8º parte do Capítulo XVII

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A varinha era o mais sagrado que uma fada podia ter. Eram a razão do seu ser e do seu poder. Talvez a minha madrinha, como uma boa fada, sentisse compaixão por Arabel, porque eu iria-lhe roubar tudo para sempre. Não seria nem uma bruxa, nem uma fada. Mas ela merecia-o, porque aquela criatura também me roubara tudo ao ajudar a Bruxa no meu rapto. Seria bem mais fácil partir um simples objecto do que lhe cortar as asas.

Conversávamos em sussurro para que ela não nos pudesse ouvir.

- Tens pena dela? Estás a defende-la, madrinha? Já te esqueceste do que ela me fez? 

- Não ganhas nadas ao destruíres a varinha, Filipe. Estás a deixar-te levar pelos sentimentos de vingança como a Malévola. Pensa! Um - contou pelos dedos -, será algo a nosso favor. Podemos negociar, chantagea-la e ameaça-la para que não fique com a sua varinha destruída em troca de informações. Dois, não és o seu soberano para tomares esse tipo decisões, Filipe. Ela não pertence ao nosso reino!

Revirei os olhos perante aquele chamamento de atenção. A minha madrinha tinha razão, mas não lha queria dar. Tinha uma fada como inimiga, meu Deus! Uma fada que não pertence a Aragão e como tal tem que ser entregue ao seu berço de nascimento. Se ao menos ela pertencesse a Olisipo, a história seria outra. Mas para meu azar não pertencia, isso era uma certeza absoluta, porque só houve quatro fadas e a que faltava chamava-se Malévola, a Bruxa.

- Não estás a pensar que eu a vou devolver com a varinha na mão, pois não? Imaginas o perigo que essa criatura é para mim e para a minha vida?

- Eu sei, Filipe. Mas isso é um assunto que temos que pensar muito bem e com calma. 

- Se ela realmente pertencer a um rei, se ela realmente for uma fada... Se não for esse o caso, eu poderei decidir o que fazer com ela.

- Ela tem que pertencer um rei! Ela é uma fada, porque tem asas!

- É isso que eu não consigo compreender. O que é que ela faz com a Bruxa? 

Em resposta, ela encolheu os ombros e desviou o olhar para Arabel que continuava a chorar como tivesse sofrido uma grande tragédia por ter perdido as penas negras.

- Temos que desvendar isto depressa, já perdemos demasiado tempo - declarei eu, caminhando até Arabel com a postura de um príncipe.

Se ela pensava que me ia comover com aquele teatro de tragédia e choro estava muito enganada!

- Levanta-te - ordenei-lhe com a voz firme.

Ela rolou a cabeça na minha direcção, os olhos pareciam cheios de tristeza e surpreendem-me: 

- Peço a vossa misericórdia... Vossa Graça. Transforme-me... senão vou morrer... de amor.

Será que a transformação para o seu estado normal deixou-a maluca!? Aquilo é que era amor às penas! Ser pássaro deveria ser uma rica vida para ter uma lamentação tão grande. Até me pedia com delicadeza e tratou-me com respeito.

- Levanta-te, Arabel. Se queres voltar a ser um pássaro, precisamos de conversar primeiro. Deixa-te de choros e levanta-te.

- Não vou... aguentar. Se precisa de mim... não pode...deixar-me morrer de amor - contrapôs ela.

Olhei para a minha madrinha confuso. Não sabia o que pensar nem o que fazer.

- Conta-me o que tens para eu te poder ajudar, Arabel. O que queres dizer com morrer de amor? - perguntou a minha madrinha, ajoelhando-se ao pé da fada sem penas.

- Fui transformada... num corvo... para me desfazer... dos meus sentimentos de fada -  contou Arabel, com a respiração visivelmente acelerada e a voz a sumir-se. - Tenho o coração partido de amor... Um homem conquistou-me e.... abandonou-me.

O AMOR NÃO DORMEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora