Capítulo 52

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Anahí

Já fazia mais de cinco minutos que estávamos nos encarando como duas lutadoras num ringue.
Nesse curto tempo, procurei analisar os porquês.
Porque ela estava ali.
Porque havia voltado.
Porque queria falar comigo.
Porque... Porque...

O fato era que ela estava lá e disposta a me enfrentar igual um touro bravo. Rápido e destrutivo.

- Cansei do silêncio. Precisamos conversar agora.

- Exigências. Muitas.

- Pedido... - ela tentou ser sutil, mas eu não estava nada sutil. - É um pedido. Por favor, vamos para algum lugar mais calmo.

- Não acho que um lugar mudaria alguma coisa no meu humor, ou no clima.

- Então simplesmente venha.

Eu queria negar, mas algo me impedia, e era o meu senso primitivo de curiosidade.
O que ela queria a final? Eu só iria descobrir se fosse junto.

Andamos pela calçada até um café próximo ao hospital e nos sentamos nas mesas de fora, preferi. Um ambiente fechado e privativo demais não me deixaria respirar ao lado dela.

Minha mãe pediu um café expresso e eu decidi que um chá cairia bem.

- Camomila, por favor. - esclareci antes da garçonete se afastar.

Quando voltei minha vista para a mesa a mulher me olhava com uma ternura quase que ridícula.

- Não precisa ficar nervosa. Vim em paz.

- Se falar de uma vez o que quer comigo eu agradeceria. Mas o chá é apenas uma questão de gosto. - menti. Na verdade eu estava apelando na calma para todos os lados.

- Você me trata com tanto asco. Porque?

- Briga familiar? Jura? - usei meu melhor atributo para aquela conversa. O sarcasmo. E se minha memória não falhasse, ela odiava.

- Eu sou a sua mãe acima de qualquer insulto seu, pense bem.

- A única coisa que penso e quero realmente saber é como me reconheceu? Como me achou?

- Isso não vem ao caso.

- Ah, mas vem para este caso e acho bom que fale.

Lancei minha ira com o olhar e nós duas silenciamos. A garçonete segurava a bandeja com uma das mãos e com a outra servia os pedidos, sorridente e indiferente ao nosso humor. Ela então deu mais um curto riso e se despediu.

- Se precisarem de mais alguma coisa é só apertar o botão vermelho desta caixinha, que eu virei.

Balancei a cabeça e ela se foi.
Eu queria apertar aquele botão, mas para alguém levar minha mãe pra longe dali!

- A verdade é que eu nunca deixei de saber aonde você estava.

Aquela sim foi uma boa justificativa.
Como é que é?

- Não acredito nisso. - disse convicta e com o chá engasgado na metade da garganta.

- Sempre me mantive perto, mas depois de um tempo eu me afastei e tive que voltar para o interior - sua voz parou por um segundo, mas ela logo tornou a falar como se eu quisesse ouvir - Tom conseguiu um dinheiro que nos fez viver bem por um longo tempo, mas alguns meses depois ele foi preso por participação no roubo de uma loja e então veio a tona de onde o dinheiro havia saído.

O nome daquele sujeito já tinha sido apagado da minha memória com uma borracha branca. Ele era o meu padrasto e um péssimo marido. Para ser mais curta, ele tinha sido o real motivo da minha fuga.
O ser repugnante bebia e fedia como um porco, e tinha prazer em menosprezar todos daquela casa. E a pior coisa era saber que a minha mãe nunca defendia a mim ou os meus irmãos dele, e ao invés disso se dedicava a servi-lo como uma subordinada.

- Nem uma surpresa nisso. Já foi tarde para a cadeia.

- Eu sei e concordo... Mas ai um dia eu vi um cartaz com uma foto sua usando uma marca de lingerie famosa e foi então que percebi que sua vida havia mudado.

Sim minha vida mudou! Mas não foi necessariamente pelo desfile da R.Dress.

- Então agora veio pedir abrigo pra mim? Lembrou da filha bastarda, que lindo.

- Você não é bastarda e muito menos vim pedir esmolas.

- Então diga de um vez o que você quer?

- Tê-la de volta.

Meus olhos, mareados, foram disfarçados por uma risada sádica. Sorri como se nada daquilo me afetasse, mas no fundo não cabia dor maior.
"Que legal" ela acha que pode se reconciliar depois de tudo o que eu passei...

- Você diz que quer me ter de volta.

Mas que intrigante, julgando que sabe tudo desde que eu fugi. Porque não me levou de volta?

- Tom odiava você e..

- E por isso se desfez da sua filha?

- Não! Era o certo. Sua vida merecia mais.

- Mais? - balbuciei. - Dormir na rua e passar fome é mais?

- E mesmo se eu fizesse isso você fugiria de novo.

- Essa é sua justificativa? Você tinha que ir atrás, todas as vezes, todos os dias, porque é isso que mães fazem!

Por um instante o lugar que parecia tão cheio, estava vazio, os cliente saíram uns seguidos dos outros, como se adivinhassem que a visão de nós duas não seria boa de se ver e ouvir. Não gritávamos, mas as vozes eram trêmulas, carregadas e dolorosas.

- Não me julgue! Eu sou sua mãe, e tive meus motivos para fazer tudo, mesmo que pareça errado.

- Eu jamais faria meus os seus motivos. Nunca.

- Como pode saber o que uma mãe é capaz?!

- Porque eu vou ser mãe.

As palavras saíram rangendo. Eu mesma não quis acreditar nelas a princípio e muito menos imaginei que aquela mulher seria a primeira a saber. Planejei algo mas digno, mas ao que parece não tive chance. A notícia saiu impensada. Simplesmente se encaixando no contexto.

- Mãe?

- Eu jamais deixaria a minha filha se prostituir.

- Isso é parte do seu passado agora, eu sei, mas o que importa é que eu quero ficar do seu lado nessa gravidez minha filha. Recompensar tudo...

- Não - interrompi ja me levantando para pegar o dinheiro de dentro da bolsa e jogar sobre a mesa apertando no tal botão vermelho. - Eram naqueles dias que eu precisava de você, e não imagina como precisei. Mas agora não. Não quero você perto de mim ou da minha vida e não volte a me procurar ou buscar saber mais nada.

- Anahí, filha, escute.

A mulher se levantou, mas eu fui mais dura e andei para trás. Recuando.

- Chega. Já chega!

Andei no sentido oposto a ela, e para minha surpresa não fui seguida. Foi melhor não ser, ou ambas acabaríamos mais encorajadas a nos odiar.

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