Capítulo 14- O sentimento que vive em mim

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ANNE

Anne adorava o domingo em Green Gables, pois tinha um gosto diferente de todos os domingos que já experimentara em outras partes do mundo. Era o dia de irem à igreja e encontrarem os amigos partilhando as bênçãos de um dia glorioso, Era o dia de se reunirem à mesa de Marilla para comerem seu famoso assado de pernil e seu delicioso macarrão à bolonhesa, era o dia passar a tarde na casa de Diana, conversando com as amigas e tomando chá, era o dia em que ela se sentia feliz por ter uma família.

Em Nova Iorque, o domingo era sempre sinônimo de diversão, mas não o mesmo tipo de diversão relaxante que tinham em Green Gables, eram diversões culturais na quais as pessoas iam a teatros, museus, cinema, galerias de arte, e sempre acabavam a noite em um restaurante ou em alguma boate famosa. Como modelo, Anne participara várias vezes nesse tipo de entretenimento, não tanto por escolha própria, mas por necessidade como parte de seu trabalho, pois na verdade, por mais que apreciasse conhecer lugares novos, boa comida e boa música, ela sempre fora e sempre seria uma garota simples do campo.

Anne amava aquela calma que fazia parte da fazenda dos Cuthberts, o som dos passarinhos que acordavam de manhã, o canto das cigarras quando anoitecia, o ar puro que podia ser respirado em qualquer lugar, longe da poluição das grandes cidades.

Para algumas pessoas que passaram suas vidas em metrópoles abarrotadas de gente, barulhos constantes e agitação sem fim, tanto Green Gables quanto as outras fazendas que faziam parte de Avonlea pareciam lugares que tinham parado no tempo, mas para Anne, os dias que passavam tão previsíveis e sem nenhuma surpresa pelo caminho, as festas familiares onde se encontravam quase sempre as mesmas pessoas, os piqueniques enormes onde a comunidade toda participava contribuindo com alguma guloseima, era o tipo de coisa que trazia normalidade ao estresse de sua vida, e que a fazia aproveitar cada minuto sem a correria a qual enfrentava em sua carreira todos os dias.

Quando se mudara para Nova Iorque tudo fora uma grande surpresa e uma grande novidade para ela. No início sentira medo e chorara todos os dias de saudade de casa, mas com o tempo se adaptara à nova escola, aos novos amigos, a uma nova rotina, mas lá no fundo de si mesma Green Gables sempre permanecera como seu lugar favorito para estar.

A capa de sofisticação que tinha agora era somente superficial, e as amizades que fizera embora fossem boas jamais formaram laços como os que ela tinha com Diana e Cole. Eles eram como os três mosqueteiros, defendendo um ao outro sempre que necessitavam e nunca soltavam a mão um do outro nas piores situações. O problema das grandes cidades era que o ritmo se movia tão rápido que não se tinha tempo para viver a vida verdadeiramente, as mesmas pessoas que estavam ao seu lado hoje, o amanhã já estavam voando para outro lugar. Era sempre uma busca eterna pelas melhores oportunidades, pelos melhores trabalhos, pelas melhores fotos, e se para isso tivesse que passar por cima de certos princípios estava tudo bem porque a sorte não batia a porta duas vezes.

Anne nunca se sentira de fato incluída nessa cultura de egoísmo, pois aprendera com Matthew e Marilla o verdadeiro sentido de partilhar, de ajudar, de confortar, de se dar as mãos quando tudo o que restava era a união das pessoas em um momento difícil, e ao se deparar com uma realidade fria e calculista, Anne sofrera um choque cultural muito grande. Mas, mesmo convivendo com a hipocrisia no seu dia a dia, Anne jamais deixara de ser gentil, de oferecer um ombro a uma amiga que estivesse na pior, ou segurar a mão de alguém quando essa pessoa realmente necessitasse de conforto. Ela não deixara que a vida na selva de pedra de uma cidade grande moldasse sua personalidade para pior, ela moldara a realidade à sua vida, e mesmo sendo chamada de ingênua e inocente por suas amigas, Anne continuara a mesma e mantivera sua pureza interior intacta.

Ela ainda era a garota que gostava de flores, e preferia um livro como presente a um anel de diamantes. Ela ainda gostava de andar descalça em casa, ou ir a banca de jornal mais próxima usando pantufas. Ela era completamente sincera a respeito de seus sentimentos, e jamais dizia que gostava de algo somente para agradar. Isso lhe causara muitos problemas, mas também lhe abrira muitas portas. Algumas pessoas não suportavam sua maneira de ser tão simples e sem afetação nenhuma. Outras simplesmente se encantavam e acabavam se apaixonando pelo seu riso sincero, seu olhar doce e sua maneira de se posicionar a respeito das coisas da vida com uma sinceridade explicita.

Anne with an e- Corações em jogoWhere stories live. Discover now