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O pouso foi tranquilo. Mais tranquilo que minha mente, pelo menos.

A senhora ao meu lado dormia com a boca levemente aberta, abraçada a uma bolsa almofadada de estampa florida. Por um momento, quase desejei trocar de lugar com ela.

O avião taxiou, os avisos tocaram, e antes mesmo de poder levantar, meu celular já vibrava com dez notificações.

Todas da Minji.

Minji:
Você tem compromisso às 15h, 17h30 e uma ligação com o patrocinador às 20h.
Não inventa de sumir de novo.
Se for guardar boné alheio, esconde.

Suspirei e dei um meio sorriso, cansado.

Descemos juntos e por incrível que pareça, ninguém me parou no aeroporto.

— Dormiu bem? — ela perguntou sem tirar os olhos do celular.

— Como uma pedra. Uma pedra sendo esmagada por responsabilidade.

Ela bufou e me empurrou na direção do carro.

— Se você desmaiar durante a gravação, eu digo que é conceitual. O ator que sofre como seu personagem.

No carro, me encostei na janela. O céu estava nublado e a cidade parecia normal demais depois de Paris.

Quando chegamos no apartamento, Minji subiu comigo para conferir se eu ia mesmo me organizar antes de sair de novo. Enquanto ela falava algo sobre escolher entre dois figurinos, fui direto para a mala.

Abri. Comecei a tirar as roupas e lá estava ele.

O boné do Choi.

Fiquei olhando por alguns segundos. A memória da madrugada anterior veio inteira: o sofá, as risadas, a cerveja, o silêncio confortável.

Minji passou atrás de mim e viu o boné na minha mão.

— Vai devolver?

— Não sei.

— Vai guardar?

— Por enquanto.

Ela assentiu como se já soubesse a resposta. Me conhecia demais.

— Tem duas entrevistas com perguntas abertas. Se perguntarem de novo se vocês dois estão se evitando, lembra da resposta ensaiada, tá?

— "Temos horários muito diferentes." — repeti, sem emoção.

— Isso. E diz com mais cara de ator feliz, por favor.

Ela foi saindo, mas antes de cruzar a porta, falou sem olhar para trás:

— Às vezes, Ji-hoon, parece que vocês se evitam para não descobrir que não querem mais se evitar.

Fiquei parado.

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Ainda eram onze da manhã e eu já havia trocado de roupa três vezes.

Na sessão de fotos, a iluminação estava quente demais, o terno colava no pescoço e o fotógrafo insistia que eu desse "um sorriso suave, mas com intensidade nos olhos".

Era o que eu mais sabia fazer.

No intervalo, desci para sala reservada da equipe e encostei na poltrona de couro, com um prato de arroz integral, frango grelhado e legumes na mão. Minji entrou com o tablet embaixo do braço, mas parou ao me ver comendo.

— Meu Deus. — ela levou a mão ao peito. — Você está comendo... salada? Sem eu pedir?

Olhei para ela, sem paciência.

— É o que tem. E não quero escutar sermão sobre só pedir batata frita pelo aplicativo.

Ela riu.

— Estou impressionada. Orgulhosa até. — se aproximou e fingiu enxugar uma lágrima imaginária. — Nosso garoto está virando um adulto funcional.

— Funcional com olheiras de panda.

— Olheiras de gente trabalhadora. Fica tranquilo, eu coloco blur nas fotos depois.

Revirei os olhos e continuei comendo.

O celular vibrou ao meu lado. Mensagem do stylist. Depois, outra do assistente de produção. Depois, mais duas da agenda compartilhada com Minji.

— Quando eu durmo?

— Em novembro, se a gente der sorte. — ela respondeu sem olhar.

No fim da tarde, fomos direto para uma entrevista em uma rádio digital. A sala estava lotada de equipamentos e eu sentei com o microfone na frente, tentando manter o sorriso automático.

As perguntas eram todas as mesmas de sempre.
Sobre a carreira. Sobre a série. Sobre "o que podemos esperar do próximo projeto". Respondi tudo no piloto automático.

Até que a radialista soltou:

— Ji-hoon, sua vida pessoal é sempre muito reservada, não é? Como você equilibra a fama com... viver?

Sorri, engoli em seco e respondi:

— Dormindo pouco e comendo salada no camarim.

Ela riu.

— Está funcionando! Você está com uma vibe diferente.

Olhei de canto para Minji, que cruzou os braços.

Depois da entrevista, fomos direto pra uma sessão de ensaios em vídeo para uma campanha nova. Mais roupas, mais luzes, mais direção dizendo "mais emoção, Ji-hoon, mais emoção".

Eu entregava tudo. Como sempre. Mas, por dentro, estava no automático, eu estava muito cansado hoje.

Cheguei em casa pouco depois das dez da noite.

A cidade ainda se movimentava lá fora, mas meu corpo só queria parar. Joguei as chaves no balcão, chutei os sapatos no canto da entrada e fui direto para o sofá, sem nem acender todas as luzes.

Larguei o celular no braço do estofado e fiquei ali por alguns segundos, deitado de lado, encarando o vazio. A TV ligada no volume baixo, passando qualquer coisa.

Puxei a manta fina para cima das pernas e afundei um pouco mais no estofado. A cabeça ainda pulsava, mas dessa vez não era cansaço.

Era... excesso.
De tudo.

Fechei os olhos por um momento, tentando desligar.

Plim.

A vibração do celular ao meu lado me tirou daquele meio caminho para o sono. Estiquei a mão devagar, sem pressa.

Quando vi o nome na notificação, meu coração perdeu o ritmo por meio segundo.

Abri.

Choi Hyun-wook:
Vai ficar com meu boné pra sempre?

Fiquei olhando para a mensagem por longos segundos. Nada a mais. Nenhum emoji. Nenhum tom definido.

Poderia ser uma brincadeira.
Ou uma provocação.
Ou só um jeito casual de puxar assunto sem parecer que queria puxar assunto.

Suspirei.

Levantei devagar e fui até a mala ainda meio aberta no canto do quarto. O boné continuava ali, dobrado de qualquer jeito, mas intacto.

Peguei, observei o tecido. Ele ainda tinha um cheiro vago de perfume e cerveja.

Voltei para o sofá com o boné na mão. O celular ainda aberto, esperando uma resposta.

Escrevi e apaguei algumas vezes. Depois respirei fundo e mandei:

Ji-hoon:
Achei que você tinha deixado de propósito. Um presente da sua coleção.

A resposta veio rápido.

Choi Hyun-wook:
Não sou tão generoso assim.

Sorri.

A primeira vez no dia que sorri de verdade.

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