Capítulo 64

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Alfonso Herrera

Quando abri os olhos no meio da noite, notei que a cama estava vazia. Eu estava sozinho, coberto apenas pelo lençol. Tentei levantar, mas um peso descomunal deixava meu corpo imóvel. Era como se houvesse algo me pressionando para ficar ali.
Na verdade não era nada ou qualquer coisa, foi apenas a minha imensa fraqueza que não me permitiu ter força alguma. Deitei a cabeça no travesseiro novamente e deixei a tontura passar. Fiz exercícios de respiração, concentração até a minha musculatura se regenerar do ataque repentino. Ela não podia saber que meus últimos esforços estavam deixando marcas.

Durante todo esse tempo que perdi na recuperação fui surpreendido pela sombra de uma silhueta recostada no lado mais recluso do cômodo. Anahí estava usando uma camisola longa, de seda, em Marfim. O toque suave da peça marcava bastante a sua gravidez. Era singelo.
Ao perceber minha percepção ela andou devagar na minha direção até parar no canto da cama, onde sentou e apoiou-se.
Novamente, mas desta vez mais destemido, arrisquei me erguer e ela se assustou com o movimento do colchão.
Os olhos azulados dela brilharam na escuridão do quarto morta apenas pela luz amarelada de um abajur ao lado.
Suas mãos ficaram distantes, e mesmo assim me atentei para segura-las.

Quando sentiu meu toque, ela desabou. Foi uma sensação desastrosa. Impotente. Ver Anahí chorar sempre me fazia sentir culpa. Na maior parte daquelas lágrimas meu nome estava envolvido e não era ocasional.

- Pode olhar pra mim?

- Porque eu deveria?

- Não deveria, mas precisa.

Ela retirou a sua mão debaixo da minha e levantou. Seu corpo inteiro tremia. De longe era nítido.

A minha digital esquerda cheirava a nicotina depois que toquei nela. Anahí teria tido uma recaída no cigarro e novamente eu era a causa, com toda certeza.

- Onde estava?

- Fui fumar - rebateu nada intimidada.

- Não devia fazer essas coisas.

- Tanto faz Alfonso. Você tem uma vida cheia de regras, bons hábitos, e mesmo assim nada disso evitou o que está acontecendo.

Foi uma bela tacada contra a minha língua.

- Você tem razão. Nada pôde evitar.

Admitido o semblante arrependido, ela se virou de frente para mim e apertou o corpo contra seus braços.

- Me desculpe. Eu não devia ter dito isso. Não quis dizer.

- É apenas a verdade.

Com mais algumas lágrimas derramadas Anahí respirou fundo e pensou em dizer alguma coisa, mas o som da campainha soou insistente demais para ser ignorado. Ambos nos olhamos intrigados com o horário e a frequência de toques.
Ela vestiu um casaco por cima da roupa de dormir e andou para fora do quarto. Aguardei o seu retorno e isso demorou mais do que o previsto. Impaciente, me preparei para sair dali já imaginando a maratona que seria andar até a sala. Por sorte ela retornou antes que eu pudesse pôr os dois pés no chão.

Seu rosto estava completamente pálido e sem vida, mas tranquilo. Nada que me deixasse preocupado, apenas curioso.

- Quem era? - perguntei desconfiado.

- Minha mãe... - respondeu depois de um longo segundo. - Ela veio me ver e como trabalha aqui no prédio não e tão difícil me achar,

Minha mãe...

Por um segundo não consegui compreender de onde teria vindo aquele termo no dicionário dela. Anahí não suportava falar sobre o seu passado, embora o tivesse revelado para mim, e muito menos sobre um possível ou suposta relação entre a mãe. De longe haveria alegria nas suas feições ao me responder aquela pergunta.

Teimando contra os meus limites, mais uma vez, decidi levantar caso quisesse ser útil o suficiente. Assim que fiz o movimento brusco de me erguer de pé, ela me olhou atordoada correndo para o meu lado, achando que seria capaz de me segurar caso eu caísse bem ali, mas por sorte firmei-me o máximo que pude arrancando apenas o temor da minha esposa. De perto, suas pupilas pareciam bem maiores e escuras. Ela tinha tanto medo no olhar que me instigou a segurar seu rosto com cuidado.

Anahí deitou sobre as minhas mãos e fechou as pálpebras.

- O que aconteceu?

- Ela quer recuperar alguma coisa entre nós, como se existisse algo.

- Precisa ordenar o que sente meu amor.

- Não tenho nada para ordenar - retrucou ao subir a visão - minha vida não foi boa.

- Mas agora é.

- Muito - disse beijando minha palma.

- Anahí, não importa mais o que aconteceu no seu passado. Seu presente e o seu futuro são promissores e esse perdão tem que fazer parte disso ou nunca vai ser plenamente feliz.

- Plenamente feliz? Tem como eu ser isso?

- Não volte o assunto para nós dois - supliquei cansado.

Eu queria manter a minha situação o mais oculta que pudesse de nossas vidas. Falar sobre os fins nunca era bom, para ninguém. Mas ela insistia.

Insistia em se mutilar toda vez que trocávamos qualquer contato.

- É inevitável - justificou secamente.

- Tente. E também olhe o lado de que viverá muita mais tranquila carregando o perdão ao invés do ódio.

- Quer que eu a perdoe?

- Quero que tenha paz. Essa situação afeta você, eu e o nosso bebê.

- Vou dormir.

Anahí disse aquilo repentinamente, me dando um beijo curto, indo se deitar na cama. A conversa foi encerrada sem nem mesmo um ponto final. Olhei ela fazer tudo aquilo, imitando logo em seguida.

Não havia outra maneira.

Naquela manhã, fiz o máximo para despertar antes dela, checando o grau de estabilidade em minha saúde. Os remédios pareciam ter feito um efeito maior durante a noite, já que consegui tomar banho e me trocar tranquilamente.

Tomei o café regado a, mais comprimidos, e me despedi da emprega com uma justificativa de que iria ver um amigo e que ela avisasse Anahí sobre isso.

O corredor estava cheio de pessoas prontas para os seus trabalhos, algumas eu cumprimentei, outras não, até por fim chegar à recepção. O homem engravatado me olhou cheio de disposição e me deu bom dia, mas eu estava decidido em ser o mais objetivo possível para realizar a minha primeira função daquele dia para perder tempo com formalidades.

- Preciso que convoque todas as funcionárias deste lugar com mais de quarenta anos.

Ele me olhou intrigado pelo pedido inusitado, mas, com uma resposta bem atraente que me arrancou um sorriso de alívio.

- Só temos uma, senhor, e ela esta vindo bem ali.

Segui a visão para onde o homem apontava o dedo e vi uma mulher uniformizada de forma padrão surgir empurrando um carrinho de limpeza cheio de utensílios. Quando nossos olhares se cruzaram ela pausou os passos e me encarou de volta.

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