – É o que temos a lhe oferecer. Ah, garota, não faça essa cara de dúvida. No fundo, sabe do que estamos falando. Nós temos o que você mais quer.

Não me admira que meus pensamentos sejam ouvidos do outro lado do reino – minha mente está à mil, cheia de ideias e possibilidades, quase nenhuma boa.

Temo saber o que elas querem dizer, afinal.

– Sim – murmura Kotake – Nós sabemos o que é feito dessa sua amiguinha, Alice.

Sou um turbilhão de emoções contraditórias: esperança, suspeita, dúvida, medo, dor, ódio. Tento refreá-las o quanto posso, mais rápido do que me permito senti-las, e ouvir os termos das feiticeiras até o final.

– Claro que não vamos dar o doce de graça, não é, Koume?

– Não mesmo, Kotake – a velha de cabelos flamejantes ri novamente – Você não esteve aqui a toa, não, moleca. Queremos que faça um trabalhinho para nós, o que acha?

Silêncio. Tento absorver tudo o que acabei de ouvir. Estou totalmente desorientada e preciso pensar rápido.

– Vamos, responda! – berra Kotake.

Mais um longo silêncio se desdobra até que eu finalmente decida responder.

– Só digam o que eu tenho que fazer – respondo, por fim.

Sim, convenço a mim mesma, Alice teria feito o mesmo por mim.

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