90 Suspeitas...

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Eloá,

A agonia da espera é a pior parte. Qualquer mínimo barulho, ou enfermeiro que surge pelas portas, me faz saltar no assento. Quando eles passam direto, ou quando percebo que o barulho que escutei não é nada, volto a cair no ombro da Duda.

As lágrimas não param de rolar, e o buraco negro em meu peito pulsa incansavelmente de apreensão e expectativa.

Será que vai dar certo? Será que a médica retornará trazendo boas notícias? Ele vai sobreviver?

Policiar meus pensamentos já não adianta tanto. A dor é aguda e dilacerante. O terror de existir a mínima possibilidade de eu não poder estar com ele novamente, é devastador. Corroí e rasga meu coração. Tudo está vazio agora, frio e cinza. Terrível, insuportável, um castigo!

Todos compartilhamos da mesma preocupação intimidadora. Cavera agachado no chão, ao que parece, num longo e furioso diálogo por mensagens no celular; Dona Marta, balbuciando orações e chorando; e Duda, sendo meu alicerce.

Aquela cena horrível não sai da minha cabeça. A lembrança daquela faca alojada no abdômen do Donga, o olhar maléfico daquele homem, o tiro, a multidão, os gritos... É tudo muito inacreditável e assombroso!

Ouvimos outros gritos agora, vindos das profundezas dos corredores. Ao reconhecer a voz do Samuca e da Manu, Dona Marta interrompe o choro e aguça a audição, para ter certeza de que se trata mesmo da voz dos filhos. Concluindo que sim, tem o impulso de saltar do acento e ir saber do que se trata. Duda e eu temos uma reação parecida. Alarmadas, também saltamos de nossos lugares.

Numa guinada subjacente, Cavera corre para deter Dona Marta e impedi-la de ir atrás do barulho.

— O que é isso? Que confusão é essa? — intrigada, ela encara o Cavera como se ele tivesse tais respostas.

— Melhor a senhora ficar aqui, dona Marta. Eu vou lá averiguar, jaé? Senta ai! — ele a acomoda em seu lugar de novo.

Ninguém entende do que se trata, mas pode-se deduzir ser coisa séria. Os berros retumbantes e furiosos do Samuca praticamente estremecem as paredes por onde passam, até atingirem o corredor em que estamos.

Assim que Cavera se precipita em direção a gritaria, Manuela rompe de uma das portas, os cabelos cobrindo a lateral do rosto e os olhos pregados no chão. Ela some em passadas violentas pela porta da recepção sem dizer uma palavra e ignorando os pedidos de explicação de sua mãe. Dona Marta, que fora atendida e tomara um remédio para pressão, não parece nada melhor com esse novo conflito familiar.

O que teria provocado essa explosão de fúria no Samuca e a fuga da Manu?

Logo após, Samuca e Paloma surgem no corredor. Ele, muito irritado e ainda vermelho do esforço da gritaria, e Paloma aturdida, os olhos molhados de chorar.

— O que aconteceu, Samuel? — Dona Marta logo o interroga.

Samuca senta a Paloma na cadeira vaga ao lado de dona Marta, sua expressão mostrando que ele não gostaria de falar do assunto e que, definitivamente, a coisa foi feia.

Taciturno, ele resmunga para a mãe:
— Nada... — se certifica de que Paloma está bem, limpando seu rosto e beijando sua testa ao fim da fiscalização.

— Como assim nada? Que gritaria foi aquela? Por que a Manu saiu daquele jeito? — dona Marta não se deixa enganar. Ela sabe que "nada" está bem longe de justificar um Samuel exaltado, uma Paloma chateada e uma Manu irritada.

— Mãe, com todo respeito, aquela garota é uma... — Samuel ia falar algo desagradável, mas comprimi os lábios perante o chamado da Paloma.

— Samuca! — Paloma o olha de modo refreador. Seu olhar diz que não é prudente dizer seja lá o que for para a mãe em relação a sua filha nesse momento.

Love no Morro da Liberdade 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora