Capítulo 55

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Anahí

- Você se sente bem?

Não Alfonso Herrera, eu não me sinto nada bem. Não há maneira de viver bem quando as horas parecem rolar como num cronômetro, marcando os minutos rapidamente, impaciente, me levando você a cada badalada.

- Eu devia estar feliz.

- E não está?

- Estou.

- Acho que tem uma maneira bem melhor para me responder isso.

Alfonso me pediu a mão e eu lhe dei. Ele me levou para fora do quarto, até um lugar que eu conhecia bem dentro da casa.

Com certa distância admirei o piano de cor preta, familiar. Fomos perto do instrumento e ele puxou o banco para que eu me sentasse. Todos os pedidos do Herrera foram cedidos.

- Seria bom te ouvir tocar. Até onde sei, isso te acalma.

- Bastante.

- Mas antes de qualquer coisa eu tenho um pedido. Quero que toque algo especial. Escolhido por mim.

Fiquei curiosa para saber um pouco mais do que ele gostava de ouvir e isso me instigou a querer tocar ainda mais. Alfonso, com um sorriso carinhoso, me entregou algumas partituras.
Só de olhar a sintonia das notas me deu arrepio. Elas devem casar divinamente.

- Toque.

No silêncio, posicionei a partitura e fiquei de frente ao piano, pronta para tocar.

Com as primeiras notas saindo do instrumento, ambos permanecemos calado, mas para minha surpresa, devastadora, ele cantou. Ao ouvir sua voz meus dedos tremeram, desafinando. Alfonso fez um gesto de calma me pedindo com o olhar para que continuasse. Obedeci baixando a cabeça, virando para olhá-lo algumas vezes.
A letra decifrava tudo, definitivamente toda a dor e sentimentos inexpressivos. E não pude negar que ele tinha uma voz bonita, nada muito ensaiada ou profissional, mas agradável o suficiente de ouvir sem reclamar. Era afinada para alguém leigo. Eu mesma não alcançaria aquele timbre se tentasse. Tinha certeza disso.

"Come home
'Cause I've been waiting for you
For so long"

(Volte para casa
Porque eu estive esperando por você
Durante tanto tempo)

Meus dedos pausaram de vez.
Não suportei pensar em todas as coisas que ele me disse com aquela canção... Não me torture.

Foi um silêncio mortal. Eu fiquei paralisada, sentada naquele banco com medo até de olhar para os lados.

- Anahí, já pode me contar o que houve na sua vida. Porque entrou nisso tão cedo?

A pergunta não parecia opcional. Ele queria saber de uma vez por todas sobre a minha vida. Alfonso estava determinado a me decifrar.
Me senti rebaixada pelo que ia ser dito. Eu me envergonhava tanto naquele momento que nem parecia que há alguns meses atrás eu tinha orgulho de ser a mais elegante, cobiçada e de maior orçamento, acompanhante de luxo da boate de luxuosa onde dançava e arrumava os clientes. A vida de garota de programa me lapidou aos poucos, para tudo, menos para amar. Existiram várias noites que passei sozinha, refletindo se um dia seria capaz de amar alguém, me doar, me entregar. Na época soava tão surreal, a nível de loucura, impossível. Mas a vida sabia pregar peças muito bem, e fez isso quando me mudou por completo, de dentro para fora. Tão impiedosa. Só que desta vez sem me preparar antes.
Eu não sabia lidar com nada daquilo, e mesmo assim arisquei pular de cabeça na maior montanha russa. Aquela que leva do céu ao inferno, vezes e vezes seguidas. Uma hora eu estava plena, noutra sobre o chão.

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