14 de Outubro - Grama molhada

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A cirurgia demorou cerca de quatro horas, e não houve nenhuma complicação, isso segundo o que os médicos me falaram antes de saírem do quarto pós cirúrgico. Era um quarto como os outros, porém com uma só maca e um silêncio mortal, as paredes estavam cheias de equipamentos e uma janela com uma bela cortina, me lembra um pouco a antiga cortina da minha casa de infância, uma cortina bege com detalhes de flores.

Pela tarde os enfermeiros trouxeram uma papa de aveia, que vai por mim, estava ótima! Talvez pelo fato de que eu estava com muita fome, porém realmente caiu muito bem no meu paladar. Eu lembro que minha mãe fazia papa de aveia para o meu pai todo dia antes dele trabalhar. Eu achava tão engraçado o bigode dele coberto pela papa de aveia, parecia um cachorro depois de terminar de comer a pasta de ração. Meu pai sem dúvidas foi uma das pessoas que eu mais me inspirei no mundo, ele foi o meu heroi sem capa. De vez em quando meu pai chegava mais cedo em casa pegava o microfone que ele trabalhava e a gente cantava ao som da banda Beatles, eu me sentia um verdadeiro astro do rock.

Por volta das cinco da tarde o clima começou a esfriar e quando menos esperei começou a chover. A chuva caía lentamente e a brisa suave entrava pelo meu quarto. Pela primeira vez depois de meses eu me senti livre, mesmo estando preso a algemas, que no meu ponto de vista eu não acho necessário já que um guarda me acompanha para todo lugar que eu vou.

É surpreendente como o cheiro de grama molhada conseguia atravessar cada canto do hospital e chegava nos nossos narizes, é um misto de emoções e nostalgias que nós leva a êxtase, o cheiro da grama construía uma completa harmonia com a brisa leve que entrava no quarto, e o som da chuva era quase como uma orquestra para os meus ouvidos, eu consegui chegar em um nível altíssimo de relaxamento.

Quando eu ficava com o meu pai naquela cabana de férias quase sempre chovia e aquela chuva caía por horas e eu e meu pai dormíamos em frente a lareira acesa. Pela manhã subia aquele cheiro de terra molhada e junto com esse cheiro a grama exalava o aroma que tomava conta do nosso nariz. Eu não curtia muito aquele lugar, porém aquela cabana é uma das mais impressionantes fontes de memória que eu tenho do meu pai, eu não consigo olhar para aquela cabana sem pensar nele.

O meu pai sempre foi muito sério e realizava um trabalho delicado, mas quando ficava só eu e ele tudo mudava, ali era o meu pai, ali era o homem que me mostrou que a vida deve ser aproveitada ao máximo. E foi sentindo esses belos sinais da natureza e lembrando dessas cenas que cai no sono e dormi, como se não bastasse os medicamentos para controlar as infecções, agora tenho mais um estímulo para dormir, mas não posso reclamar né? Naquele presídio nem dormir eu conseguia.

Diário de um injustiçado Tahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon