Capítulo 28

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Alfonso Herrera

O dia parecia passar lento como uma agoniante dor de cabeça. Meu alfaiate fazia os últimos ajustes do terno sobre o meu corpo pinçando restos de tecido das laterais na linha axilar.

- O senhor emagreceu um pouco.

- É o que parece. Desde semana passada você faz correções nisso.

- Então deixe de emagrecer!

O homem velho e rabugento fazia roupas de festas para os membros da família Herrera há muitos anos. Ele costumava arrumar meu pai para todos os eventos sociais que o convidavam, e para outras formalidades que fosse necessário um terno ou um Black Tie. Aquilo era uma exigência da matriarca, tanta que ela fez questão de me fazer ir até o ateliê com alguém não tão agradável assim.

- Senhor careta - a voz irritante de Christopher ressoou nos meus ouvidos como uma sirene. Ele vinha galopante, se olhando em cada pedaço de espelho que via no caminho até mim.

- Cuidado para não se afogar na sua ironia.

- Não seja tão arrogante, eu já uso balões de oxigênio contra o seu mau humor sufocante.

- Vocês dois são deprimentes - e para completar o circo dos horrores, a minha irmã mais nova compareceu cheia de razão.

Maite era bem mais agradável que Christopher, mas não deixava de ser inconveniente em algumas situações, como por exemplo, a da vez passada em meu apartamento.
Recordar daquele dia quis me arrancar uma risada, mas fui impedido quando o homem que me repuxava de todos os lados resolveu espetar minha pele com o alfinete. Dei um pequeno salto para frente, de forma discreta, e ele se desculpou baixo tirando a peça para finaliza-la na sala ao lado.

- Alfonso que começou com suas atitudes imaturas - retirando os fiapos de tecido de cima da blusa, ignorei o comentário infeliz.

- Christopher, quando você vai crescer?

- E quando você cresceu Maite?

- Eu ia adorar continuar a fazer parte do discurso de nível de maturidade dos dois, mas prefiro ir para outro lugar.

Me preparei para sair, mas as mãos da minha irmã me impediram quando se envolveram no meu braço esquerdo. Ela sorri apaixonada,como se esperasse uma retribuição, mas sinceramente não dei. A ansiedade para aquele dia terminar e eu poder, enfim ver Anahí já estavam me deixando extremamente frustrado.

- E aquela moça do outro dia. Ela vai está noite? - Maite falava baixo, em segredo, como se ela fosse realmente capaz de esconder algum.

- Sim.

- De quem estão falando?

- Alfonso vai levar uma mulher para a nossa ceia - disse ela antes que eu a impedisse de tornar aquilo o assunto do momento.

Infelizmente aquele já era o assunto.

- Alice?

- Não! É outra, e por sinal, muito bonita - Maite negou com convicção, fazendo o comentário parecer uma ordem.

- Herrera - Aproveitando que meu outro braço estava vago o inconveniente deu algumas tapas na minha costa, sorrindo como uma hiena - Ela tem amigas?

- Sim Christopher, ela levará uma amiga - quando falei aquilo ele deu um sorriso maior que o rosto - Mas, por favor, não amargure a moça com suas cantadas deprimentes.

- Como ousa? - rebateu sarcástico - Eu sou ótimo para paquerar uma mulher. Ela é bonita?

- É.

- Acho que esta noite vai ser interessante, não acha Maite? - os dois se olharam animados como se gostassem do Natal.

Mas numa coisa eu tinha que concordar. A minha empolgação para a ceia era muito maior que a deles, sem sombra de dúvidas.

Durante a tarde busquei me ocupar o máximo que pude e por sorte o tempo correu como planejei. Tudo estava em seus conformes. Antes de ir para o meu apartamento decidi deixar alguns documentos na casa de minha mãe, e como esperado, ela me ignorou dizendo que aquela não era hora para trabalho. De certa forma não a culpei. Todos os anos era a mesma agonia. Havia gente por todos os lados carregando coisas e objetos de decoração. Ela observava cada detalhe posto como se fosse uma cerimonial treinada. De certa forma ela era de fato.

Quando voltei para casa depois de tudo resolvido, jantei e peguei de cima da cama a sacola com a minha roupa pronta, cheirando a limpa. Estranhei e admirei a cautela do alfaiate com cada detalhe muito bem pensado e delineado. Cada ponto parecia tinha sido feito a mão. A costura era impecável. Por um segundo me senti no lugar de meu pai, com algo tão caro e fútil nas mãos.

Larguei a peça de volta, fui tomar banho e me preparar. Como tanto desejei, a noite chegou e eu já estava totalmente arrumado e na frente do espelho checando o cabelo e se tudo teria caído bem. E caiu.
Num movimento de balançar, ergui o pulso e arrumei o relógio para poder ver as horas. Já eram dez e meia. Pegando as chaves do carro, fiz questão de ir dirigindo até a casa de Anahí para buscá-la.

Não demorou muito até eu me ver de frente a porta da sua casa, prestes a tocar a campainha. Ela com certeza estava ciente da minha chegada já que o porteiro ligou pedindo a autorização da minha entrada. Era uma boa hora para tocar.
Quando a porta abriu, a mulher de cabelos levemente loiros nas pontas se expôs com um sorriso educado. A amiga de Anahí usava um vestido bonito e que lhe caia bem, tanto que realmente lamentei o fato de que Christopher com toda certeza lhe infortunaria a vida por todo o decorrer da noite. Pobre mulher.

- Ela está quase pronta, pode sentar e esperar.

- Claro.

- Desculpe, mas acho que você se adiantou um pouco.

- Mania de pontualidade - menti descaradamente.

- Imagino - e sinceramente a mulher acreditou.

Ambos estávamos sentados esperando Anahí vir.
Dulce, como ela mesma havia reafirmando ser seu nome, ria da minha mania de checar o relógio a cada segundo, impacientemente, como se aquela cena fosse a mais bizarra de todas.

Acho que a nossa energia fez com que ela se apressasse mais.

O som de uma porta se fechar seguido de passos lentos sobre o piso alertou nós dois. O salto agulha fez um som suave, como se a responsável por calça-lo desfilasse em uma exibição planejada.
Anahí surgiu no cômodo, dentro de um vestido longo e cinza com detalhes pretos.

A costa era nua e seus cabelos logos e castanhos haviam sido lançados para o lado, numa tentativa de economizar tempo ou apenas pelo fato dela gostar de usá-lo solto. Meu levantar foi automático. Eu queria recebê-la e segurar na sua mão para exibi-la a todos e encher seus olhos de tanta beleza e luxúria.

Ela exalava os dois como pura ocitocina, estimulando cada canto do meu corpo.

- Você está linda.

Ela elevou a sobrancelha e me encarou firmemente, com a boca levemente repuxada para um sorriso.

Anahí havia acabado de decretar a minha destruição emocional com uma simples expressão incógnita.

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