04 de Novembro - Sinos da igreja

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Hoje pela manhã eu conseguia escutar sinos, provavelmente de alguma igreja perto do presídio. Eu lembro de quando eu ia nas missas pela manhã com os meus pais. Minha mãe sempre utilizava os seus vestidos longos e floridos e meu pai vivia sempre com o seu terço em mãos. Diz minha avó que minha mãe se chama Joana por conta de uma santa católica que lutou nas principais batalhas da França. Minha mãe nasceu prematura e seus pulmões não estavam se desenvolvendo e por conta disso acabou indo para a UTI e ficou um bom tempo respirando por respirador. Essa história merecia um filme, né? E é por isso, por ser tão guerreira que minha avó nomeou ela em homenagem a santa Joana d'arc.

Eu lembro que minha mãe ficava muito estressada quando eu entrava em casa e ficava chamando ela de joaninha, ela me xingava e depois me enchia de cosquinhas. O sorriso dela lembra muito uma flor primavera, ele abre e deixa todos ao redor felizes. Minha mãe sempre foi muito doce, eu me lembro das vezes que ela fazia um banquete para servir a suas clientes. Mensalmente as suas clientes iam comer lá em casa, elas ficavam até tarde conversando sobre decoração de casa, era tão chato.

Meus pais sempre foram muito dóceis, meu pai por exemplo sempre foi o meu grande heroi, não gostava de falar muito porém demonstrava o seu carinho por meio de algumas ações. Meu pai sem dúvidas foi um dos maiores jornalistas que eu já vi, ele entrava nas comunidades e realizava as reportagens sem nenhum medo, eu via ele como o Superman da televisão, só faltava uma capa. Minha mãe morria de preocupação, xingava tanto ele quando ele voltava para casa, mas depois ela enchia ele de beijo e ele ficava todo envergonhado. Quando meu pai faleceu minha mãe ficou em um choque gigantesco, ela já não fazia mais aqueles banquetes e não convidava mais as suas clientes. Diz os médicos que era uma depressão severa, ela não comia direito e nem se cuidava. O que deu mais ânimo nela foi a proposta de trabalho no exterior, ela ficou tão feliz, era possível ver o sorriso florescendo nela de novo, ela arrumou as malas e ficou excitada para correr até o aeroporto. Eu gostaria muito de ir com ela, mas eu estava no último semestre da faculdade e não podia viajar se não eu poderia perder a vaga, mas mal eu imaginava que o que eu perderia era minha mãe.

O voo que minha mãe pegou tinha como destino a Áustria, ela ia decorar a casa de uma atriz famosa, porém durante a viagem o avião teve uma turbulência e acabou caindo. Ele caiu em uma pequena ilha mas foi localizado rapidamente por conta da chamada de emergência que o piloto enviou. Foram quarenta mortos e vinte e três feridos, entre os feridos estava a minha mãe, minha avó estava certa, ela era uma guerreira.

Todos foram levados ao hospital e minha mãe teve uma pequena melhora, porém estava muito machucada ainda. A primeira vez que ela abriu os olhos ela começou a chorar e virou os olhos para imagem de nossa senhora que estava sobre uma prateleira ao lado da sua maca, ela nem sequer olhou para mim. Eu fiquei com ela até o último minuto de vida, sendo esse período de tempo o mais difícil para mim. Antes dela descansar eu chamei um padre para entregar a unção dos enfermos e ele veio rapidamente e felizmente entregou a unção antes dela ir embora. Naquele momento eu não sei se por conta do choque, mas eu não fiquei triste ou depressivo, eu apenas comecei a rir, a ficha só veio cair quando eu estava na casa da Estella, ela preparou uma pipoca, jogou chocolate por cima e depois fomos assistir um filme. Durante o filme apareceu um poster com a imagem de santa Joana d'arc e foi aí que eu percebi que minha guerreira se foi, que minha mãe queimou e sua alma subiu para o céu, foi naquela cena do filme que eu me vi sozinho no mundo, eu tinha apenas os meus amigos.

Sabe? O meu pai morreu quando eu tinha acabado de completar vinte e dois anos e um ano e meio depois a minha mãe veio a falecer. Parece loucura, mas tudo aconteceu muito rápido. Eu lembro como se fosse hoje: No dia dezoito de Setembro, alguns dias depois da minha carta de motorista ficar pronta, ocorreu a morte do Adrus e da Estella e alguns dias depois eu fui para o presídio. Em menos de uma semana eu tentei me matar e depois fui direcionado para a cela do senhor Tamik que também morreu. Ah não sei, será que eu só vim para a terra para enterrar quem eu amo? Mãe? Pai? Por favor, rezem por mim.

Diário de um injustiçado Where stories live. Discover now