01 - A Ti Voltará Outra Vez

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- Você está com uma cara péssima - disse uma garota que estava sentada com os braços apoiados sob o balcão, ela tinha uma garrafa enorme de vinho nas mãos.

- Bom, tente trabalhar em um lugar desses todos os dias, acho que você também se cansaria - ela deu de ombros e tomou um grande gole da garrafa.

A garota se parecia muito com as guerreiras das histórias que meu pai costumava contar quando eu era uma criança. Seus cabelos negros escorriam até a cintura, ela estava com os lábios muito vermelhos e os olhos pintados de preto. Não parecia ser moradora das Vilas, parecia ser da realeza. Sua pele branca era como seda, ela tinha braços fortes e pernas grossas. Dei uma espiada por cima do balcão, a garota usava botas pretas e uma calça escura também, sua blusa era branca e tinha detalhes em azul.

Pensei que esse sempre foi o tipo de mulher que eu gostaria de ser, mas já havia aprendido que não dava para imaginar o que poderia ou não acontecer. Eu tinha que aceitar minha vida miserável em um corpo esquelético.

Quando saí de meu devaneio, percebi que ela me fitava com as sobrancelhas levantadas, aparentemente eu estava encarando a garota por muito tempo.

- Desculpe - disse - não é sempre que eu vejo uma Neale em meu bar.

Ela riu, seus dentes eram tão perfeitos quanto todo o resto.

- Muito obrigada pelo elogio - ela levantou a garrafa em saudação - Apesar de achar que Neale não seria uma bêbada compulsiva.

Neale fazia parte de uma das lendas de Keevard, a única guerreira dos Hewyr, um grupo de caçadores que combatiam os que tentavam atrapalhar a paz no reino do Primeiro Rei. Ela lutava tão bem quanto os outros 4 rapazes do grupo. Era uma heroína. Mulheres valentes costumavam ser chamadas de Neale em homenagem a ela.

- Como você aguenta esses homens? - Perguntou a garota, apontando ao redor.

- Acho que não tenho muita escolha. Sou uma mestiça, esse é o meu lugar - Ela me olhava sem nenhuma expressão - Ou pelo menos o lugar que ditaram que seja meu.

Ela virou todo o conteúdo da garrafa de uma vez, achei que iria cair depois do último gole, mas ela apenas limpou a boca com as costas da mão e descartou a garrafa.

- Não é seu lugar se você não quer que ele seja, não existe satisfação nisso.

Um burburinho começou a escorrer pelo bar, fechei os olhos já imaginando uma briga se formando.

Dois homens se socavam enquanto os outros começavam a rodeá-los, gritando palavras de incentivo à luta. Corri para lá antes que muitos danos fossem feitos, pois quando se cresce em um bar, aprende a valorizar o dinheiro de cada mercadoria. Então peguei uma garrafa vazia de uma das mesas, passei por entre os homens e assim que encontrei uma oportunidade, arrebentei-a na cabeça do mais grandalhão da briga que desmaiou na hora. Com os cacos que sobraram em minha mão apontei para o outro cara, ele estava suado e me olhava com um sorriso pervertido.

- Se você não se retirar, eu juro que furo seus olhos agora mesmo – ordenei, esperando que minha falsa ameaça surtisse efeito. Ele levantou as mãos em um gesto de rendição, ainda sorrindo.

- Como quiser, senhorita – ele fez uma reverência exagerada e logo em seguida sacou umas moedas do bolso e jogou na mesa mais próxima sem deixar de me encarar - Obrigado pela bebida e pela calorosa cortesia.

- Vá! - gritei, esperando que ele se afastasse.

Ele não era um dos brutamontes que sempre iam até o bar, era um rapaz, provavelmente procurando por encrenca, como muitos faziam. Demorou alguns instantes até que, por fim, decidiu ir embora.

Depois das Chamas - Livro 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora