Capítulo 37 part. I

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Thomas narrando:

Rio de Janeiro - Brasil
17 anos atrás

Eu não me lembro dos meus pais. Sei que eles morreram em um acidente há dois anos, mas por mais que as pessoas digam que eu sou extremamente inteligente e tenho uma memória fotográfica, por incrível que pareça, não consigo me lembrar deles.

Ouvi dizer que eu também estava lá, no carro, quando aconteceu. Disseram que ele capotou, capotou, capotou... e explodiu quando chegou ao fim do despenhadeiro. Horas mais tarde algum viajante aleatório encontrou meu corpo - uma criança suja e machucada de quatro anos - estirada em um canto do acostamento. Acredita-se que de alguma forma, eu tenha sido jogado para fora do carro quando ele saiu da pista, mas a perícia nunca conseguiu encontrar a lógica nisso. Ninguém nunca entendeu como um garotinho que devia estar com cinto de segurança no banco de trás estava apenas desmaiado na beira da estrada, fora de perigo.

Quando acordei em um quarto de hospital, não me lembrava de muita coisa além do meu nome. Ninguém conseguiu contatar um parente, um amigo, ou quem quer que fosse pra cuidar do mais recente órfão. Meu destino? Um prédio em ruínas que costumava ser chamado de orfanato e um quarto pequeno demais pra acomodar tantos garotos. Aos poucos, a história do pequeno herói perdeu a importância.

Então ali estava eu, dois anos depois da minha aventura chocante, imaginando - não pela primeira vez - como consegui sobreviver a um acidente dessa gravidade pra morrer ao ser lançado do terraço do orfanato por um garoto de treze anos.

- Você não é tão esperto agora, não é? - Ele riu, me segurando pela gola da camisa. - Onde está sua inteligência, seu bostinha?

Hugo detestava ser rebaixado por qualquer motivo que fosse. Por ser o mais velho, ele sempre tinha essa necessidade de ser melhor que todas as crianças, em tudo. Mas ele não conseguia ser melhor do que eu - bem, não na sala de aula quando a professora fazia perguntas -, e isso o deixava irritado de verdade.

- Acho que já chega, Hugo. - Seu amigo resmungou preocupado ao nosso lado.

- Não se mete, José. Olhe só pra ele, está morrendo de medo.

Ele soltou uma risada debochada e, por um nanossegundo, abriu a mão que segurava a gola da minha camisa. Meu coração subiu até a garganta quando a gravidade me puxou para baixo e eu segurei com força seu pulso, meus pés se desequilibrando na beirada.

Hugo se divertiu ainda mais.

- Vai chorar, princesinha? Quer chamar a mamãe pra te salvar? Ah, esqueci... você não tem mãe! - E outra risada. Era como se ele não ligasse para o fato de que também não tinha uma mãe.

- Hugo... - José começou a insistir, mas foi interrompido quando a voz estridente de dona Creuza soou lá embaixo:

- Ei, vocês! - Chamou, mas eu me neguei a virar minha cabeça para olhá-la. - Desçam já! Rute está aqui!

Hugo fez uma careta.

- Outra hora a gente continua, bostinha. - Resmungou me puxando pra área segura, me deixando cair no chão com as pernas bambas.

E, rindo, desceu as escadas com José para ouvir a história do dia.

Me afastei da beirada do prédio me arrastando, o calafrio percorrendo minha espinha. Eu ainda conseguia sentir meu coração pulando rápido em meu peito, o suor escorrendo em minhas costas e as lágrimas sendo formadas na base dos meus olhos. Mas eu não iria chorar por causa dele. Não mesmo.

Respirei fundo várias vezes e me acalmei tão rápido quanto pude. Eu não gostava de perder as histórias da senhorita Rute, era uma das poucas coisas boas que existiam ali. Assim, quando constatei que minhas pernas estavam firmes o suficiente para não me deixar rolar pela escada, eu desci.

Um plano para nós (PAUSADO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora