Capítulo 04

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Alfonso Herrera

Assim que cheguei em casa, uma das primeiras coisas que fiz questão de fazer foi ir até a cozinha. O dia de trabalho havia sido estressante demais, por isso, decidi cozinhar. Fazer aquilo aliviava todas as tensões diárias. Um dos meus gostos particulares em que poucos se interessavam ou sequer sabiam, além da minha governanta.

Ela era responsável pela casa desde que decidi morar sozinho, e isso já tinha bastante tempo. Seus cabelos grisalhos, suas roupas sempre alinhadas me traziam uma leve sensação materna. Vez ou outra parecia se empolgar quando me assistia de poucas peças e um avental, tramando receitas mirabolantes que na maioria das vezes funcionava bem.

O som dos passos cuidadosos da mulher foram ouvidos de longe.

- Imaginei que estivesse aqui, senhor Herrera - Me virei para olhá-la exibindo uma aparência bagunçada e ela então sorriu afetuosa.

- Hoje foi cansativo - justifiquei mesmo sem ser questionado.

- Percebi assim que vi aquelas roupas jogadas no corredor.

Eu não era tão organizado quando me sentia fadigado ou pressionado. A tensão dominava o meu corpo, e a necessidade de chegar ao meu conforto era maior do qualquer outra mania de limpeza.

- Você me conhece bem, não é?

- São muitos anos de prática - Disse convincente.

Não fui tão agradável, preferi manter tudo como estava. Sorrir não era muito comum pra mim, muito menos demonstrar carinho demais pelas pessoas.
Era uma coisa minha, algo que sempre preferi manter intacto, e talvez fosse esse um dos principais motivos de estar solteiro.

A mais ou menos doze meses atrás, me encontrava em um relacionamento firme de cinco anos. Preparado para o pedido de casamento, planejando casa e tudo o que um casal espera para um futuro juntos, mas nada daquilo foi possível de se concretizar. A minha noiva fez o que todos estão sujeitos a passar.
Não diria que foi uma traição, até porque os motivos também existiam em mim.
Ambos éramos infiéis, presos ao comodismo e a convivência.

Os passeios e todo o resto que fazíamos juntos era como se fosse parte de um dos meus contratos.

Chegamos ao limite de não haver nada além de conveniência, mesmo assim não adiamos o casamento. Certo tempo depois, a traição surgiu como uma consequência previsível. Eu não me importava de traí-la com várias mulheres, a fim de sair um pouco da minha mesmice, e como a maioria dos homens prefere renegar, o mesmo chegou até ela. E no fim, o noivado foi desfeito.

As semanas seguintes ao término pareciam solitárias, senti vontade de voltar atrás, pedir que tentássemos outra vez, mas de maneira diferente. Senti necessidade de ter com quem conversar e partilhar certas coisas.
Uma das desvantagens dos relacionamentos dependentes. Você passa a se apegar a algo que vai muito além dos sentimentos reais.
Já nos meses seguintes as coisas começam a mudar e você volta a se readaptar.
Fim do drama.

O apitar do forno me obrigou a levantar da cadeira e ir buscar a minha mais nova obra culinária. Era um carneiro ao molho três fazes. Pelo cheiro e aparência parecia ter funcionado.

****

Aquela era a terceira vez que me pegava checando o Royal que usava no pulso, já tinham se passado mais de quinze minutos do horário marcado para ele chegar. O restaurante estava lotado e o garçom servia doses de uísque como se quisesse me acalmar e ganhar um pouco de tempo em cima da minha frustração. Impaciente, olhei pelo vidro e vi que enfim a imagem do meu amigo começava a surgir. Dei aquele gole com mais calma, levantando em seguida prestes a saudar quem acabava de chegar.

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