12 de outubro - Tapa olho

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Chuva, muita chuva! Foi assim que o dia amanheceu. Já pela manhã os enfermeiros me carregaram até uma sala de exame e lá eles tiraram praticamente todo o meu sangue, eu já não tinha mais forças nem para falar. As enfermeiras chegaram com uma agulha que sem dúvida era para furar cavalos e depois já vinha com aqueles potinhos que dava para encher uma jarra de um litro só com sangue. Eu lembro de quando minha mãe me levava para tomar vacina, os médicos me davam tanto medo, eu me sentia em um verdadeiro filme de terror. A minha mãe sabendo disso levava um tapa olho, sabe aqueles que usamos para dormir? Eu chamava de tapa olho por causa que meu pai colocava ele cobrindo somente um olho e ele parecia um pirata. Com o tapa olho eu não conseguia ver os médicos e quando a doutora ia aplicar a vacina minha mãe apertava bem forte a minha mão e eu não sentia a agulha entrar. Não vou mentir, eu só queria um tapa olho nesse momento.

Após o término da colheita de sangue eu voltei para a sala que eu estava, lá as crianças ainda estavam dormindo e o senhorzinho segurava um terço nas mãos e rezava lentamente. Novamente às oito horas da manhã o enfermeiro trouxe as bandejas com café da manhã e dessa vez me entregou uma. Os meninos comiam os pães com a maior vontade do mundo e rapidamente fui fazer o mesmo, minha fome estava gigantesca! Odeio fazer jejum.

Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vem a nós o vosso reino[...], O senhorzinho repetia essa oração o tempo todo, uma oração que eu gosto muito, ela toca o meu corpo de uma maneira tão boa. Eu passei a tarde acompanhando o senhorzinho passar os dedos pelas esferas do terço, porém eu não esperava que ele fosse largar o terço no chão. Naquele momento eu não pude me segurar e levantei da maca para pegar o terço que estava sobre o chão. O guarda correu em minha direção e segurou fortemente os meus braços, as crianças estavam desesperadas e o monitor do senhorzinho começou a apitar em um alarme estrondoso. Rapidamente os enfermeiros entraram e começaram o RCP porém infelizmente eles tiveram que cobrir o rosto do senhorzinho com o cobertor da maca. Silêncio, puro silêncio, foi assim que ficou aquela sala durante um bom período de tempo.

O relógio bateu dez horas da noite, o enfermeiro chegou novamente com as bandejas e dessa vez ele me entregou alguns papeis com orientações pré cirúrgicas, eu aproveitei o momento e li todas, segundo ele o transplante aconteceria amanhã pela tarde. Os papeis apresentavam diversas orientações, entre elas o código de medidas extremas que permitia que os médicos me trouxessem de volta caso eu perca batimentos. Eu perdi as horas lendo os papeis que o enfermeiro me entregou, eu nem vi os meninos dormirem, eles parecem anjos deitados, tão fofinhos. Foi com essa imagem linda que eu dormi, mesmo estando um pouco chateado pelo oq ocorreu com o senhor, que ele possa descansar.

Diário de um injustiçado Kde žijí příběhy. Začni objevovat