- Até já, madrinha – emendei eu.

Ela ergue a mão numa despedida e noto que não é capaz de dizer mais nada, porque está sufocada com a preocupação do meu regresso ao passado sem saber se me pode ajudar ou não e tudo depende do que eu faça ou diga.

Bastou pensar na Aurora para o meu medo ser vencido e saltei. Fechei os olhos e senti que estava a cair, a cair, a cair, a cair... E instintivamente gritei. Abri os olhos à procura de uma resposta, talvez de algo para me agarrar, mas só via nuvens coloridas a rodar e às vezes algumas moedas de ouro passavam por mim no mesmo rodopio. Como é que eu ia sair dali? Voltei a fechar os olhos. E de repente ouvi vozes e percebi que os meus pés estavam fixos no chão. Voltei!, pensei animado. Abri os olhos com alegria, mas estava cercado de nevoeiro e não via absolutamente nada.

- Senta-te – disse um voz forte e masculina que me era tão familiar, mas não consegui identifica-la de imediato. Quem seria?

- Agradeço, Majestade, mas estou bem assim.

Dei alguns passos para descobrir o que me rodeava, e magicamente livrei-me do nevoeiro e fico frente a frente com o rei Dinis que estava sentado na cadeira e com os ombros pousados na sua secretária. De costas para mim, mas de frente para ele está uma rapariga de longos cabelos castanhos e traja uma longa capa preta que a cobre até aos pés. Fiquei atrapalhado. E agora? Como vou explicar o meu aparecimento? Mas em que ano é que eu estou? O melhor era não perder a compostura, nem a educação. Fiz de imediato uma vénia:

- Rei Dinis – cumprimentei.

Apercebi-me que continuava com dificuldades em movimentar o meu corpo. Olhei para as minhas mãos e descobri que continuava velho. Maldição! Mas o que é que isto significava?

- Estou muito contente que tenhas regressado a Olisipo – disse o rei Dinis, com um olhar apreensivo e com um sorriso pouco aberto.

A rapariga nem se moveu para me ver.

- Eu também estou contente – exponho eu, sem sinceridade. Na realidade, estou confuso e aflito para perceber o que se passa.

- Estou feliz por finalmente voltar a casa – informou a rapariga.

Ah, afinal ele não estava a falar para mim! Pela expressão do seu rosto, percebi que o rei Dinis estava receoso. Não olhava para a rapariga durante muito tempo. E eu? Nem sequer me veio cumprimentar, nem olhava para mim.

- Imagino. Estiveste ausente durante muito tempo... – ele olha para o lado, para as mãos, para os papéis que estão pousadas na secretária, para o quadro que enfeita a parede à sua frente. Não queria fixar o olhar no dela.

E foi então que eu percebi que ele não me via. Seria um fantasma? Chamei-o para o confirmar:

- Rei Dinis? Está a ouvir-me?

Não obtive resposta. Cheguei à conclusão de que estava invisível! Mas que passado era este?

- Estive ausente contra a minha vontade! Mandaram para o exílio – cuspiu ela, com mágoa.

E foi então que o rei voltou a enfrentar o olhar dela.

- Pensei que já tinhas superado isso... Eu pedi-te perdão, Malévola! Eu sei que não o merecia, mas garantiste-me que me tinhas perdoado.

Oh, meu Deus! Mal ouvi o nome da Bruxa caminhei para o lado do rei e fiquei boquiaberto. Ali estava ela! Estava mais jovem, não sorria com perversidade e parecia uma criatura calma. Desviei o olhar para o pai de Aurora e verifiquei que ele também é bastante mais novo e nem me tinha apercebido. Eu estava no passado da Bruxa!

- E perdoei – garantiu ela, com inocência e baixou o olhar para o chão em sinal de respeito ao seu soberano. Na mão direita segurava a varinha que também está apontada para o chão. – Sei que foi o teu pai que decidiu exiliar-me e enquanto ele fosse vivo não podias fazer nada...

Aquela criatura parecia um anjo! Como é que era possível?

- Sim, Malévola. Mas foi o melhor para nós, por mais que me custe reconhecê-lo. Conheces este ditado: Longe da vista, longe do coração?

Ela assentiu com a cabeça, sem mostrar qualquer sentimento de rancor.

- Julgo que há muita verdade nele – declara ele.

- Foi por isso que me mantiveste particamente mais um ano no exílio, Dinis? – perguntou ela, falhando redondamente ao tentar esconder a emoção. - Sinceramente, pensei que me autorizasses a regressar a Olisipo a partir do momento em que te tornaste rei.

Por um instante, senti pena dela. O amor dela pelo rei levou-a ao exílio. Perdeu tudo simplesmente por amar um homem. E ele não perdeu nada em comparação com ela. Agora que sabia a verdade conseguia perceber o motivo da Bruxa guardar tanto ressentimento.

O rei abriu as mãos. Talvez não conseguisse encontrar as palavras certas. Por fim, respondeu:

- É complicado, Malévola.

- Quiseste manter-me longe da vista para me manteres longe do coração? – perguntou ela, baixinho como se tratasse de um segredo.

- Essa foi a intenção do meu pai e consegui-o. Eu já não te amo, Malévola. Eu sou apaixonado pela minha mulher.

Ela empalideceu. Aquela resposta devia ser dura para ela e só Deus sabia o que ela estaria a sentir. Enchi-me de piedade, naquele momento. De certa maneira, compreendia-a. Por sua culpa, perdi o grande amor da minha vida e vivi aprisionado a maior parte da minha vida. Sofri muito mais do que ela!

- Nós eramos muito novos e o primeiro amor parece único por representar novas emoções, aventura, perigo... Um príncipe e uma fada não é compatível aparentemente... hã... Assim o diz a sociedade – justifica-se ele.

A Malévola mantém-se calada e quieta no mesmo lugar como se fosse a fada mais obediente e leal. Ao fim de alguns minutos, concordou:

- As princesas nasceram para os príncipes.

- Malévola... hã... Eu não sei, nem quero que me contes o que sentes por mim, mas não deves amar-me.

Ela riu, mas de tristeza.

- Não me digas que agora podemos dar ordens ao coração, Dinis?

- Tu és uma fada, Malévola, e conheces certamente magia que o impeça de sentir aquilo que não é suposto. Nunca mais voltaremos a falar deste assunto – avisou ele, com um tom duro. - Eu sou o teu rei e tu és uma das minha fadas! – levantou-se majestosamente da cadeira. – Se precisares de alguma coisa, podes contar comigo. Desejo-te o melhor no recomeço da tua vida em Olisipo!

Ela agradeceu e fez-lhe uma vénia.

- Bem-vinda ao teu reino, ao teu berço de nascimento!

Dito isto, ele caminhou a passos largos para a saída da sala de reuniões, mas algo o deteve na porta e virou-se:

- Não te esqueças que os teus deveres para com o rei aplicam-se também à rainha de Olisipo. Eu não vou permitir qualquer tipo de afronta ou desrespeito à rainha.

Ela não conseguiu articular nenhuma palavra, simplesmente assentiu com a cabeça. Mal o rei saiu da sala, via erguer a cabeça e uma lágrima banhou o seu rosto. E consegui ler na sua atitude pela primeira vez a bruxa que ela estava prestes a transformar-se: com a mão limpa a face molhada com raiva, ergueu o rosto altivamente como já usasse a coroa de Aranis e os olhos brilharam de ódio.

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Parece que recuamos demasiado no tempo!! Mas agora sabemos o que se passou entre o rei Dinis e a Malévola. O que é que acharam?

Não se esqueçam das estrelinhas que é muito importante para a história crescer!

Um abraço enorme ❤

O AMOR NÃO DORMEWhere stories live. Discover now