capítulo 1- Lembranças

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ANNE

Regressar não era uma tarefa fácil para Anne, pois implicava voltar às origens, resgatar o passado, relembrar de coisas que estavam lá em seu íntimo, que mantinha trancadas a sete chaves, para que nunca tivessem a chance de ver em à luz do dia e magoá-la novamente. E de mágoa, Anne entendia muito bem, pois seu coração tinha um arsenal delas que com o passar dos anos se transformaram em lembranças que ela preferia deixar escondidas em canto qualquer de sua mente.

. Sentada no aeroporto de Los Angeles esperando para embarcar, Anne se perguntou se valeria a pena voltar? O que ainda tinha em Avonlea para ela? Desde que fora embora há sete anos, essa era a primeira vez que pisaria naquelas terras novamente, e não sabia o que esperar daquele lugar que fora seu lar por cinco anos.

Ela olhou para seu pulso impaciente, verificando em seu relógio de ouro quanto tempo faltava para que seu avião saísse do aeroporto, levando-a finalmente ao seu destino. Seus olhos pousaram em uma família, sentada a poucos metros dela. O pai tinha uma menininha loira de olhos azuis no colo, enquanto a mãe tentava chamar sua atenção com um chocalho, e Anne mais uma vez pensou nos pais que não conhecera.

Pelo que tinham lhe contado, a mãe dela fora uma professora que aos dezoito anos se encantara por um marinheiro que atracou no cais de Avonlea, em uma de suas viagens ao visitar aquele continente. Fora amor à primeira vista e a mocinha romântica acabara se entregando ao homem que jurara ser o amor de sua vida, e com o qual vivera um romance tórrido por um mês. Então, ele saíra em viagem novamente, prometendo que voltaria logo, mas isso nunca aconteceu.

Anne nasceu nove meses depois em condições precárias, pois sua mãe fora expulsa de casa, não conseguia trabalho e tivera que deixá-la em um orfanato, já que nenhum parente se propusera a ajudar a garota de conduta leviana que desgraçara a honra da família.

A única solução que a pobre garota encontrara fora deixar a garotinha ruiva nas mãos das freiras que tomavam conta do lugar, prometendo que viria buscá-la assim que se estabelecesse na vida com uma casa e emprego decentes, mas isso nunca aconteceu.

Nos nove anos seguintes, Anne vivera sua vida dentro do orfanato, Não era o lugar mais amoroso do mundo, mas pelo menos comida e uma cama quentinha nunca lhe faltaram. Ela tinha amigos e uma disciplina rígida, gostava de estudar, e desenvolveu um gosto excepcional por livros. Lia tudo o que caía em suas mãos, e tal hábito alimentava sua imaginação com histórias que ela mesma criava, pois viver em um conto de fadas era bem mais interessante do que seguir à risca uma rotina insípida e sem cor. Isso também a ajudava a esquecer do abandono ao qual fora submetida, o que a igualava aos seus vários irmãos e irmãs que como ela foram deixados por suas famílias como roupas velhas e gastas que já não serviam mais. Eles se tornaram uma família, e se importavam uns com os outros, ficando felizes quando um deles era adotado e chorando com eles quando eram rejeitados por sua cor, religião ou raça.

Anne sempre tivera esperanças que sua mãe voltasse, mas conforme ela foi crescendo, ela percebeu que seria improvável que ela apareceria de novo ali para vir buscá-la. Talvez tivesse se casado, formado uma família, esquecendo-se completamente da garotinha que deixara para trás e que a lembrava do passo em falso que dera e que quase arrasara com sua vida.

Com o tempo Anne se conformara com a ideia de que permaneceria no orfanato até atingir a maioridade, pois nenhuma família parecia estar interessada em adotar uma garota ruiva, sardenta e de olhos azuis. Seu destino parecia já ter sido selado, quando Marilla e Matthew entraram em sua vida. Eram dois irmãos que viviam uma vida pacata em Green Gables, que nunca tinham se casado e desejavam adotar uma criança, de preferência um menino para que os ajudasse na fazenda, e cuidasse para que tivessem uma velhice tranquila. Porém, quando os olhos de ambos caíram sobre Anne fora amor à primeira vista e no mesmo dia levaram-na com eles para a fazenda.

Anne with an e- Corações em jogoWhere stories live. Discover now