A Garota que Nunca Existiu

By WitchGianni

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Em um esquecido subúrbio na zona norte do Rio de Janeiro, Alice, uma fã fervorosa da franquia The Legend of Z... More

Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun
Capítulo 2 - Bronzes e Cristais
Capítulo 3 - Respostas
Capítulo 4 - The Wall
Capítulo 5 - Siga o Coelho Branco
Capítulo 6 - Through the Looking Glass
Capítulo 8 - Controle
Capítulo 9 - She's lost control again
Capítulo 10 - Presa
Capítulo 11 - Predadora
Capítulo 12 - Interrogações
Capítulo 13 - As pessoas mentem o tempo inteiro
Capítulo 14 - Espelhos distantes
Capítulo 15 - Juramento
Capítulo 16 - Conatus
Capítulo 17 - Remoto Controle
Capítulo 18 - Destinos
Capítulo 19 - Dores do crescimento
Capítulo 20 - Na Estrada
Capítulo 21 - Ultimato
Capítulo 22 - Pela luz dos olhos teus
Capítulo 23 - The boy with the thorn in his side (Parte 1)
Capítulo 24 - The boy with the thorn in his side (Parte 2)
Capítulo 25 - Eco
Capítulo 26 - Letargia
Capítulo 27 - Maya
Capítulo 28 - Véu
Capítulo 29 - Kensho
Capítulo 30 - Existenz
Capítulo 31 - Refúgio
Capítulo 32 - Sublimação
Capítulo 33 - Réplica
Capítulo 34 - Inexorável
Capítulo 35 - Retorno
Capítulo 36 - Cruz de estrada
Capítulo 37 - Prioridades
Capítulo 38 - Autofagia
Comunicado - 29/05/2022
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41

Capítulo 7 - MK Ultra

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By WitchGianni

"Você não tem mais controle sobre seu corpo
Esses direitos não são mais seus
Você vai acordar quando dissermos pra acordar
Você vai dormir quando apagarmos as luzes
Aprecie sua estada
Porque você não pode ir embora"

Emilie Autumn - Take the pill

Estou em uma daquelas vigílias em que tudo e nada é real, em que tudo faz sentido quando não deveria fazer. Pelo menos desta vez, fico feliz em não possuir um corpo. Corpo sólido, maciço. A parede de alvenaria brilha em tons de verde e dourado enquanto escuto gritos masculinos vindos do lado de fora. É como se eu estivesse em dois lugares ao mesmo tempo.

Por que estou com medo?

Minha garganta dói, como se algo tivesse atravessado meu pescoço e corroído toda a matéria viva. A carne decomposta se arrasta dentro de mim como um verme pernicioso. A necessidade de cuspi-lo para longe me assombra, mas sei que não posso: mulheres de cabelos vermelhos ardentes disseram-me para manter a boca fechada. Do contrário, morrerei.

Já não sei o que é mais agonizante: o desejo de eliminar a pele morta ou o medo de morrer junto com ela. Cerro os lábios, cada vez mais perturbada pela ideia de que meu corpo (ou a ausência dele) traia minha vontade.

Estou em uma cela, uma cela grande, uma cela pequena que treme, convulsiona, sofre espasmos. Abre e fecha. Eu sou o espasmo. Eu sou a pústula no meio do nada. A cela tremula em meus olhos. Estou tonta, que vou cair para longe, como uma folha tragada pelo vento. Em preto e roxo. Em azul e rosa.

Em vermelho.

Vermelho sangue.

Os gritos continuam, ecos inconscientes em meio ao umbral. A porta está aberta, uma boca obscura dando para o corredor escuro e é ela quem grita e agoniza enquanto mastiga suas vítimas e bebe-lhes o sangue. Mas ela chora, chora insatisfeita, insaciável.

Ela quer a mim.

A boca vomita duas figuras diminutas. Baratas? Pedras? Estou tonta, tonta demais, tão tonta que as figuras voam ao meu redor, como em um carrossel macabro. E não! Já disse que não posso abrir a boca!

Tento concentrar-me em suas figuras, que embaçam meus olhos no momento em que as focalizo, como uma baixa impressão periférica.

Elas existem?

Logo vejo que são velhas, seus narizes aduncos curvando-se no centro dos rostos deformados, lembrando o bico de pássaros, de aves de rapina. Seus olhos esbugalhados inspiram-me um terror louco, encontrado apenas em bonecas maltrapilhas e parques de diversão antigos. Ambas possuem pântanos lodosos em vez de pele - carne verde e viscosa escorrendo como que derretida, tendo apenas robes pretos como vestes. A única coisa que as diferencia são suas vastas cabeleiras arrepiadas - uma clara e cristalina como gelo, outra inflamável e viva como fogo.

Seus olhos gigantes são capazes de engolir meu corpo inteiro, que agora estica e puxa, fora de controle. Elas riem, seus olhos riem junto, crescendo, crescendo, crescendo, bolas cintilantes e gigantescas a esmagar-me os ossos com um mero olhar. Tento gritar, mas a pele decomposta dentro de mim chegou à língua, selando meus lábios com pus e fel.

Elas riem.

Elas riem.

– Que coisinha mais interessante, Kotake! – exclama uma das velhas, que continua a girar sem parar.

– De fato, Koume! – respondeu a outra – Ela é diferente de qualquer outra criaturinha daqui.

– Vamos nos divertir muito hoje, não é mesmo, Kotake?

– Claro que sim, Koume!

Suas vozes são o silvo dissonante do vento, as palavras perdendo-se numa cacofonia ensurdecedora que perfura meus ouvidos e os faz sangrar. Tento recolher meus braços para tapar minhas orelhas com as mãos, mas onde estão meus braços?

Pelo amor de Deus, onde eles estão?

Tudo treme. Tudo pulsa. Meus olhos doem.

Cadê meus braços?

Cadê meu corpo?

CADÊ?!

Sou tomada pela agonia quando percebo minha cabeça pairando no meio do vento.

Eu tenho cabeça?

Então grito.

– Você não deveria ter feito isso – dois ecos gritam em meus ouvidos enquanto eu vomito o verme da carne decomposta, verme que se divide em baratas, milhares de baratas negras, que cobrem tudo: o teto, o chão, as velhas, meu rosto, minha boca, minha visão.

Tudo escurece.

***

Há vários espelhos aqui.

Às vezes, tropeço em um, atravesso outro, dou adeus a Leo depois de um dia sentada na calçada esperando o sol morrer, mas só estou aqui porque preciso achar Alice, que disse querer se esconder atrás das próprias pupilas. Retruquei que era perigoso.

Aqui, eu tenho várias Cecílias. Umas dizem "oi", outras falam francês, mas nunca para mim e já tentei de tudo. Passeio pelos espelhos procurando. O quê? Não sei, mas talvez eu saiba mais tarde.

Corra.

Tudo atrás de mim se desintegra, caindo em um profundo breu. Assustada, corro para longe dali, mas a escuridão continua em meu encalço. Corro, corro até minhas pernas queimarem de exaustão, mas nada mais importa: a escuridão continua engolindo tudo, como se nada do que estivera ali tivesse existido. Continuo a correr junto aos minutos, que passam ligeiros – o pânico não se dissipa.

Esbarro em um espelho bloqueando o caminho. O negrume se aproxima de mim rapidamente, e é quando sei que serei engolida, que morrerei.

– Quebre o espelho! – grita uma voz esganiçada.

– O quê?

– Rápido!

Olho para trás, para o nada. Não há tempo de questionar a voz. A hesitação dá lugar a uma certeza movida a desespero quando cerro meus punhos e acerto o vidro do espelho, tentando a todo custo me cobrir dos estilhaços que caem sobre mim. A luz vinda do buraco deixado por meus punhos queima em meus olhos, mas não faz mal: corro instintivamente até ele e sou engolfada em feixes luminosos.

Abro os olhos e encontro apenas um cômodo branco, vazio, percebendo, com um misto de desconfiança e desespero,  que a entrada por onde passei desapareceu. Há apenas quatro paredes cinza e mais nada, de tal forma que olho para todos os lados e apenas o concreto frio me encara de volta. Fito minhas mãos ensanguentadas, salpicadas de cacos de vidro e tento arrancá-los de minha pele, mas o sangramento aumenta.

Uma gota de sangue suja o chão imaculado, que observo tingir-se de vermelho vivo devagar, sem pressa alguma; vermelho que sobe pelas paredes e tinge o teto, como o céu rubro do campo desconhecido. Minhas mãos doem.

Corpos disformes saem das paredes; líquidos, rubros, feitos de sangue fresco. Sinto cheiro de ferrugem e sal. Sinto cheiro de coisas mortas. Sinto cheiro de mim.

As figuras se materializam em ossos, carne e pele, corpos nus a criar forma e rosto.

Meu rosto.

O que vejo são dezenas de Cecílias feitas de expressões vazias, corpos sem alma, sem espírito. De alguma forma, sei que todas elas habitaram os espelhos pelos quais circundei. Já não possuem morada. Já não possuem espelho. Elas andam em minha direção, murmurando frases desconexas, os olhos mortos revirando-se ao acaso.

Levanto-me devagar, arrastando-me até o canto do cômodo, atraindo os corpos até mim, ansiando por um pedaço da minha pele, um chumaço de meu cabelo, sedentos de mim. Mãos frias e inumanas agarram cada extensão do meu corpo, arranhando-me, tingindo-me com meu próprio sangue. O terror se mistura ao asco e à dor e já não consigo enxergar – as mãos cobrem meu rosto com força. Quero gritar, mas a voz foge para longe quando forço a garganta, respirando com dificuldade.

Grito, por fim.

Grito tão forte que é como se minhas cordas vocais se desprendessem da garganta; talvez até estejam, mas não paro, nada no mundo me faria parar, não até que todos estes corpos saiam de cima de mim.

As figuras derretem, retornando à massa disforme de sangue que as originou. Vou seguindo o trajeto do líquido com os olhos – o vermelho se esvai da parede, dando lugar ao cinza original, arrastando-se pelo chão em minha direção, subindo pelo meu corpo, escoando pelos cortes e arranhões, e tudo o que posso fazer é observar, imóvel, até que a última gota entre.

Tão cedo o processo termina, desintegro-me em dezenas de pedaços, como os estilhaços do vidro que quebrei. É como se meu cérebro quebrasse em milhares de compartimentos – nenhum deles pertence a mim. Como se eu quebrasse.

Cada pedaço é uma pessoa diferente.

Cada pedaço é uma alma diferente.

Cada pedaço se metamorfoseia em borboletas alaranjadas.

Borboletas monarca voando sem direção para todos os lados, desencontradas.

Quem é você?

Eu?

Eu não existo.

Somos.

Somos e nada mais.

Somos muitas.

Somos poucas.

Somos um corpo só.

Somos almas presas em uma.

Quem são vocês?

Somos Cecília da Costa.

Não somos Cecília da Costa.

Queremos ficar aqui para sempre.

***

Quando eu era pequena, meu pai costumava levar a mim e a meu irmão ao Jardim Zoológico. Enquanto Edgar se distraía com as onças-pintadas e as capivaras, eu escapava para o borboletário. Gostava de admirar a todas, mas uma espécie, em especial, chamava a atenção: uma que possuía uma cor laranja, quase amarela, embrenhada entre os contornos negros de suas asas. Quando eu as observava voar, não via o tempo passar.

Então meu pai aparecia atrás de mim, pegando-me de surpresa. Ele nunca se esquecia de mim, mesmo com Edgar correndo para lá e para cá no zoológico. O momento que tínhamos no borboletário, contudo, era apenas nosso.

Em um destes momentos, meu pai notou as borboletas que eu tanto fitava.

– São borboletas monarca - disse.

– Por que monarcas? – indaguei – Elas são princesas?

Meu pai ria, embora seus olhos não rissem junto.

– Não, Ceci – respondeu, paciente – É que, como os monarcas passam o poder de pai para filho e de mãe para filha, as borboletas monarcas passam tudo aquilo que aprenderam em vida para suas crias.

Eu continuava a fitar suas asas finas enquanto ele falava.

–  Dizem que a borboleta monarca representa a evolução da mente humana – murmurou, mais para si que para mim – Ela começa como uma pupa até sofrer metamorfose e tornar-se uma borboleta de verdade. Diga-me, Ceci, consegue imaginar sua mente dividida em um milhão de borboletinhas voando?

–  Sim – respondi, alegre – Deve ser lindo.

Subitamente, o semblante de meu pai se fechou, assumindo um aspecto sombrio.

–  Não, Cecília. –  ele retruca – Não é nada bonito.

***

Fugimos da dor.

Fugimos para longe.

Agora ela é apenas uma lembrança inconsciente, como uma explosão a quilômetros de distância.

Estamos voando para lugar nenhum.

Nós, que somos uma legião.

Nós, que somos muitas.

Nós, que somos partes do todo.

Nós...

Dois pares de olhos nos perseguem, nos atormentam.

–  Ela está reagindo como o esperado, Koume – uma risada irrompe.

–  De fato, Kotake – outra risada – Mais alguns dias e já estará perfeita para nós.

As risadas aumentam junto ao vento. Como que em um furacão, os dois pares de olhos giram. O vento levanta nossas asas, quebrando-as.

O vento condensa o todo, transformando-se em um.

Asas quebradas.

Não somos.

Sou eu.

Cecília da Costa.

TIRE-ME DAQUI!

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