29 de outubro - Uma grande dívida

5 0 0
                                    

Hoje o dia amanheceu com uma leve neblina no céu de Pamplona, a garoa descia como um chuveiro aberto. Confesso que o pavor nunca havia chegado dessa maneira para mim, nem quando eu tive em meus braços a minha melhor amiga. O meu subconsciente ordenava que eu falasse para os guardas, mas o meu corpo se negava em aceitar essa ordem. O tempo se passava e eu só imaginava as loucuras que o Diablo poderia cometer, eu não conseguia pensar em nada. Era uma verdadeira cena de um livro de terror ou de um filme de suspense, a curiosidade é gigantesca, mesmo sabendo que iremos nos assustar no final. Eu estava tão exausto, nem consegui dormir, eu fiquei a noite toda rolando na cama.

O relógio do guarda marcava aproximadamente uma da tarde e ele não parava de tremer por conta da ansiedade do carcereiro, ele parecia estar nervoso. O suor descia sobre o seu rosto e suas mãos não paravam quietas,ele parecia estar preocupado com algo e eu sentia no fundo do meu peito que ele estava sentindo uma dor profunda. Quanto mais o tempo passava mais nervoso ele ficava, então eu fui até ele e perguntei se ele precisava de algo. O guarda tinha um semblante calmo e doce, os seus olhos pareciam um âmbar e sua pele praticamente roxa de tanto medo e pavor. O guarda não respondeu minha pergunta, apenas desviou os olhares para mim e começou a chorar. O meu corpo não podia aguentar e eu pedi para segurar as mãos dele, o guarda então como um pedido de socorro estendeu a mão e apertou fortemente as minhas mãos. Naquele momento eram somente nós dois, um guarda e um prisioneiro, ele parecia tão nervoso, seus olhos estavam gélido e suas mãos não paravam de suar, não me restou outra ação a não ser conversar com ele, então eu inflei o peito e disse:

- Seu guarda? Vamos fazer o seguinte? Algo também está preso dentro de mim, vamos um contar para o outro o que está havendo.

O guarda pareceu gostar da minha sugestão e então gaguejando me disse em voz baixa:

- Eles estão nos ouvindo Toomás, eles estão com a minha esposa e as minhas filhas. O Diablo vai nos matar, Toomas, fui eu que achei o aparelho celular, eu que denunciei eles.

O desespero do guarda passou também para o meu corpo, eu não sabia como reagir ao que ele havia acabado de me contar. Eu então enchi o peito de ar novamente e contei a ele sobre os pães e da carta, mas antes disso ele abriu a cela e me puxou em silêncio. O guarda foi me puxando e enxugando as lágrimas e soava baixinho uma única palavra "Desculpa" , o guarda permanecia assustado e eu sentia o suor em suas mãos aumentar, sem dúvidas além de amedrontado ele estava muito nervoso.

O relógio marcava duas e meia da tarde e ele me levou até uma sala que havia um cartaz escrito "Somente para funcionários". Lá dentro estava escuro e quando ele fechou a porta dois grandes homens fecharam as nossas bocas e nos prenderam em uma cadeira. De trás de um armário saíram uns quinze prisioneiros com pedaços de vigas metálicas nas mãos. Eu apenas suspirei e imaginei a minha morte.

Por volta das três horas eles desligaram as luzes e começaram a bater em nossas pernas, eu digo "nossas" pois eu escutava a agonia que o guarda estava sentindo. Minhas pernas já não aguentavam e eu só sentia as lágrimas rolando sobre o meu rosto. Eles nos espancaram por mais ou menos uma hora até o Diablo chegar a acender a luz. Ele apresentava um semblante calmo e pacífico e gargalhava como se estivesse possuído pelo próprio mal. As minhas pernas estavam com alguns ferimentos em carne viva e a do carcereiro não estava diferente. O Diablo então se aproximou e em suas mãos trouxe dois aparelhos celulares, e disse em tom baixo para mim e para o guarda:

-Está aqui em minha frente os dois retardados que acabaram com os meus negócios. Vocês tem ideia do que tinha naquele celular? Naquele celular tinha uma quantia surreal de dinheiro e vocês vão pagar por isso, vocês entenderam?

Depois disso ele aproximou o celular dos nossos ouvidos com um sorriso entreaberto no rosto. O guarda ao escutar a ligação ficou com os pelos arrepiados e começou a se debater. Na minha linha de ligação ainda não havia ninguém, porém depois de um tempinho uma criança começou a falar, ela pedia socorro e do lado dela uma outra criança, acredito que ela fosse mais velha por conta do tom de voz. Os meus olhos então se abriram e minha pupila dilatou, eu só queria surrar a cara do Diablo, eu imaginava que ele fosse me matar ou me torturar fisicamente, porém ele havia pegado os meus meninos, os meninos que eu arrisquei minha vida para estar perto. Foi ele? Foi ele que atirou no Adrus? O que ele quer com essas crianças? Aquela ligação gerou uma onda de ódio em mim e no guarda, porém o Diablo não demonstrou nenhum medo ou preocupação, ele apenas gargalhava das nossas caras. Ele ficou rindo e gargalhando por um tempo e depois trouxe um guarda com o dobro do meu tamanho, em suas mãos tinham dois canos de metal e ele vinha se aproximando também com zombaria e gozação com a nossa cara. O Diablo então se aproximou novamente e disse:

-Eu não estava brincando quando disse que alguém pagaria pelo valor que eu perdi. Eu vou explicar apenas uma vez. Cada um pegará uma viga e nos soltaremos suas mãos, qualquer gracinha eu juro que eu mato a "família" de vocês. Eu quero ver sangue, então os dois irão se bater até que um pare de respirar, quem não aguentar vai perder, porém podem ficar tranquilos que iremos manter os seus "parentes" vivos.

Logo depois ele permaneceu gargalhando da nossa cara e entregou em nossas mãos os dois canos de metal. Eu e o guarda ficamos se encarando por alguns minutos até que o guarda levantou e correu até mim, porém caiu no chão, eu imagino que por conta das pancadas que os prisioneiros deram em suas pernas. A passagem para a porta estava vazia, porém haviam muitos prisioneiros em volta de nós dois. Naquele momento o meu sangue ferveu e no impulso eu larguei o cano no chão. O Diablo então fechou a cara e disse:

- Você está de brincadeira né? Pegue o cano agora! AGORA!

Eu não mexi um único dedo apenas comecei a gargalhar da situação. O Diablo então com o peito estufado gritou:

-ME OBEDEÇA! PEGUE O CANO E MATE ELE! VOCÊ QUER QUE EU MATE A CRIANÇA?

Os meus olhos ferveram e então eu peguei o cano e em um movimento rápido acertei o rosto daquele capeta. Os prisioneiros então vieram em massa para cima de mim, porém o Diablo ordenou que eles ficassem onde estavam e disse em alto tom:

-ATIRE NO MENINO! QUERO VER SE O SICÁRIO ESPANHOL NÃO SE AQUIETA.

O barulho do tiro foi captado pelo microfone do celular, e eu ouvi em bom tom. A criança mais velha parecia chorar. Sua voz era mais grave e ela pedia desculpas. Os meus joelhos não se aguentaram e eu caí no chão junto ao guarda, eu não tinha mais forças nem para chorar. O Diablo então pegou o cano do chão entregou em minha mão e disse:

-LEVANTA SICÁRIO ESPANHOL, VOCÊ NEM VAI SENTIR REMORSO PELA MORTE DESSE GUARDA, VOCÊ MATOU OS SEUS PRÓPRIOS AMIGOS, PEGUE O CANO E MATE ELE OU ENTÃO EU MATO A OUTRA CRIANÇA, É ISSO QUE VOCÊ QUER?

Eu não tive muito tempo para pensar,o meu corpo estava muito dolorido e minha cabeça totalmente confusa,eu só conseguia pensar no Adrus e no Henry, no semblante doce dos dois. O guarda agonizava de dor, porém meus músculos não obedeciam meu comando. Eu então peguei a barra de ferro e lancei sobre a cabeça do guarda que caiu dando um suspiro gélido, o relógio estava quebrado e os ponteiros marcavam sete horas da noite, o tempo passou e eu nem percebi, porém do que adiantava? naquele momento, eu apenas me sentia tão sujo quanto os outros prisioneiros, eu não tive muito reação, apenas queria estar morto junto ao guarda. Minhas mãos começaram a fraquejar e meus joelhos me forçaram a cair no chão. A cabeça do guarda vazava sangue e os prisioneiros gargalhavam junto com o Diablo, foi essa a cena que eu presenciei antes de desmaiar.

Diário de um injustiçado Where stories live. Discover now