3ª parte - Capítulo XV

Start from the beginning
                                    

Aurora agradeceu-lhe, deu-lhe um sorriso genuíno e juntas caminharam pelo jardim varrendo com a cauda da capa as incontáveis pétalas brancas que escondiam terra. Um corvo sobrevoou o jardim, naquele instante, e quando piou tive a certeza que era a maldita ave de estimação da Bruxa. Era como se fosse um aviso, um presságio do que estava prestes para acontecer, ao ver a princesa completamente coberta com uma capa negra, a cor da escuridão, a escuridão de um sono amaldiçoado. Arrepiei-me.

Mas onde é que estariam as fadas? E o rei Dinis não teria reforçado a segurança do castelo, neste dia fatídico? Havia tantas pessoas no castelo e ninguém aparecia, o jardim estava deserto. Talvez a Bruxa tivesse planeado tudo ao pormenor... Será? Ou este encontro foi apenas um acaso que lhe deu jeito?

- Então, qual é o motivo da sua tristeza?

- Parece que estou a viver um pesadelo... Descobri que afinal não sou quem eu penso ser e o pior de tudo é que descobri que estou comprometida desde que nasci a um príncipe - contou Aurora, completamente infeliz.

- E não amas esse príncipe? – perguntou a Bruxa, com um ar angelical, mas com as piores das intenções.

- Como posso amar alguém que nem sequer conheço!?

A Bruxa parou, observou-a, acariciou-lhe a face e exclamou:

- Oh, minha querida... Esse compromisso destroçou-te o coração, porque estás apaixonada, não é verdade?

Ela abanou afirmativamente a cabeça e não consegui segurar uma lágrima que caiu na sua pele delicada.

- Talvez eu te possa ajudar...

- Como, senhora Malévola? Eu ficar-lhe-ia extremamente agradecida.

Mentirosa! Mas onde é que estavam os soldados que vigiavam o castelo? Ninguém dava pela intrusa, pela traidora? Algo de maléfico ela teria feito! Ganhei tempo e consegui alcança-las, enquanto ficaram a conversar paradas. Fiquei lado a lado com elas. Inconscientemente, levei a minha mão ao rosto de Aurora para lhe limpar a lágrima, mas como não passava de um fantasma a face continuou molhada. Retomaram a caminhada e eu acompanhei-as no seu lento passo que era proporcional ao meu andar normal.

- Eu gosto de fazer o bem sem esperar nada em troca!

Como era enervante ouvir a Bruxa mentir à descarada. Desejava poder-lhe apertar o pescoço para a calar para sempre.

- Há uma magia que vai para além da nossa compreensão... Contam que se alguém quiser separar duas almas apaixonadas, gémeas de modo cruel ou injusto chega uma misteriosa ajuda que não se sabe bem de onde vem.

- E que tipo de ajuda, senhora Malévola?

- Encontrarás um objecto raro, que provavelmente nunca viste: uma roca de fiar. Conheces?

Vi os olhos da Bruxa ganharem brilho. Bruxa maldita!

- Não.

- Oh, mas eu vou-te ensinar! Esse objecto tem uma roda e uma agulha. Se um dia tiveres a sorte de ver uma, irás identifica-la rapidamente. Mas, aviso-te, menina, terás que picar o dedo para que caia três gotas do teu sangue. Se isso acontecer, nunca mais ninguém, nem mesmo o rei, conseguirá separar o amor que está protegido pela magia.

Que grande aldrabice! Não podia negar que ela era boa a contar mentiras e sabia enredar as pessoas nas suas perigosas teias. Um dia, serei eu a enredar-te na minha teia, Bruxa!

- Eu tenho três fadas madrinhas e elas garantiram-me que não podiam fazer nada para me ajudar – contrapôs Aurora, pensativa. – Quem é a senhora, afinal? – a desconfiança fez com que ela se livrasse do aconchego da capa da Bruxa e manteve uma certa distância.

O AMOR NÃO DORMEWhere stories live. Discover now