Capítulo 66 - Parte I

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Thomas narrando:

No fundo eu estava ciente do risco.

Se eu usasse a parte lógica do meu cérebro que não estava submersa na enxurrada de emoções que dominava minha mente, eu poderia perceber alguns fatores óbvios. A chuva intensa se chocando violentamente contra o para-brisa, a qual os limpadores eram incapazes de dar conta... o fato de que os faróis do Porsche não iluminavam nada além de três metros de distância... o asfalto escorregadio sobre o qual meus pneus deslizavam como patins no gelo... as malditas lágrimas embaçando minha visão... a força com a qual eu pisava no acelerador...

A combinação de tudo isso poderia resultar em um acidente tão rapidamente quanto um piscar de olhos e a chance de eu escapar com vida seria cerca de uma em um milhão, mas eu não ligava. Não faço ideia do quão egoísta, estúpido ou imaturo isso poderia ser, mas o único pensamento que cruzava minha mente naquele momento era: se estou fadado a perder tudo o que realmente me importa, qual o sentido de manter a vida?

Eu não apenas estava ciente do perigo, eu queria isso. Eu queria conseguir apagar da minha mente toda a desgraça que me acompanha desde que nasci e o fato de que ninguém se importa de verdade. Queria deixar de sentir a perda das pessoas que amei profundamente. Merda... eu queria acabar com a dor. Eu não consigo mais lidar com ela. Não sozinho.

Percorrendo quase de forma inconsciente a autoestrada de Boston sem nenhum destino concreto, deixei que todas as lembranças que eu vinha tentando bloquear desde a ligação do meu pai viessem a tona sem qualquer resistência. As palavras um tanto inquietantes que minha mãe proferiu para o público no dia do meu aniversário... a indesejada visita que meu pai me fez na empresa há meses e todo seu sermão sobre o dinheiro que não podíamos perder... o dia que visitei o Brasil e presenciei a desastrosa tentativa da minha mãe de fazer piada sobre ter se esquecido que já havia me cumprimentado... o dia que meu pai visitou Angeline me fazendo acreditar, por um terrível momento, que ele tinha contado a ela sobre o contrato de casamento... a agonia dela ao afirmar, minutos depois, que existia algo que não estava me contando...

Pisei ainda mais fundo no acelerador e um soluço gutural partiu do fundo da minha garganta. Por quê, Angeline? Por que não me contou?

Não impedi que as lágrimas corressem livres. O velocímetro do painel indicava ameaçadoramente 180 quilômetros por hora, e eu me perguntei pateticamente como raio eu ainda estava vivo. Onde estavam as malditas barreiras na estrada, a maldita direção perdida, a falta de aderência nos pneus? Na minha limitada consciência de tempo eu poderia afirmar que estava dirigindo há bons quarenta minutos, parecia até um pouco absurdo o fato de que nenhum acidente houvesse ocorrido.

E então aconteceu. Depois de percorrer quilômetros e quilômetros totalmente ileso, meu pé mudou de posição como num reflexo e eu pisei no freio. Eu não saberia explicar como ou por que fiz isso, mas tomado por um impulso inexplicável eu simplesmente freei virando violentamente o volante para a direita. O carro girou duas ou três vezes sem sair do asfalto, parando abruptamente e me fazendo chocar a lateral da cabeça no vidro da janela.

Eu me senti tão perplexo com minha atitude inesperada, que levei um momento para perceber que havia parado de chorar. Mas que raios...?

Confuso, passei a mão em minha testa e constatei que não estava machucado. Olhei para o outro lado da janela do carona, e foi quando percebi a árvore caída na rodovia a menos de meio metro de distância. Uma enorme árvore atravessada impedindo a passagem em ambas as pistas, ao qual eu teria batido sem qualquer delicadeza se não tivesse parado a tempo. E então... meu objetivo certamente teria sido alcançado.

Encarando a árvore eu não fazia ideia do que pensar. As emoções que antes me esmagavam agora foram subitamente substituídas pelo choque e descrença. Como eu fiz isso? Como eu pude simplemente prever o perigo? Seria algum tipo de instinto de sobrevivência que me impediu de consumar minha ideia? Mas como isso seria possível se eu nem sequer tinha conhecimento da barreira no caminho?

Um plano para nós (PAUSADO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora