Capítulo 50

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Alfonso Herrera

Era a mesma face dramática e perdida de sempre. Um pouco mais perdida que de costume, mas familiar. Christopher segurava a minha mão como se eu estivesse prestes a parir. Não tive muito que fazer já que a fraqueza dos remédios me deixou sonolento.

Dormi e acordei algumas vezes, inconscientemente, e em todas elas era só ele que eu via sentado no mesmo lugar. Da última vez que acordei consegui permanecer consciente, mas relaxei para poder ter forças suficientes de manter um diálogo longo e esclarecedor. Ao perceber meu despertar, meu irmão não tirou os olhos de mim, me encarando como um cão de guarda.

- Que horas são?

- Três da tarde. - foi assustador ver a manhã inteira passar em alguns minutos. Pelo menos pensei que fossem.

- O que você fez de errado? - a minha pergunta o surpreendeu produzindo uma ruga no meio da sua testa.

- Errado?

- Sim. Só pode ter sido isso para estar do meu lado durante todo esse tempo.

- Seu humor sarcástico é infalível. - retrucou numa risada amarga e ofendida.

- Porque esta aqui?

- Todos foram dormir depois que o Colins disse que você estava evoluindo bem e que logo voltaria para casa. Eles precisavam descansar.

- E Anahí, foi junto?

- Não. Ela não apareceu desde ontem.

Fiquei desapontado ao ouvir aquilo, certo de que fazia sentido. Talvez ela tivesse decido não assumir uma responsabilidade daquelas. Estar ao lado de alguém doente e fadado ao fracasso. Era uma plausível reviravolta da vida a final.

- Dulce disse que ela parecia cansada ontem, e que deve ter dormido demais.

- Deve ser isso. - concordei ciente do risco.

Christopher levantou e andou de um lado ao outro, calado e reflexivo, com um semblante carregado. Ele parecia distante até se virar para mim com a expressão cabisbaixa.

- Faça piadas, me brigue por ser irresponsável, grite com a nossa mãe por ela invadir nossas vidas, diga a Maite mais uma vez o valor do dinheiro e do trabalho... - pausou puxando o fôlego. - Mas não morra.

Fiquei imóvel perante aquilo. Aquelas palavras foram inesperadas e dolorosas.

Apenas olhei para ele e permaneci silencioso.

- Você é meu irmão, e mesmo que seja um pé no saco, autoritário e certinho, precisamos de você aqui.

O momento foi interrompido pela porta sendo aberta sem bater. Anahí entrou checando a bolsa sem perceber o que estava acontecendo ali. Assim que levantou a vista ela sentiu que algo parecia errado.

- Desculpem, pensei que Alfonso estivesse sozinho. A enfermeira disse que mandou todos os familiares irem para casa.

Olhei para ele mais uma vez ao descobrir que além de dona Helena, Christopher também devia ter ido embora.

- Que bom que você chegou, eu já estava dizendo pra ele que não sou muito bom no serviço de babá.

- Pode ir. Eu fico aqui - Anahí foi amigável na fala, mas não tirou a expressão desconfiada do rosto.

Meu irmão saiu sem olhar duas vezes. Ele parecia nervoso consigo mesmo.

- Acho que atrapalhei alguma coisa. Christopher mente muito mal.

- Apenas um momento peculiar.

Quando me situei de que Anahí estava no quarto, concentrei em me sentir feliz. Mas ninguém ao meu redor parecia completamente feliz. Mesmo com a maquiagem recobrindo todo o seu rosto, não deixei de notar que seus olhos pareciam inchados com certa vermelhidão. Olhos de alguém infeliz. A amargura naquele olhar era muito distante da pessoa que vivia por trás deles. Anahí respirava vida, mas agora parecia sem nem uma faísca.

- Como se sente hoje?

- Bem disposto.

- Que ótimo. - mesmo contente com a notícia sua expressão não mudou.

- Quer me dizer alguma coisa?

Quando fiz a pergunta os olhos dela se afastaram dos meus, focando o chão.

Anahí mexia na ponta dos dedos e balançava a perna, inquieta e agoniada. Até parar tudo e me encarar novamente.

- Tenho. - soltou depois de alguns minutos. - Alfonso... Você tentou se matar?

A faca de dois gumes foi lançada. Cravando no meu peito. Todos podiam saber dessa maldita fraqueza, menos ela. Teria como fugir da resposta? Talvez. Mas eu corria o risco daquela pergunta já ter sido respondida, e não por mim.

- Anahí...

- Espere - ela se levantou e andou de costas para mim, evitando um olhar direto, segurando a respiração para continuar a falar - Não sei se quero saber.

- Então deixe isso de lado.

Os seus cabelos longos e castanhos subiram conforme sua cabeça rebaixou. Com os braços cruzados, pude notar a forma que seus ombros subiam e desciam pela força do ar que ela puxava. Anahí estava nervosa e muito desequilibrada.

- Inconscientemente você não negou, então é verdade - por um segundo jurei que sua voz ia se calar - Queria poder ajudar, mas preciso saber se o motivo da sua ação tem haver comigo.

- Porque acha isso?

- Deixou de tomar os remédios por minha causa?

- Claro que não! Como isso seria verdade se você é o meu maior motivo de tomá-los.

- Mas nem sempre foi assim... Há alguns dias você me odiava e não queria mais me ver.

- Isso não importa mais. O que realmente existe é o agora, nós dois.

- Então me diga por quê? Porque quis fazer isso?

Eu havia de ser sincero ou nunca teríamos tempo suficiente para mais nada...

- Fiz besteira por achar que nada faria sentido. Lutar sem ter objetivos ou motivos suficientes cansava. Era injusto com a minha família faze-los perder tempo comigo. - o olhar voltou para mim e enfim, mais uma vez, vi a minha esperança ressurgir - Mas quer saber de uma coisa... Não vou seguir um padrão de filme "fim de vida" onde o certo é se afastar, porque eu não quero isso!

As finas lágrimas brotaram nos olhos dela, discretas, apenas avisando que eu podia continuar a dizer o que quisesse.

Livre, continuei a desabafar...

- Se eu tiver que morrer que seja do seu lado, contigo, fazendo você feliz até a minha última gota de ar, de consciência, ou do que eu perder por último. Pode soar egoísta o fato de ignorar o sofrimento de todos, mas não me importa porque se esse for o preço de ter todos ao meu redor, quero pagar.

- Eu não te abandonaria nem se me obrigasse - ouvi aquilo num pequeno fio de voz.

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