25 de Novembro - livros e diários

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Hoje pela manhã o Vincent acordou um pouco mais cedo ou talvez não tenha dormido pela noite. Sabe, o bom de conhecer teus amigos é isso, ele não disse nada mas eu sabia que a consciência dele estava pesada, ele nem se quer me deu bom dia, permaneceu apenas olhando para parede enquanto assobiava.

O Stein acordou quando a aura chegou com o café, porém nem ele nem o Vincent quiseram comer, preferiram ficar com cara de ganso. O café hoje era salada de frutas com um suco de alguma fruta que eu não sei identificar, é bem cítrico e no fundinho ele amarga um pouco.  A nossa manhã foi assim, cada um no seu canto, não quis atrapalhar os pensamentos dos meninos então também fiquei na minha apenas esperando que um dos dois viessem falar comigo.

Pela tarde foi um pouco diferente, os dois permaneceram quietos, porém alguém realmente veio falar comigo. A aura chegou com a chave da grade e junto com outro militar tirou eu e os meninos da cela. Nós fomos andando por um longo corredor e chegamos na biblioteca do presídio. Segundo a aura os prisioneiros podem pegar até três livros e só podem passar até duas horas lendo aqui na biblioteca, desde que respeitem as regras. Os prisioneiros devem ficar em silêncio e não podem sair do alcance das câmeras. Nós também não podemos vir todo dia, isso é óbvio, mas achei justo que eles liberem a gente pelo menos duas vezes por semana.

A biblioteca é cheia de livros, sei que parece uma observação boba, mas realmente tem muitos livros, e são livros novos, nenhum rasgo ou mancha de antiguidade, todos estão bem conservados. O Stein decidiu sentar em uma mesa mais afastada, ele pegou um livro sobre borboletas. Já o Vincent decidiu sentar no chão mesmo. Não consegui conter a risada vendo que o Vincent estava lendo a branca de neve e os sete anões, porém ri apenas internamente, até então se ele escolheu esse livro teve algum motivo.

Desde pequeno sempre tive um certo carinho por livros de ficção e aventura, então fui direto procurar um livro que falasse sobre dragões, monstros ou piratas. Achei um até que interessante, falava sobre um garoto que procurava junto com o seu pai uma espécie de pedra mágica que ressuscita pessoas, até que é interessante, parece infantil mas tem uma crítica direta e desenvolvida em relação a busca pelo amor entre outros diversos fatores.

Nós ficamos um bom tempinho lendo os livros, o Vincent gostou tanto que foi dormir para sonhar com a branca de neve, já o Stein permaneceu paginando as folhas do livro sobre borboletas. O relógio da biblioteca batia uma da tarde e foi o exato momento que a aura entrou, puxou uma cadeira e se sentou do meu lado. Eu novamente não sabia muito o que falar então disse:

-Oi Aura.

Ela abriu um sorriso bem bonito, puxou o livro da minha mão e disse:

-Sobre o que fala esse livro? Ah que maneiro, sobre piratas? Não sabia que você gostava desse tipo de livro, jurei que só lia documentários e casos policiais, até então você é jornalista né?

Eu estranhei ela saber tanto sobre mim mas respondi com educação e sem demonstrar interesse:

-Ehh, gosto sim.

Ela então puxou o MP3 da bolsa, colocou a boina sobre a mesa e me entregou um lado do fone e me falou com uma certa animação:

-Vai, coloque o fone, vamos se animar um pouco.

No fone estava tocando "cool kids", fazia tempo que eu não ouvia essa música, traz uma alegria contagiante confesso. A aura em cada nota da música entrava em êxtase, cantava e não se importava com os outros militares e prisioneiros que estavam na biblioteca, ela infligiu nesses dias mais regras do que eu e os meninos juntos. A boina rosa então continuou dançando mas dessa vez ao som de "Gift of a Friend", Isso até um militar puxar o nosso fone e falar:

-Ei! Se comporta senhorita aura, lembre-se das regras.

Eu estranhei o fato dela ser chamada de senhorita mas segui escutando a música juntamente a aura, mas dessa vez ela disse:

-Vamos Toomas, levante, vamos para um lugar onde podemos escutar música em paz.

A aura parecia uma adolescente sabe? Não que seja ruim, porém por ela ser militar eu esperava um pouco mais de postura. Nós então fomos para trás de uma prateleira e novamente a aura quebrou uma regra, mas nenhum militar veio atrás da gente. A aura então colocou a música no máximo e começou a balançar a cabeça e o corpo no ritmo da música. Nós ficamos ouvindo música por uns quinze minutos até um dos militares perceber o meu sumiço e vir atrás da gente. A aura além de extrovertida era dona de uma maneira única de resolver as coisas, ela sabia fugir dos problemas. Como ela percebeu que alguém estava vindo, ela derrubou uma grande quantidade de livros no chão e pediu que eu a ajudasse a organizar. Quando o carcereiro chegou ela olhou para ele com o olhar sério e disse:

-Gostaria de alguma coisa Senhor Ferreira?

O militar então olhou para ela e disse:

-Esse prisioneiro descumpriu a regra da biblioteca, devo levá-lo para a caixa de vidro?

A aura então abriu um sorriso bobo e falou:

-Ah sim, me desculpe senhor Ferreira, eu que chamei ele até aqui, eu precisava pegar um livro que estava no alto e acabei fazendo toda essa bagunça, mas olha achei o livro que eu procurava.

O militar então fez um sinal de reverência e depois saiu com um olhar confuso. A aura não se aguentou e começou a rir, depois devolveu o livro sobre reprodução de cangurus de volta à prateleira. Eu fico imaginando o que o militar deve ter achado daquele título e o por  qual motivo dentro dessa biblioteca tem um livro sobre reprodução de cangurus.

Quando deu a hora de sair da biblioteca a aura me puxou pelos braços e fomos até os meninos que estavam dormindo que nem dois cachorros cansados. Eu então me aproximei deles e os acordei e depois seguimos até nossa cela. A aura não nos acompanhou mas toda aquela energia contagiante não saia do meu corpo, ela viajava como se a aura ainda estivesse comigo.

Nós chegamos na cela por volta das duas e meia da tarde e chegando lá já fomos comer o prato de macarrão com purê de batata doce. A comida hoje faltava um pouco de sal mas estava bem gostosa.

Pela noite os meninos continuaram sem se falar um com o outro. O Vincent foi dormir bem cedo, estava parecendo tão tristinho. O Stein já estava mais pensativo e não expressava nenhuma expressão, para falar a verdade eu nem sei que horas ele foi dormir, até então eu estava morrendo de sono e acabei capotando enquanto eu olhava para aqueles dois birrentos.

Diário de um injustiçado Where stories live. Discover now