Capítulo 38

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Angeline narrando:

Dias atuais
Boston - Estados Unidos

O cricrilar dos grilos pareceu aumentar o volume sem o som da voz de Thomas. A noite estava fria, mas eu só sabia disso por causa da leve fumaça que subia ao ar com nossa respiração. A verdade é que eu não estava exatamente ciente da sensação térmica naquele momento. Aliás, eu não sabia se estava ciente de qualquer sensação.

Aquela era minha deixa para dizer algo, eu sei. Embora Thomas não estivesse olhando para mim quando se calou, eu tinha certeza de que ele esperava alguma reação minha. Mas o que eu poderia dizer? O que dizer quando seu chefe - o homem mais frio que já se conheceu - decide expor a você não apenas uma falha em sua armadura, mas toda sua alma?

Lágrimas haviam se secado em minha bochecha enquanto eu focava minha atenção na escuridão que se estendia além da estrada, e meus pensamentos estavam tão embaralhados que eu nem tinha certeza se conseguia pensar em alguma coisa. O nó em minha garganta estava apertado e sufocante, mas isso não era algo que eu podia controlar. Alice... então, afinal, tudo gira em torno dela. Tudo o que Thomas se tornou, tudo o que ele faz. Certo dia ele passou por uma experiência ruim, mas ao invés de aprender algo com ela, ele preferiu se afundar na amargura e deixar de viver.

Isso ele não precisou dizer, mas eu sabia. Não foi apenas sua fé que ele enterrou com Alice, foi também sua infância e todos os objetivos de sua vida. Deus, isso explica tanta coisa... explica tudo.

- O jeito como você me tratava quando me conheceu... - Me peguei dizendo devagar, sem me dar conta das palavras realmente. - Não era apenas pelo modo como falei com você, era? Isso sempre foi por eu ser quem sou. - Eu o olhei. - Você não suporta pessoas cristãs... por causa da Rute.

Thomas inspirou o ar lentamente, sem me olhar.

- Pra vocês, nunca é suficiente acreditar. Vocês têm essa necessidade de sair espalhando coisas sobre o Deus todo poderoso, sua bondade, seus milagres... vocês precisam pregar sobre Ele, isso está no sangue de vocês. Teimam em plantar esperanças onde não existe sequer uma chance. Estão tão cegos por... essa coisa... que não enxergam mais nada além dEle. Vocês trazem sorriso e fé, e de repente... não sobra nada. Nunca sobra nada. - Thomas finalmente se virou para me olhar, seus olhos distantes e perdidos em uma lembrança que ele se negava a deixa ir. - Como você acha que uma criança lida com isso?

Desviei minha atenção para o chão. Eu não conseguia encarar seus olhos. Não depois de tudo isso, era demais pra mim.

Deus, tudo isso é demais pra mim...

- E não adianta dizer que você é diferente, porque você sabe que não é. - Ele continuou. - Vocês são todos iguais, e o que vocês pregam... é o pior tipo de mentira que existe.

Eu podia sentir meu coração pulsando furiosamente em meu peito. Eu precisava dizer algo, ele não podia tirar as palavras de mim só por me mostrar seu ponto de vista. Se ele estava tentando colocar minha fé a prova, eu não iria reprovar.

- Teve uma coisa que Rute se esqueceu de dizer. - Falei em voz baixa, torcendo pra que eu estivesse indo pelo caminho certo. - A fé ajuda muito, é verdade. Mas Deus tem seus próprios planos, sua própria vontade. As vezes a gente não entende, mas Ele não trabalha esperando que a gente entenda... Ele só espera que a gente confie. E nem sempre a vontade de Deus é a mesma que a nossa, Sr. Strorck. Mas nós precisamos acreditar que a vontade dEle... é sempre melhor.

- Melhor? - Thomas soltou um risinho abafado. - Me explique como raios uma criança inocente e indefesa desfalecer lentamente até a morte pode ser considerado melhor, Angeline.

Um plano para nós (PAUSADO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora