03 de Novembro - Repleto de fungos

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Hoje eu tenho quase certeza que estava chovendo. O barulho dos trovões mal davam para ser escutados da solitária, mas eu conseguia sentir a vibração. Assim como os outros dias eles me entregaram alimentos mofados e sujos, dessa vez me trouxeram um pedaço de queijo, um queijo com cheiro horrível e aparência pior ainda. Quando eu o abri tinha um jardim de fungos, além dos fungos tinham larvas rodeando os buracos do queijo, parecia um jardim botânico versão apocalipse zumbi. Estava tão nojento, mas aquela colônia de fungos era o único ser vivo dentro daquela solitária além de mim, nem ratos tinham lá, muito menos baratas, acho que nem eles aguentaram a quantidade de sujeira que estava lá dentro, uma sujeira que se entendia do chão ao teto.

Durante a tarde um guarda me trouxe uma garrafa d'água, mas antes de me entregar retirou a tampa, lambeu a boca da garrafa e cuspiu dentro, logo depois com a garrafa ainda aberta lançou para dentro da solitária por uma abertura na porta. Quando eu escrevi sobre o desprezo dos guardas eu não estava sendo dramático e muito menos tentando escrever um conto de ficção, eu estava verdadeiramente contando o que estava havendo dentro daquela solitária. Ontem durante a madrugada eles urinaram por baixo da porta, eu só reparei porque acordei com o cheiro e com a roupa molhada. Além disso, eles passam a cara trinta minutos na porta da solitária só para dizer o que eu fiz com o guarda. Eles me lembram de cada crime que me incriminam e ainda conseguem me gerar traumas com ameaças.

O tempo passava tão devagar e minha barriga não parava de roncar, minha boca estava seca e a água que o guarda entregou caiu praticamente toda pelo chão, sobrou menos que a metade da água. Os fungos já estavam ficando com o corpo esturricado e a chuva que caiu pela manhã trouxe apenas mais calor. Era possível sentir as gotas de suor na minha testa e naquele momento eu já comecei a delirar, não me veio outra coisa na cabeça a não ser me alimentar do queijo mofado. Não sei se por conta da fome eu nem senti direito o gosto, ou talvez pode ter sido por conta que eu estava muito fraco, delirando. Só sei que o queijo mofado com fungos e larvas não caiu tão ruim não, pelo menos até chegar a noite.

DOR, MUITA DOR! Minha barriga pedia socorro, parecia que os fungos tinham feito um jardim na minha barriga, um jardim de flores mortas. Eu não pude aguentar, joguei tudo para fora, como se não bastasse a sujeira daquela solitária eu ainda tive que conviver com o meu próprio vômito, um cenário ridículo né? Quem diria que eu teria que conviver com tanta nojeira, logo eu que sempre andava perfumado, bem arrumado e sempre com o cabelo feito. Eu estava parecendo um bicho enjaulado, um bicho entediado e sujo, preso entre as paredes mofadas de um presídio.

Por volta de umas seis lá que horas um enfermeiro veio na solitária e me entregou uma garrafa de água e um pedaço de bolo e depois colocou um acesso venoso com soro. O enfermeiro não aguentava o odor do local e muito menos os dejetos que estavam pelo chão e pela parede. Ficamos uns trinta minutos olhando um para o outro enquanto o enfermeiro regurgitava. Antes de sair ele tocou no meu ombro e disse:

-Me desculpe por não poder fazer muita coisa,isso é crueldade, me desculpe cara.

Eu mal conseguia responder, então apenas acenei com a cabeça. Depois disso ele foi embora e eu acabei capotando de sono. Eu não consegui me segurar apenas dormi, pelo menos acho que dormi, não duvido nada que tenha sido um desmaio.

Diário de um injustiçado Where stories live. Discover now