18 de Novembro - Tabuleiro de xadrez

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Hoje pela manhã eu acordei com o Vincent deitado de costas e com as mãos embaixo da cabeça, ele estava escutando um vídeo da sua câmera. Eu não quis atrapalhar, então me deitei para o outro lado e apenas escutei. O áudio estava baixo porém deu para entender algumas coisas, eram filmagem de diversos depoimentos de presidiários, um mais complexo que o outro. Eu fiquei escutando até o Vincent falar:

-É Toomas, sabia que é feio ficar ouvindo coisas de outras pessoas? Não te permiti.

Eu fiquei tão envergonhado que tentei pedir desculpas, porém não consegui. O Vincent então tacou um peça de xadrez na minha cabeça e disse:

-Estou brincando né seu bobo. E aí? Agora está preparado para contar sua história?

Eu dessa vez decidi não fugir, porém pedi uma coisa em troca. Fazia tanto tempo que eu não jogava xadrez e eu precisava saber de onde ele havia tirado aquela peça. O Vincent então deu uma risada, pegou um pequeno tabuleiro do saco plástico e colocou sobre a cama. Segundo ele, aquilo era só uma maneira de fazer a gente perder tempo, uma forma chata de passar tempo.

A nossa manhã foi toda para minha entrevista, o Vincent tirou quase tudo que queria de mim e ele me surpreendeu com imparcialidade dele quanto com os relatos, parecia um jornalista. Eu não pude me conter, olhei para ele e disse:

-E você Vicent? Me conte mais sobre você.

O Vincent então fechou o rosto e desligou a câmera. Eu não sabia que o passado dele poderia ser ruim, eu apenas fiz uma pergunta boba, uma simples pergunta. O Vincent então olhou para mim e disse:

-Sabe Toomas eu vivi pulando de reformatório a reformatório. Cresci em meio ao crime e entrevistei diversas pessoas, porém você é a única em todos esses anos que me perguntou a minha história.

Eu não tive muito reação, apenas segurei na mão dele e falei:

-Fica tranquilo Vincent, se não quiser contar eu te dou esse tempo, até então você me deu um tempo também né?

O Vicent pela primeira vez desde que chegou ficou quieto, guardou a câmera e ficou pensativo. Eu não sabia muito bem o que fazer, então peguei o tabuleiro e fiquei jogando para passar esse tempo que segundo o Vincent é precioso e não deve ser gasto com coisas bobas como o xadrez.

Durante a tarde, um militar chegou em nossa cela e chamou o Vincent, eu não entendi muito bem, mas segundo o militar ele tinha que passar pelo médico do presídio. Praticamente toda a tarde se foi com essa ida do Vincent, o tempo passou tão depressa que eu mal percebi. O Vincent é um garoto muito simpático e dono de um sorriso encantador. Sabe aquelas crianças que não param de falar? Esse é o Vincent, ele não para de falar, é o tempo todo falando sozinho ou tentando conversar comigo. Faz apenas dois dias que ele chegou, mas ele fala tanto que parece que já se passou uma semana.

O Vincent chegou um pouco tarde, eles já tinham até entregado o almoço. Hoje foi arroz com grão de bico, até que é gostoso. O Vincent chegou com um belo sorriso no rosto e sentou-se na cama olhando para mim. Eu então se dirigi a ele e perguntei:

-Vincent, a consulta foi boa? Como você está? Pelo visto foi boa né?

Ele continuou sorrindo, mas seus olhos estavam se enchendo de lágrima, eu fiquei sem reação, não sabia o que fazer, ele então olhou para os meus olhos e disse:

-Eu consegui Toomas, eu consegui.

Depois disso ele caiu no choro. Eu não tive outra reação a não ser sentar do lado dele e deitá-lo sobre o meu ombro. Eu não sabia muito bem como reagir a esse tipo de reação, então só fiquei em silêncio. O Vincent então disse:

Diário de um injustiçado Where stories live. Discover now